Cuiabá, Sábado, 14 de Junho de 2025
IGREJA HISTÓRICA
21.02.2021 | 08h25 Tamanho do texto A- A+

"Guardiã" da Boa Morte lamenta descaso e teme por estrutura

Moema Sodré, de 71 anos, sonha em ver Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte restaurada

Bruna Barbosa/MidiaNews

Moema Sodré Félix na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte

Moema Sodré Félix na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte

BRUNA BARBOSA
DA REDAÇÃO

A história de Moema Sodré Félix com a bicentenária Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte, no Centro de Cuiabá, se entrelaçam ainda na infância quando ela já frequentava a missa das crianças. Hoje, aos 71 anos, Moema é a principal defensora da igreja na luta contra as consequências do descaso do poder público, que se materializaram em rachaduras e infiltrações. 

 

Os olhos da senhora simpática de cabelos grisalhos e voz tranquila se enchem de lágrimas ao falar da igreja. Mesmo sem eleição, ela foi nomeada coordenadora da Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte. A relação de afeto justifica o cargo que lhe foi dado. 

 

Moema sabe de cor o nome de todos os freis e padres que foram responsáveis pela igreja. Em mais de uma ocasião, eles tiraram dinheiro do próprio bolso para fazer reparos no prédio, mesmo a igreja sendo tombada como Patrimônio Histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

 

“Fico muito triste, porque tenho medo desse patrimônio ‘se acabar’ e não podermos fazer nada. Os custos são muito altos. Alguns santos já foram restaurados por nossa conta, não é barato. Em 2019 estivemos em duas secretarias, de Serviços Urbanos e de Mobilidade Urbana, quando conseguimos que os carros não estacionem no entorno da igreja. Colocaram blocos para não subirem. Assim vamos tentando". 

 

O problema dos motoristas transformarem o entorno da igreja em “estacionamento” são as rachaduras causadas pelo peso dos veículos. No chão da praça onde fica a Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte também é possível ver que as raízes das árvores “levantaram” parte do piso de paralelepípedos. 

 

Fico muito triste, porque tenho medo desse patrimônio ‘se acabar’ e não podermos fazer nada"

Por falta de poda, os galhos de algumas das árvores estão invadindo a igreja, principalmente no telhado. Moema teme que isto possa prejudicar a estrutura da capela de alguma forma.

 

Ao entrar na igreja, é impossível não se fascinar com a vultuosidade do altar em tons de azul claro, bege e dourado, que foi construído em 1846. 

 

Nele ainda estão colocadas as imagens originais, que precisam de restauração urgente. Deitada em uma redoma de vidro está a Nossa Senhora da Boa Morte e, acima, Nossa Senhora da Glória. 

 

Apesar da beleza da arquitetura, partes do altar estão se despregando, pedaços de madeira se soltando e rachaduras profundas já tomaram conta da estrutura. 

 

Por conta da influência dos freis franciscanos na história da igreja, um dos altares abriga uma imagem grande de São Francisco de Assis. Moema explica que, não fosse pelos freis que já passaram pela Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte, o local estaria em situação ainda mais delicada. 

 

"Os franciscanos sempre conseguiam dinheiro de campanhas na Alemanha e mandavam para cá. Em 1940 os alemães vieram fugindo da guerra, o bispo na época perguntou se eles queriam tomar conta dessa paróquia. Essa igreja está em pé por causa dos franciscanos. Se não fosse eles, já teria caído. Somente depois os franciscanos a devolveram, em 2010". 

 

Igreja dos "pardos" 

 

A Igreja da Boa Morte foi inaugurada em 1810 pela Irmandade dos Pardos da Boa Morte. Na época, a confraria formada por homens e mulheres miscigenados e alforriados, com predomínio de negros e indígenas, não frequentava a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde os negros escravizados e pobres iam. 

 

Mas eles também não podiam ir à Igreja do Bom Jesus de Cuiabá, atualmente a Igreja Matriz, onde era permitida a entrada apenas de homens e mulheres de pele branca. 

 

No ápice da segregação racial, os pardos ascendidos socialmente decidiram fundar a própria igreja. 

 

Moema se tornaria coordenadora "por amor" da Igreja da Boa Morte mais de 150 anos depois. Desde 1950, quando tinha três anos, ela mora na Rua Voluntários da Pátria. 

 

Sua mãe era frequentadora assídua da igreja, onde foi velada quando faleceu. Enquanto sobe uma escada de madeira centenária, Moema conta algumas das histórias do lugar, que além das missas, tinha aulas de catequese e de costura.

