Kelvin planejava filho e estava ampliando casa recém-adquirida

Até o último domingo (28), a entregadora de aplicativo Bianca Amorim, de 26 anos, tinha inúmeros planos ao lado do marido, o também motoboy Kelvin Tavares da Cruz, de 29. Desde aquele dia, no entanto, tudo mudou.

Nós tínhamos um planejamento de vida lindo, uma vida estável, um casamento estável. Ele ainda tinha muita coisa para realizar

Kelvin realizava a sua última entrega no Bairro Tijucal, em Cuiabá, quando foi atingido por um carro em alta velocidade. Levado ao hospital, ele não resistiu e morreu. O motorista, que estava com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa, já tinha matado uma pessoa da mesma forma em 2015.

“Eternamente ele será o amor da minha vida. Ele era meu tudo, estou sem um norte. Nós tínhamos um planejamento de vida lindo, uma vida estável, um casamento estável. Ele ainda tinha muita coisa para realizar”, disse.

Segundo Bianca, seu único consolo é saber que viveu intensamente cada dia dos quase cinco anos que passou ao lado do marido. “A palavra que definia o Kelvin era amor. Não passamos nenhum dia sem nos declarar”, disse.

O casal ampliava a casa que havia acabado de comprar e planejava aumentar a família no ano que vem. Kelvin tinha dois filhos de uma relação anterior, um menino de 5 anos e uma menina de 9. E queria o terceiro.

“Trabalhávamos no aplicativo para adquirir bens e ter mais qualidade de vida. Esse era o sonho dele, ter uma casa boa, confortável. O projeto de ter filhos já era para o ano que vem”, disse.

Bianca descreveu o marido como uma pessoa alegre, carinhosa e que, mesmo tendo partido cedo, conquistou uma legião de amigos. “Reuniu uma multidão no seu velório”.

Arquivo Pessoal

Kelvin com a esposa Bianca

“Por onde ele passava era só alegria. Aonde chegava era festa, não tinha quem ficasse triste perto dele. Era um marido maravilhoso, todos os dias falava que eu era linda, falava que estava com saudade, mesmo a gente tendo acabado de sair de casa”.

A dona de casa Cecilia Batista da Costa, de 66 anos, tia de Kelvin, também foi só elogios ao rapaz.

“A perda dele é muito difícil, mas falar do Kelvin é fácil. Ele era tudo de bom, um ótimo filho, um excelente sobrinho. Era uma pessoa extrovertida, feliz, muito amigo, carinhoso, amável com todos parentes, era muito família”, disse Cecilia.

“Foi uma perda irreparável. Nós estamos destruídos, com o coração partido”, completou a tia do rapaz.

Pressentimento

Pouco antes de o acidente acontecer, Bianca teve um pressentimento, um tipo de aperto no peito que a fez mandar uma mensagem ao marido para pedir que os dois fossem para casa depois de finalizar a corrida em que estavam.

Passaram-se exatos 9 minutos até a resposta chegar. Já era o áudio de Kelvin dizendo que havia sido atropelado.

“Eu estava sentindo um aperto no coração, uma ansiedade, uma angústia. Eu queria ir para casa e queria e que ele fosse também e mandei uma mensagem para ele às 18h48. Quando foi 18h57 chegou o áudio dele pra mim”.

Bianca não tinha a dimensão da gravidade até vê-lo chegar de maca no Hospital Municipal de Saúde (HMC).

“Saí correndo transtornada pelo shopping [local de sua última coleta], chorando. Montei na minha moto, corri o mais rápido que pude. Eu corria tanto, mas tanto...”, disse.

“Fiquei lá esperando e quando a ambulância chegou e ele desceu, aí que eu fui ter a noção do tamanho do estrago, a perna dele estava muito feia. Ele ainda estava consciente”.

Os segundos que se passaram, conforme Bianca, não pareciam reais. “Sabe aquela cena de filme quando a pessoa chega na maca e você sai correndo para falar com a pessoa? Eu vivi essa cena”, disse.

Arquivo Pessoal

Kelvin com o time de futebol da família

Foi a última vez que Bianca viu o marido com vida. Kelvin entrou para a sala de cirurgia e pouco depois veio a notícia do óbito. Ele perdeu muito sangue devido à fratura exposta e teve paradas cardíacas.

“Esse acidente tirou a vida dele, tirou a minha vida, tirou a vida de uma mãe e de uma família toda. Não sabemos viver sem ele”, disse Bianca.

#JustiçaKelvin             

Além de ter que conviver com a falta do ente querido, a família de Kelvin precisa lidar com o sentimento de revolta diante da liberdade do motorista que provocou o acidente, Mario Márcio Lemes de Oliveira Junior, de 28 anos.

“Não é possível não ter enxergado [Kelvin]. O que aparenta é que ele não tentou desviar, ele viu e bateu. A nossa revolta é gigante”, disse Bianca.

“Nunca vai entrar na minha cabeça o porquê desse moço ter sido solto. Se a pessoa para na blitz e ela está embriagada, ela é presa. E em um caso de acidente dessa forma não? Eu não entendo”.

Cecilia chegou a ir ao local do acidente que tirou a vida do sobrinho. “Está lá o copo de açaí que ele iria entregar, os destroços da moto e muito sangue, é a maior tristeza passar por lá. Não só a família, mas todo mundo que assistiu ao vídeo está revoltado”, disse.

A família pede que a justiça seja feita e que o motorista pague pelos crimes que cometeu. “Subimos uma hashtag para publicar nas redes #JustiçaKelvin”, disse a viúva.

Trabalhando na mesma função que o marido, Bianca agora tem medo de que algo similar lhe aconteça. “O medo é de você sair para trabalhar e não voltar, acredito que todos os motoboys da cidade também sentiram isso, tanto é que você vê a proporção que isso tomou”.