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17.03.2019 | 11h20 Tamanho do texto A- A+

Haitiano que fala 7 idiomas vira chefe de setor em hotel de Cuiabá

Ele conta que aprendeu o português em apenas um mês, para conseguir entrar no mercado de trabalho

Alair Ribeiro/MidiaNews

Angelot Lhiorhemy trabalha no Gran Odara Hotel, em Cuiabá, há três anos

Angelot Lhiorhemy trabalha no Gran Odara Hotel, em Cuiabá, há três anos

JAD LARANJEIRA
DA REDAÇÃO

Foi aos sete anos que o haitiano Angelot Lhiorhemy se deu conta de que falava três idiomas: inglês, francês e o crioulo – língua natural do Haiti e que tem base francesa. Bastante estudioso, logo aprendeu mais quatro: espanhol, alemão, italiano e o português. Todos para poder se comunicar nos países pelos quais já passou.

 

Bastante fluente no português e sem sotaque, Angelot não dá sinais de que seja um estrangeiro que mora há apenas quatro anos no Brasil. Muito pelo contrário, seu vocabulário se iguala aos nativos, falando até mesmo gírias culturais com maestria.

 

O jovem trabalha como gerente dos mensageiros no Gran Odara Hotel, em Cuiabá, há três anos. Em entrevista ao MidiaNews, ele conta que aprendeu a falar português em apenas um mês, logo após desembarcar na Capital mato-grossense.

 

“Idiomas sempre foi meu ponto forte. Eu tive um pouco de dificuldade no começo, mas não muito, porque quando eu cheguei não falava nada de português, então usei muito o espanhol, que foi o que me ajudou a me comunicar e conseguir um emprego o mais rápido possível. O brasileiro pode não falar o espanhol, mas ele entende, então conseguia me comunicar um pouco”, afirma.

Alair Ribeiro/MidiaNews

Angelo Lieronny

Angelot: "Eu não tinha tempo para estudar quando cheguei aqui" 

 

Dito e feito. Logo após chegar, o haitiano conseguiu um emprego em um hotel, onde trabalhou por pouco tempo como recepcionista. No entanto, como o local recebia muitos estrangeiros como hóspedes, Angelot quase não treinava o português, apenas com os colegas de trabalho.

 

“Infelizmente, eu não tinha tempo para estudar quando cheguei aqui, porque eu estava passando por uma situação financeira delicada. Então, eu tive que me profissionalizar nessa área e aprender o mais rápido possível o português. Eu lembro que eu pensava: ‘Eu não sei como vou ficar lá, mas eu vou’”, relata.

 

Formado em contabilidade por uma Universidade na República Dominica, Angelot hoje se divide entre o atual trabalho e a faculdade de Ciências da Computação, que começou neste ano.

 

Ele revela que os planos de vir morar no Brasil vieram de forma repentina, despertando-lhe grande interesse e curiosidade. Logo, ele se viu pesquisando sobre o idioma e cultura do País, que o encantaram instantaneamente.

 

“Eu não conhecia ninguém aqui no Brasil. Só pesquisei no mapa, para tentar saber um pouco mais. Só que, quando aprofundei mais a minha pesquisa, vi que tinha bastante haitianos que estavam vindo para o Brasil. Tentei contato com algum deles aqui, mas infelizmente não tinha ninguém [conhecido]” diz.

 

“Para Cuiabá, também foi assim. Eu simplesmente olhei no mapa, vi o nome e gostei. Pode parecer loucura, mas tudo que eu considero ser diferente, e que não parece normal, eu corro atrás para tentar entender. Então, Cuiabá também não foi nada planejado. Eu só olhei no mapa. Vi que bastante gente estava indo para São Paulo, pensei em ir, mas aí alguma coisa estava me chamando para cá”, recorda.

 

Poliglota

 

O haitiano diz que sempre teve facilidade em aprender idiomas. Ainda criança, aprendeu francês na escola, o crioulo nas ruas - mais usado para se comunicar com a vizinhança - e o inglês dentro de casa, já que sua família tinha o costume de se comunicar apenas neste idioma.

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Angelo Lieronny

Angelot é gerente dos mensageiros no hotel Gran Odara, em Cuiabá

 

Com 20 anos, ele decidiu sair de casa pela primeira vez e foi morar na República Dominicana. Lá, ele revela que precisou aprender o espanhol e, para a sua surpresa, com apenas pouco mais de um mês, assim como o português, logo estava falando perfeitamente.

 

A necessidade de se aprofundar naquele idioma veio a partir de dificuldades financeiras que viveu no País estrangeiro. Angelot, então, teve a ideia de aprender o espanhol para dar aulas de inglês para quem quisesse aprender.

 

Ele abriu uma escola de idiomas na República Dominicana, onde lecionou por três anos. Paralelamente com os recursos, ele fez o curso de contabilidade naquele País.

 

Nesse meio tempo, Angelot conta que aproveitou para conhecer outros países, como o Equador, Panamá, Peru e a Bahamas. Quando o curso de Contabilidade terminou, ele decidiu vir para o Brasil.

 

Aqui, o jovem diz que tem vários planos em mente, inclusive abrir novamente uma escola de idiomas. Ele diz que sua meta é aprender 12 idiomas no total.

