“Se estivesse roubando ou matando seria bem pior, né? Mas não, estou aqui trabalhando honestamente. Mas parece que não está bom, aí fica difícil”. Esse é o pensamento do "flanelinha" João Paulo da Silva, de 26 anos, que atua no Centro de Cuiabá.
Ele está entre os 55 guardadores de carro que foram autuados pela Prefeitura para cessar a atividade ilegal na cidade. A operação faz parte das ações de segurança da Secretaria de Ordem Pública, em parceria com a Polícia Militar.
Atuar como "flanelinha" é algo vedado pelo artigo 47 da Lei das Contravenções Penais. De acordo com estimativa da Prefeitura, existem cerca de 100 deles na Capital.
João Paulo diz saber que a sua atuação é errada, mas que, se parar, não terá como sobreviver.
“Já que a Prefeitura quer que todos nós saiamos daqui, por que não nos ajuda, nos dão um emprego?”, questiona.
Ele, que não esconde ser usuário de drogas, mas que deseja mudar de vida, contou que trabalhava em uma empresa como ajudante, mas acabou sendo demitido, segundo ele, por conta da crise.
“Já procurei trabalho em vários lugares, mas ninguém me dá uma oportunidade”, afirma.
Ele conta ainda, que há menos de um ano brigou com a mãe e saiu de casa.
“A única saída que eu tive para poder comer e me vestir foi a de ser flanelinha na Praça Alencastro”, diz.
“Eu pago o ponto para outro rapaz que está aqui há mais tempo do que eu. Ele fica de manhã e eu à tarde”, complementa.
João Paulo revela que ganha cerca de R$ 70 a R$ 80 por dia. Por mês, ele chega a faturar R$ 2,4 mil.
Marcus Mesquita/MidiaNews
João Paulo saiu de casa e se tornou flanelinha no Centro de Cuiabá
“Não estipulo um preço a ninguém. Me dão o que têm, se não tiver nada também, está tudo certo”, garante.
Clodoaldo Oliveira, de 32 anos, que também atua como flanelinha no centro da Capital, diz que a Prefeitura está fazendo uma “crueldade”.
“O pessoal conhece nós todos aqui. Nunca roubamos nada de ninguém. Agora, se está acontecendo isso, em outro lugar, beleza, tem que punir mesmo. O que eles não podem é generalizar, mas já que querem que a gente saia, arruma emprego para todos nós”, diz.
“Eu sou ficha limpa, tenho família para criar, tenho que colocar comida em casa, não posso ficar sem emprego. Eu dou duro aqui, desde as seis da manhã até meia-noite. Nossa vida não é fácil como pensam”, completa Clodoaldo, mostrando o dinheiro que ganhou até o final da tarde, cerca de R$ 35.
Clodoaldo propôs que a Prefeitura pode ajudá-los, colocando-os para trabalhar no projeto “Faixa Verde”, que será implantado em Cuiabá.
“Eles [Prefeitura] pode fazer isso, é só nos capacitar”, cobra.
O processo de licitação do sistema de estacionamento rotativo da Capital, conhecido como “Faixa Verde”, está temporariamente suspenso, mas deve ser implantado até julho, conforme informações da assessoria de imprensa da Prefeitura.
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Rafael Botelho atua como flanelinha há dois anos na Capital
Rafael Botelho Rodrigues da Silva, de 25 anos, diz que nenhum dos "flanelinhas" está lá porque quer, mas por necessidade.
Ele foi demitido há dois anos de uma pastelaria na Avenida Isaac Povoas e, desde então, não conseguiu mais emprego.
“Só porque eu tenho tatuagem e fumo maconha sou desprezado. Não mexo com a vida de ninguém, sou honesto, nunca fui preso, só quero ter oportunidade para trabalhar”, afirma.
Rafael diz que o que ganha como guardador de carro, cerca de R$ 50 por dia, dá para comer e pagar a quitinete onde mora com dois amigos, no bairro Morada do Ouro.
“Qualquer oportunidade que surgir eu saio daqui. Mas por enquanto, é o que eu posso fazer. E é por isso que trato os motoristas muito bem, sempre falo que eles podem me dar o que for de coração”, alega.
Rafael conta que também já foi notificado pela Prefeitura.
“Eles dizem que se passassem aqui de novo e me vissem iam me levar para delegacia”, conta.
