Liu Arruda

Irreverente, icônico e inesquecível, o humorista cuiabano Elonil de Arruda, ou Liu Arruda, foi um marco na história do teatro mato-grossense e ressignificou a identidade do ser cuiabano.
Ele partiu no auge de sua carreira, aos 42 anos, em 24 de outubro de 1999, vítima de uma infecção que levou à falência múltipla de órgãos.
Vinte e cinco anos depois, ele segue vivo na memória popular, pela originalidade dos seus personagens, a habilidade em cena e, principalmente, pelo sotaque cuiabano carregado, sua marca registrada e que influenciou uma geração de artistas.
O teatro entrou na vida de Liu quando ele ainda era menino. Aos 11 anos, fez sua primeira apresentação no Colégio São Gonçalo. Na adolescência, na década de 70, integrou o grupo "Pequenos Gigantes", do Sesi.
Nos anos 80, mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar Comunicação Social na Universidade Gama Filho. Alguns anos depois, voltou a Cuiabá e eternizou personagens como a desbocada Comadre Nhara, seu marido Juca e os filhos Gladstone e Ramona.
Em seu currículo, Liu soma cerca de 40 personagens. Ele ainda participou de novelas, teve um programa de TV e coluna em jornal, além de ter lançado um CD.
Fora da curva
O artista foi descrito por amigos e colegas como alguém extrovertido e muito engraçado, mesmo fora dos palcos, mas também como alguém bastante polêmico e temperamental, e, acima de tudo, como um talento excepcional.
Para o jornalista e escritor Lorenzo Falcão, amigo de Liu, ele era "o bicho em cena", com uma vocação nata para os palcos e para a improvisação.
“Era essa traquinagem que ele tinha… Ele se bastava em cena, era muito rápido. Tinha duas ou três contra-regras, e uma hora ele estava em um lugar, daí a 30 segundos ele aparecia em outra beirada do palco como outro personagem”, recorda.
Liu tinha facilidade em trocar a voz e a entonação de cada personagem que interpretava. Uma hora como a fofoqueira e desbocada Comadre Nhara, outra como o arrastado Juca.
“Era puro entretenimento, divertido demais. Você ia, se divertia, chorava de tanto rir e saía esfuziante. Ele começava na quinta e ia até o domingo, casa cheia. Depois, comprou um bar, o Nó de Cachorro, e lá fazia seus espetáculos”, relembra Lorenzo.
O ator Ivan Belém, amigo que dividiu os palcos com Liu, lembra que nem tudo eram flores. “Talentoso, muito engraçado, mas isso quando estava bem. Quando não estava de bom humor, era um 'sai de baixo'. Tinha uma personalidade muito forte”, afirma.
Pioneirismo
Ao lado de diversos outros artistas, Liu fez parte do primeiro grupo de teatro de rua de Mato Grosso, o Gambiarra, e caiu nas graças do público em um momento crucial para a autoafirmação da identidade regional.
Arquivo Pessoal - Ivan Belém
Liu Arruda em diferentes personagens
“Foi um trabalho maravilhoso que nós fizemos, de vanguarda. O primeiro grupo de teatro de rua de Mato Grosso e o primeiro a fazer sucesso com humor genuinamente cuiabano. Foi um grande marco”, diz Ivan, membro do grupo.
A atriz Meire Pedroso recorda que a principal inspiração era o cotidiano da cidade. “Nos preocupávamos em trabalhar temáticas que, de alguma forma, pudessem contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico”.
O grupo surgiu em meio ao processo de invasão de "paus-rodados". Uma parte deles menosprezava o jeito, o vestir e o falar tipicamente cuiabano. “Precisávamos evitar o apagamento da nossa cultura com a chegada de outras manifestações”, diz Meire.
Foi nesse momento que Liu e Ivan criaram as primeiras comadres, a Nhara e a Creonice, colocando em foco todos os trejeitos da cuiabania e enaltecendo-os.
“Ficavam tripudiando em cima do jeito cuiabano de falar e os cuiabanos tinham vergonha disso. Liu pegou esse falar e levou para o palco, vingando-se dessa xenofobia reversa”, acrescenta Lorenzo.