 

Sobrevivente

 

No dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7,2 segundos na escala Richter atingiu o Haiti, com epicentro na Capital do país, em Porto Príncipe, onde Angelot morava com a família.

 

Ele tinha 17 anos quando viu a casa que morava desmoronar. Angelot havia saído do local há pelo menos 10 segundos antes do terremoto começar.

 

A tragédia deixou mais de 230 mil pessoas mortas e milhares desabrigadas.

 

Ao se recordar do dia fatídico, Angelot começa dizendo que nunca se interessou por futebol ou em jogar bola com amigos e que raramente saía de casa para conversar com amigos da vizinhança.

 

No entanto, no dia do desastre, o dia começou como outro qualquer: ele saiu pela manhã, foi para a escola, e retornou para a casa após as aulas, para estudar mais um pouco, como fazia todos os dias. 

 

Gosto muito das pessoas daqui. De todos os países que já passei na vida, o povo daqui de Cuiabá é muito receptivo

Porém, por algum motivo que ele não sabe explicar até hoje, naquele dia ele não conseguia dar continuidade aos estudos.

 

“Eu estava me preparando para uma prova da escola, mas não estava conseguindo estudar. Geralmente, eu consigo ler 24 horas sem parar, mas naquele dia eu não conseguia me concentrar, não conseguia pensar direito. Foi quando pensei em sair um pouco de casa e distrair a mente. Meus amigos estavam jogando futebol na rua, então mesmo não me interessando pelo esporte, eu decidi ir lá vê-los. E quando eu estava saindo de casa, depois de uns 10 segundos, começou o terremoto”, recorda.

 

“A casa que eu estava caiu. Foi muito rápido. Assim que pisei fora de casa, ela desmoronou. É uma coisa que até hoje eu mesmo não consigo explicar”, conta.

 

A irmã de Angelot estava na escola e a mãe, na rua com outros afazeres. Ambas não se feriram no terremoto. Mas ele revelou que perdeu muitos amigos e pessoas queridas, aos quais sempre se lembra e ainda se emociona ao falar.

 

Planos de voltar

 

Angelot diz que gosta de viver em Cuiabá, gosta dos amigos que fez, e o emprego no qual trabalha. Segundo ele, as pessoas aqui são mais hospitaleiras, se comparado aos outros países que já visitou.

 

“Demorei um pouco a acostumar com o clima apenas, porque de onde eu venho a temperatura máxima é 10°C ou 9°C. Para falar a verdade, não tem como acostumar com o calor de Cuiabá. Até quem é daqui não consegue”, afirma, aos risos.

 

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Angelo Lieronny

Sonho de haitiano é voltar para o País de origem e ajudar a melhorá-lo

“Gosto muito das pessoas daqui. De todos os países que já passei na vida, o povo daqui de Cuiabá é muito receptivo. É muito difícil você andar na rua de algum outro país, precisar de ajuda e ver que tem um milhão e ninguém ajuda. Aqui as pessoas fazem questão, elas querem te ajudar. Teve uma vez, logo quando cheguei em Cuiabá, que uma senhora ficou uma hora comigo querendo entender onde eu ia. Ela chegou atrasada no serviço dela por causa de mim. E a gente ‘se matando’ para poder se entender, eu não queria incomodar, mas ela insistiu. E aí pensei: 'Nossa, que pessoa sensacional’. Isso para mim não era muito comum”, conta.

 

O haitiano diz que pretende voltar ao seu País, mas que antes disso quer adquirir mais conhecimento, para levar mais tecnologia, que de acordo com ele, ainda é muito precária lá.

 

“Tenho bastantes planos para o Haiti, quero muito inovar o sistema de tecnologia lá. Inclusive, esse foi um dos motivos que eu comecei a faculdade de Ciência da Computação, para colocar bastante coisa com relação à tecnologia lá [em prática~], porque eu acho que tem bastante coisa faltando, em comparação com os outros países que eu já passei”, diz.

 

“Eu espero adquirir bastante conhecimento na área pra levar eu e um grupo de amigos brasileiros. Nós queremos entrar na área medicinal a princípio, para desenvolver sistemas, softwares. Estamos fazendo um projeto”, relata. 

 

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COMENTÁRIOS
12 Comentário(s).

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Sandra orelus  03.09.20 18h35
Parabéns, que Dieu abençoe você e continua com você no seu caminho .sucessos
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Marcia  18.03.19 13h46
Que rapaz inteligente. Parabéns que você tenha muito sucesso na sua jornada. Fiquei enaltecida com sua história.
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Benedito costa  18.03.19 08h32
Olha que ele ainda vem de um Pais muito pobre movido por terremoto, corrupção e tudo mais. Parabéns a esse haitiano que dá show em qualquer outro brasileiro que não quer nada com a dureza.
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SUELEN DE ALMEIDA PAULA  18.03.19 08h10
Deus é maravilhoso em sua vida Angelo, Jesus fez tudo isso na sua vida, quando tem esse sentimento uma voz bem baixinha dizendo dentro de você que vai dar certo é o Espírito Santo de Deus.
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SUELEN DE ALMEIDA PAULA  18.03.19 08h09
Deus é maravilhoso em sua vida Angelo, Jesus fez tudo isso na sua vida, quando tem esse sentimento uma voz bem baixinha dizendo dentro de você que vai dar certo é o Espírito Santo de Deus.
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