Cuiabá, Segunda-Feira, 21 de Julho de 2025
PERSONAGEM DE CHAPADA
24.12.2023 | 09h30 Tamanho do texto A- A+

Dez anos após história ser revelada, saiba como está “Universo”

Bruno Adalberto Martins Pereira mora em Nova Iguaçu, onde mantém o hábito de ficar nas ruas

Mayke Toscano/Secom

"Universo" (detalhe) passava parte do dia na praça de Chapada

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

Um forasteiro dentro da sua própria terra. De todos os lugares e, talvez, de lugar nenhum, o ex-cabo da Marinha Bruno Adalberto Martins Pereira ainda mantém hábitos que adquiriu enquanto era apenas “Universo”, o mais querido morador de rua de Chapada dos Guimarães, mesmo dez anos depois de voltar para a casa, no Estado do Rio de Janeiro.

 

A gente achava que ele tinha morrido, que tinha acontecido alguma coisa de ruim. Procuramos no quartel, IML, hospital, em tudo e ninguém achava nada

Enquanto a família no Rio de Janeiro pensava tê-lo perdido para sempre, Bruno estava na turística cidade de Mato Grosso desmemoriado das lembranças de seu passado. Em contrapartida, ficou gravado na memória dos chapadenses, que se surpreenderam ao descobrir sua verdadeira história. 

 

Hoje, com 44 anos, "Universo", ou Bruno, segue morando com o irmão mais velho, Carlos Alexandre Martins Pereira, de 48, no Município de Nova Iguaçu (RJ).

 

O que era para ser uma linda história de reencontro familiar, após mais de uma década de distância, hoje tem também o gostinho amargo do descaso do Estado para com a saúde mental da população.

 

Bruno pode ter saído das ruas, mas a rua não “saiu” dele. Carlos conta que o dia a dia com o irmão, apesar de feliz, não tem sido fácil.

 

“Ele depende de mim. Trabalho e não tenho como ficar muito tempo cuidando dele. Os vícios da rua eu não consegui tirar dele. Banho é difícil de tomar, ficar dentro de casa é difícil pra ele. Ele quase não fica, fica muito tempo na rua, muito mesmo”.

 

Entre os anos de 2001 e 2003, Bruno teve um surto enquanto trabalhava na Marinha e “sumiu no mundo” ou, como diz Carlos, “ganhou o mundo”.

 

Ele saiu andando a pé e, do Rio de Janeiro, foi parar em Chapada, onde ficou conhecido como um dos andarilhos mais queridos da cidade. À época, não tinha lembranças da vida antiga e foi fazendo amigos ao longo do caminho.

 

“A gente achava que ele tinha morrido, que tinha acontecido alguma coisa ruim. Procuramos no quartel, IML, hospital, em tudo e ninguém achava nada”, diz Carlos.

 

“Não tínhamos, naquela época, acesso à internet como temos hoje. Se tivéssemos procurado, teríamos achado vários vídeos dele".

 

Nunca mais foi o mesmo

 

O primeiro surto veio após a morte da mãe, assim, sem qualquer sinal prévio.

Arquivo pessoal

Universo - Bruno Adalberto Martins e o irmão

Bruno ao lado do irmão, Carlos Alexandre

 

“Depois do primeiro surto, ele nunca mais foi o mesmo. Tomou remédios passados na Marinha, ficou um bom tempo, aí parou, começou a beber. Aí já era... Surtou de vez”, disse o irmão.

 

Bruno é concursado da turma de 1999, serviu na Escola Militar, se formou no quartel e atuou por pouco tempo na Marinha, até que saiu perambulando pelo mundo.

 

“Ele não dava indício nenhum. Era uma pessoa responsável demais, limpo demais, não dá nem pra acreditar que ele se tornou a pessoa que é hoje”, diz o irmão.

 

Antes de tudo acontecer, Carlos recorda que Bruno sonhava em viajar e fazer mergulhos mundo afora. “Gostava muito de mergulhar. Tinha o desejo de mergulhar em alguns países, em lugares que conhecia por livros, documentários”, recorda.

 

Carlos diz que não conseguir tratar o irmão, porque ele não aceita ser levado ao médico e, como teme uma nova fuga, não o pressiona a fazer nada que não queira.

 

“Não consigo levá-lo ao médico e não tenho condições de pagar um para consultá-lo na rua. Porque o tratamento dele é ambulatorial, não é de internação”, diz.

 

Bruno até teria benefícios a receber, mas é impedido diante da falta de novos laudos.

 

“Não forço ele a nada, tenho medo dele sumir, ir pra rua de novo, ganhar o mundo. Ele vive assim”, diz.

 

Atualmente, Carlos está desempregado e sustenta a família fazendo “bicos”. Enquanto Bruno segue com o hábito de perambular pelas ruas da cidade onde vive.

 

Com a mesma personalidade carismática, Bruno também é um personagem conhecido e muito querido nas redondezas de onde mora.

 

“Ele perdeu a memória, fala uma coisa hoje e amanhã fala que não falou, mas lembra das pessoas. É como se fossem duas pessoas em uma só. Uma hora ele é o Bruno que a gente conhece, em outra uma pessoa que a gente desconhece”.

 

O encontro

 

Há 10 anos, Carlos recebia uma carta comunicando o paradeiro de Bruno. Em um momento de lucidez após um acidente, o então “Universo” começou a recordar da sua antiga vida.

 

Ele deu os nomes do pai, da mãe e do irmão e a psicóloga Leslie Puntschart, da Secretaria de Saúde de Chapada dos Guimarães, conseguiu encontrar sua família, no Rio de Janeiro.

Especial

Bruno segue morando com o irmão mais velho

 

“Passei até mal quando descobri, não esperava. Quando fui [a Chapada] quase desmaiei, foi um choque... Muitos anos sem vê-lo. Ele me reconheceu de cara”, emociona-se o irmão.

 

Eterno Universo

 

Carlos conta que o irmão fala com carinho da época em que viveu em Mato Grosso. “Ele conta muita coisa boa, fala muito bem do povo daí, que todo mundo o ajudou muito”.

 

A figura de "Universo" estampou matérias da época, e nelas ele era descrito como um homem bem-humorado, educado e muito inteligente, amante de poesia e de conversas profundas.

 

Segundo os relatos, não era difícil encontrá-lo em uma rápida volta no Centro de Chapada. De fotos com turistas a buzinadas ao passar, "Universo" era um personagem folclórico na cidade.

 

“Eu percebi esse carinho quando fui aí. Ele sente falta, fala em voltar um dia, diz que vai pegar os aviões dele e vai praí. Mas isso é só um sonho. Tenho vontade de levá-lo, mas não tenho condições financeiras”.

 

 

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