Pesquisador, professor de inglês e pai, Vicente Tchalian, de 32 anos, é o primeiro homem trans a receber o título de doutor na UFMT. Em sua pesquisa, Vicente estudou gênero em um trabalho inédito que inclui suas experiência também como fonte de dados através da autoetnografia.
Entender-se como uma pessoa trans foi uma longa jornada para Vicente, que começou, de fato, já na fase adulta, aos 24 anos, quando começou a se dedicar às pesquisas sobre gênero no Programa de Estudos sobre Cultura Contemporânea (ECCO) da UFMT.
Quando entrou no processo seletivo para o doutorado, com 27 anos, também no ECCO, Vicente ainda usava o nome de registro. Logo ele tomou a decisão de passar pela transição hormonal e de alterar os documentos.
"Passei 2013 e 2014 com muita depressão, tentando entender mesmo. Chegou nesse limite e eu decidi que queria mudar algumas coisas, tanto no meu corpo quanto nos meus documentos. Na tese, vou chamar de um momento de renunciar a cisgeneridade [pessoa que se identifica com o sexo biológico]", explicou.
Desde 2017, Vicente se dedicou às pesquisas para sua tese: “Estéticas da resistência, renúncia à cisgeneridade em narrativas transmasculinas do Centro-Oeste brasileiro”. E, agora, se prepara para defender o trabalho nos próximos dias.
Seu grupo de estudo é composto por outras três pessoas trans que, em breve, também entrarão para a História da UFMT.
Para o doutorando, o espaço da academia e o universo da pesquisa científica significaram uma "transformação", por isso é importante que mais trans ocupem esses lugares.
Processo de descoberta
Desde a infância, Vicente já precisou descobrir como seria lidar com as situações de preconceito, apesar da sorte de ter uma mãe que participou do movimento feminista nos anos 80 e não fazia distinção por gênero dentro de casa. Do lado de fora, a realidade era outra.
O doutorando relatou que, por conta da criação, não "via" o mundo dividido em gêneros.
"Herdava muitas roupas de primos, mas também de primas que eram mais velhas. Ia sobrando, guardando e todos nós usávamos. Acho que nos anos 80 e 90 não tinha essa 'patrulha conservadora'. Na minha família era muito tranquilo, não que não tivessem pessoas homofóbicas, racistas e machistas, mas, com meu pai e minha mãe, não percebia gênero dessa forma", disse.
Na escola, Vicente também passou por situações preconceituosas por conta da forma que gostava de se vestir ou dos brinquedos que costumava ter, por exemplo.
Certa vez, uma das professoras enviou um bilhete pedindo que os meninos levassem carrinhos e as meninas, bonecas.
"Minha mãe questionou e se por caso eu quisesse levar carrinhos? Afinal, quando eu crescesse, eu iria dirigir e, quando os meninos crescessem, eles seriam pais. Gostava de brincar de bonequinhos, de criar histórias com eles", lembrou.
Nas relações de amizade, o doutorando também guarda situações dolorosas.
Vicente não podia dormir na casa dos amigos, por exemplo.
"Tenho uma amiga que é minha amiga até hoje, mas, naquela época, estava tarde e ela não podia me chamar para dormir na casa dela, porque os pais dela não deixavam. Já fui convidado a sair de uma escola também", disse.
O doutorando classifica o momento atual, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como um período em que, apesar da população LGBTQI+ conseguir ocupar alguns espaços de visibilidade, muitos direitos estão sendo perdidos.
Apesar disso, há dois anos, Vicente se relaciona com a esposa e, juntos, criam o filho de nove anos.
Para ele, a experiência é de muito amor.
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2 Comentário(s).
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Pedro Neves 21.06.21 10h32 | ||||
Com o acolhimento da família conseguiu estudar. É a prova de que as pessoas não podem ser excluídas. Uma criança precisa se sentir integrada pra estudar. Parabéns pelo esforço e à família que o apoiou! | ||||
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Graci O. Miranda 20.06.21 14h19 | ||||
Parabéns! que beleza Dr. Vicente Tchalian. | ||||
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