Apoio
O motorista Sebastião Pereira, de 48 anos, diz que é a favor dos "flanelinhas" continuarem nas ruas de Cuiabá.
“Eles cuidam do carro, ajudam a estacionar, e não ficam cobrando nada. Se quiser eu dou um dinheirinho para eles, se não quiser também. Não tem problema nenhum, não há retaliação”, afirma.
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Maria Elizath afirma que flanelinhas são "gente boa"
Sebastião conta que diariamente deixa o carro estacionado no centro da cidade para almoçar ou fazer um lanche, e nunca teve o veículo furtado. “O pessoal aqui é gente boa”.
A boleira Maria Elizabeth, que trabalha no “Beco da Matriz”, também garante que os "flanelinhas" são “gente boa” e que a Prefeitura deve respeitá-los ajudando com assistência, como cursos e moradia.
“Trabalho aqui há 25 anos e nunca ouvi ninguém comentar que eles fizeram algum crime”, lembra.
“Não gosto”
Uma mulher que não quis se identificar diz se sentir coagida com os flanelinhas.
“Não gosto. Saio do carro e um deles já vem perguntando se pode olhar para garantir o dinheiro na minha volta. Se estou estacionando na rua, é porque realmente não quero gastar dinheiro”, diz.
Dentro da lei
O secretário de Ordem Pública, Eduardo Henrique de Souza, diz que a Prefeitura “tem feito de tudo” para ajudar os "flanelinhas", oferendo tratamentos - já que, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, a maioria deles são dependes químicos - e apontando outros caminhos de trabalho.
“O que a Prefeitura não pode aceitar é que eles continuem atuando nas ruas da cidade para não deixar que essa atividade irregular se prolifere na Capital. Até porque existe uma série de situações que colocam em risco a segurança das pessoas”, argumenta.
Ele revela que existe a possibilidade de incluir os "flanelinhas" no sistema “Faixa Verde”.
“Não queremos tirar o sustento de ninguém. Pelo contrário, estamos dentro da lei e o nosso objetivo é auxiliar a todos,” afirma.
“Não adianta só notificar, prender. Temos que ir na raiz do problema para obtermos resultados positivos”.
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8 Comentário(s).
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alex r 01.03.16 08h39 | ||||
Gladton nasci numa família onde minha mãe teve que trabalhar e deixar 4 filhos pequenos e eu sendo o mais velho com 8 anos tive que cuidar, meu pai foi um cretino que batia na minha mãe... Tive tudo para ser igual a muitos bandidos mas escolhi ser honesto e estudar, passei diversas vezes fome, usava roupa doada e mesmo assim me tornei uma pessoa produtiva para a sociedade, a vida é escolha e eu escolhi servir o bem, então não aceito essa desculpa.Vão trabalhar , estudar e montem seu negócio mas não extorquir e roubar pra isso temos políticos. | ||||
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Gladston 29.02.16 19h03 | ||||
Fiquei impressionado lendo os comentários aqui postados em ver como falta humanidade à algumas pessoas. Essas que cito devem viver em outro mundo, não nesse aqui. Elas não tem problemas para resolver e critica os que tem, como se a culpa fosse só dessas pessoas. Nem todos se deram bem na vida, algumas foram castigadas por ela! Um pouco de respeito pelo próximo menos favorecido fará bem à você, que tem de tudo, inclusive tempo para falar bobagens! Lhes faltam HUMANIDADE!!!! | ||||
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leandro 29.02.16 14h39 | ||||
da um lápis e um caderno pra ver vai terminar o estudo, dá uma enxada pra ver se vai carpir quintal. | ||||
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Anival 29.02.16 11h05 | ||||
Pelo que eu vi, todos tem ótima saúde, agora convido quem defende à ir em uma empresa de picolé...lá verão que a maioria de que vão buscar os carinhos pra trabalhar são aposentados, pessoas da melhor idade que deveriam estar descansando e por receber esse salário mínimo do Brasil, que a inflação comeu, não pensa em pedir e sim trabalhar...agora imagina o Sol de Cuiabá! | ||||
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Alex 29.02.16 09h03 | ||||
Apenas para conhecimento: A profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores está regulamentada pela Lei Federal 6.242/1975. Para maiores informações, vejam o HC 115046 / MG - MINAS GERAIS, julgado pelo STF. | ||||
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