 

Os degraus levam para o andar superior da igreja, onde, até 1960, o coro de vozes, órgão e violino se propagava pelas paredes de adobe (mistura de água, terra e palha) do local. 

 

A Igreja Boa Morte passou apenas por três intervenções em sua construção. 

 

"Em 1966, me lembro bem porque era criança, houve uma invasão de morcegos, era uma coisa louca. Frei Quirino, que era o pároco na época, fez a reforma com um engenheiro alemão que veio trabalhar em Mato Grosso. Colocaram grades em cima para impedir a entrada dos morcegos. Eram muitos. Lembro que, na missa, davam rasante na cabeça das pessoas". 

 

Entrar na Igreja Boa Morte é como fazer uma viagem no tempo por alguns minutos. 

 

O imóvel ainda preserva muitas das características originais. Tirando o salão principal, todos os cômodos ainda possuem ladrilho hidráulico.

 

A pia batismal, os sinos de 1844 e o galo, que antes ocupava lugar na torre da paróquia, ainda são guardados pela igreja

 

O galo, no entanto, não está instalado no lugar de origem porque precisa passar por restauração. Assim como um dos sinos, que também está quebrado. 

Bruna Barbosa/MidiaNews

IGREJA BOA MORTE

Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte ainda preserva características originais, mas precisa de reformas urgentes

 

O primeiro pároco da igreja, Monsenhor Bento Severiano da Luz, está enterrado na igreja, ao lado do altar.

 

"Muitos viajam para outros países para visitar igrejas. Tudo aqui é original e está caindo aos pedaços. Temos uma igreja com 210 anos nessas condições. É triste". 

 

MidiaNews procurou a Prefeitura de Cuiabá, que afirmou que a Paróquia Nossa Senhora da Boa Morte é de responsabilidade do Governo de Mato Grosso. O Estado, por sua vez, informou que também não é responsável pela igreja. 

 

A reportagem ainda questionou o Iphan, que não se manifestou até a publicação. 

 

Enquanto o poder público se exime da responsabilidade, Moema lamenta assistir ao patrimônio histórico se desfazer aos poucos. Em uma sacola, ela carrega arquivos e anotações sobre a história do lugar e teme não se lembrar de tudo. 

 

Quando "chegar a hora", Moema também espera ser velada na Igreja da Boa Morte, da santa que não morreu e sim ascendeu aos céus. Para ela, é uma forma de ter uma "passagem tranquila". 

 

No entanto, a coordenadora da paróquia espera que antes disso, consiga ver a igreja em melhores condições novamente.

 

As missas ainda acontecem todos os sábados às 7h30. 

 

Veja a galeria de imagens:

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8 Comentário(s).

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Gilberto Balboeno da   16.08.23 13h26
Pena que não moro em Cuiabá, pois poderia restaurar muitas coisas da igreja, e faria por puro prazer e sem querer nada em troca.
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CLAUDIA VALESKA PAES DE BARROS  22.02.21 08h16
Muito triste ver essa preciosa igreja dessa forma, um descaso da prefeitura que está tão próxima do local... Esquecem VLT, BRT... Já deu muita discursão e até hoje só dinheiro indo para o ralo... Vamos preservar nossa igreja, nossa cultura, nossa religiosidade... Que assim seja!
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Guto Vieira  22.02.21 06h44
Lamentável como a Cultura deste País,chamado Brasil, vem destratando o Centro Histórico da Capital tri centenária que é Cuiabá,esperamos algumas soluções do Poder Público quanto á revitalizações e recuperação deste patrimônio cultural e turístico que é a Igreja da Boa Morte,esperamos que os nossos governantes olhem para este bem e que ajudem a missionária e guardiã da igreja a colocar seu sonho em prática que é de restaurar para que a igreja possa a voltar a servir a comunidade humilde e hospitaleira da região da boa morte. atenção autoridades voltem seus olhos para o nosso centro histórico.
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Maria do Carmo Monteiro da Silva  21.02.21 20h16
Onde estão nossos Senadores, Deputados Federais e Estaduais que dizem amar Cuiabá ? Será que não poderiam formar um grupo visando salvar nossa história?Essa Igreja é da Cuiabania...
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Roberto  21.02.21 16h15
A igreja católica, que já tem isenção de tributos, que se vire para recuperar esse templo. O poder público não deve colocar dinheiro nisso.
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