Alô, Comadre!
Depois de alguns anos, o Grupo Gambiarra se dissipou, e Liu fez dupla com Ivan, apresentando-se em teatros, bares e quintais cuiabanos, cada um com sua comadre. “Foi um grande sucesso, de repente não havia mais ingressos, ficava tudo lotado”, diZ Ivan.
“Nós criamos as primeiras comadres. A comadre Nhara era aquela cuiabana escrachada, que falava palavrão, carregada no sotaque, esculachava minha comadre, que era o contraponto dela, a escada pra ela. Porque a minha era metida a fina, a falar sem sotaque”.
Arquivo Pessoal - Ivan Belém
Liu Arruda em diferentes persogens
A inspiração de Liu vinha do povo e, para Meire, seu legado segue vivo nas ruas da capital. “Ele colocou a mulher em cena, em foco. Transformou narrativas da realidade em imaginário. Foi grandioso, criou uma escola. Ele é patrimônio imaterial do Estado”.
Liu não tinha papas na língua e alfinetava políticos e pessoas poderosas da época, levando, com os amigos, a fama de “maldito”. “Era o começo da abertura democrática, saindo de uma ditadura. Éramos irreverentes, ninguém escapava de nossas críticas. Teve quem dissesse que deveríamos ser banidos da face da Terra”, relembra Ivan.
Legado vivo
O humorista Lioniê Vitório, da dupla Nico e Lau, conta que já fazia teatro na época em que Liu estourou. Ele recorda como aqueles eram tempos difíceis para os artistas e como o cenário mudou a partir do trabalho de Liu, Ivan e do Grupo Gambiarra.
“Isso [as comadres] foi para a televisão, para o rádio e foi para as propagandas de supermercado. Deu muito certo. Fez uma escola muito grande e abriu portas. Foi um verdadeiro divisor de águas”, afirma.
Para Lioniê, foi depois desse fenômeno midiático que o cuiabano voltou a assumir sua identidade. “Até hoje, depois de 25 anos da morte de Liu, você vê reflexos disso”.
O humorista, que hoje interpreta Nicolina, acredita que o sucesso dela também reflete as comadres criadas no passado, mesmo que não tenha sido uma inspiração direta.
“De maneira geral, Liu é uma inspiração. Fazíamos teatro com uma visão não empresarial, e Liu tinha essa visão, de não só subir no palco, mas também fazer com que o produto fosse vendável”.
Thyago Mourão, humorista da nova geração, também vê Liu como inspiração e diz que seu personagem, Xô Dito, foi criado com influências do legado de Liu.
“Não no sentido de fazer algo que parecesse com o que ele fazia. Eu quis fazer algo que ele não tivesse feito ainda, algo diferente. Queria trazer minha personalidade e minhas referências”, conta.
Para Thyago, a arte de Liu o fez sentir-se bem com seu linguajar e sua cultura. “Hoje, temos uma cidade onde as pessoas que moram aqui gostam, valorizam, e quem vem de fora abraça, aceita e busca entender nossa cultura”.
“Quando ele morreu, perdemos essa força. Mas, ao mesmo tempo, tivemos a felicidade de torná-lo esse símbolo, esse cara que abriu caminhos para nós. Liu tem um lugar intocável na nossa cultura. Ele não pode ser comparado”, completou Thyago.
“Acho que ele deixou um legado de que o teatro pode contribuir para a transformação de uma sociedade, e que a prata da casa pode, sim, fazer sucesso”, finalizou Ivan.
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2 Comentário(s).
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Glaidstone 20.10.24 18h50 | ||||
Liu Arruda era um grande artista da época. Muito talentoso, conheci o Liu através do Kallil ali no bar do beco na voluntario da pátria. Ele usou o meu nome em personagem dele com minha autorização! | ||||
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Lisandro P. Filho 20.10.24 10h56 | ||||
Liu Arruda, numa curta passagem deixou um legado humorístico que muito copiado mas não igualado. Daqui e não de lá, Liu com seu humor debochado satírico proporcionou muitos gargalhar. | ||||
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