Cuiabá, Domingo, 10 de Agosto de 2025
DESAPARECIDOS
10.08.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

"Registro de B.O. deve ser imediato; não temos bola de cristal"

Homens adultos são maioria entre os desaparecidos na Capital; resolução é de quase 87%

Victor Ostetti/MidiaNews

O delegado Caio Albuquerque, titular da DHPP, que falou sobre casos de desaparecimento em Cuiabá e região

O delegado Caio Albuquerque, titular da DHPP, que falou sobre casos de desaparecimento em Cuiabá e região

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

O delegado Caio Albuquerque, titular da DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoas), afirmou que não existe prazo de 24 horas e que é fundamental registrar o boletim de ocorrência assim que a pessoa identificar que um familiar está desaparecido. Segundo ele, a comunicação rápida é crucial para a resolução de um caso, e qualquer mudança de rotina ou incomunicabilidade da vítima já pode ser um alerta.

O principal mito é uma coisa que a gente reforça para que todos entendam de uma vez por todas: tão logo a família saiba do desaparecimento, comunique.

 

“O principal mito é uma coisa que a gente reforça para que todos entendam de uma vez por todas: tão logo a família saiba do desaparecimento, comunique. [...] Não tem prazo de 24 horas”, afirmou.

 

Conforme dados da Polícia Civil, até a publicação desta matéria, em 2025, foram registrados 484 boletins de ocorrência de pessoas desaparecidas. Desse montante, 421 pessoas foram localizadas, totalizando 86,98% de resolução. “Estamos mantendo o índice de êxito do ano passado”, afirmou o delegado.

 

Em 2024, foram 842 casos, dos quais 743 pessoas foram localizadas, representando 88,24% de resolução.

 

Dos casos registrados neste ano, 65,5% das vítimas são homens (317 vítimas), sendo que, desses, 238 têm idades entre 18 e 59 anos. Do total de casos registrados, 328 vítimas desapareceram voluntariamente, sendo essa a maior das motivações.

 

O delegado falou ainda sobre o que envolve uma investigação dessa natureza, as dificuldades e os casos que marcaram sua carreira, além da mobilização nacional para coleta de DNA de familiares de desaparecidos, que acontece entre os dias 5 e 15 de agosto e pode ajudar a resolver casos em MT.

  

“O objetivo é que pessoas que tenham familiares desaparecidos possam ceder o material genético. É um procedimento indolor, via de regra, a coleta da saliva. [...] Passada a campanha, o trabalho continua. A coleta do DNA não é limitada a esses 10 dias”, afirmou.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

MidiaNews - Quais são os principais mitos que atrapalham e atrasam o início de uma investigação sobre desaparecidos?

 

Delegado Caio Albuquerque - O principal mito é uma coisa que a gente reforça para que todos entendam de uma vez por todas: tão logo a família saiba do desaparecimento, comunique. Todo mundo tem uma rotina. As pessoas acordam, vão trabalhar e voltam para casa, falam com a família, nos grupos… Aquelas pessoas que desaparecem durante o dia, que a família percebe que não chegou à noite, liga e a pessoa não atende, esse já é o momento do alerta. O que fazer? Ir ao Núcleo de Pessoas Desaparecidas para fazer o boletim de ocorrência. Em Cuiabá, a pessoa tem a Central de Ocorrências no novo prédio da Polícia Civil, na Miguel Sutil. Feito esse boletim, ele é encaminhado ao Núcleo de Pessoas Desaparecidas por sistema, e há uma praticidade porque o Núcleo fica no mesmo prédio. Quando você demora e, às vezes, vai a hospitais, procura pela cidade, ao invés de ajudar, faz é atrapalhar. A pessoa pode estar sequestrada, sofrendo algum tipo de violência. Não tem prazo de 24 horas.

 

 

MidiaNews - Em algum momento existiu esse tempo limite de 24 horas para realizar uma denúncia?

 

Delegado Caio Albuquerque - Não existe isso em legislação alguma, em normativa administrativa alguma. Tem aquele período que a família aguarda para verificar que a pessoa, de fato, está desaparecida, mas se a pessoa tem o costume de voltar para casa todos os dias, ela não está em viagem, em nada que alterou o cenário de vida dela e não retornou, se não deu sinal de vida, é porque algo aconteceu. Ela mesma quis desaparecer por motivos próprios ou algo até mesmo criminoso. Mas algo anormal aconteceu. Então, não tem esse regramento de 24 horas. Isso não existe.

 

MidiaNews - Como funciona o Núcleo de Pessoas Desaparecidas dentro da DHPP?

 

Delegado Caio Albuquerque - A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa tem a atribuição em Cuiabá, Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento, Acorizal e também o Distrito da Guia, que compõem o município de Cuiabá. Ela atua nos homicídios consumados e está à frente das tentativas de homicídio. A partir de 2021, todas as tentativas de homicídio, mortes a esclarecer, suicídios, pessoas encontradas mortas em casa e erro médico também ficam lá. E nós temos o terceiro segmento, que é o Núcleo de Pessoas Desaparecidas. Lá nós temos um delegado de Polícia coordenador, o doutor Roberto Amorim. Temos escrivão de Polícia, investigadores, estagiários, todo um complexo para tratar desse segmento. É lá que se faz o cartaz, as oitivas e a comunicação com todos os hospitais, com o interior.

 

MidiaNews - Como funciona, na prática, uma investigação de desaparecimento?

 

Delegado Caio Albuquerque - O start é o boletim de ocorrência. A Polícia não tem como ficar sabendo do que está acontecendo na rua se não tiver uma comunicação. A Polícia não tem bola de cristal. A Polícia não adivinha as coisas. Então, as pessoas têm que comunicar, fazendo o B.O., aí começa a investigação. As pessoas são chamadas, os familiares relatam o que aconteceu, o possível paradeiro do desaparecido, algo eventualmente ruim ou violento que possa ter acontecido. Como tem o inquérito policial para os homicídios, nós temos um procedimento preliminar de investigação nesses casos.

 

 

MidiaNews - Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pela Polícia nesse tipo de caso?

 

Delegado Caio Albuquerque - A primeira dificuldade é a demora, às vezes, em realizar o boletim. Outra dificuldade é quando a família deixa de passar informações para auxiliar. Quanto mais ricas forem as informações, mais bem-feita será a investigação e mais célere. E, às vezes, a dificuldade de localização. Temos casos em que as pessoas desaparecem por vontade própria, por alguma problemática no seio familiar. É uma dificuldade, mesmo assim conseguimos localizar essa pessoa. Porque, ainda que seja desejo dela, a família tem o direito de reencontrá-la.

 

MidiaNews - Em que momento o desaparecimento passa a ser tratado como morte suspeita?

 

Delegado Caio Albuquerque - Nós temos os desaparecimentos criminosos em que tudo indica que são homicídios, e que vêm gradativamente aumentando. Ano passado tivemos 14, este ano estamos em nove. Alguns deles, a maior parte, os corpos não são localizados, e tem aqueles encontrados com vida, submetidos aos intitulados ‘salves’, que são sessões de espancamento. Precisa ser feito um boletim de ocorrência o quanto antes. Nós tivemos casos, por exemplo, em que a demora de cerca de 5 dias em fazer um boletim de ocorrência prejudicou, de certa maneira, a investigação. O caso da Emily foi esclarecido tão rápido porque a genitora noticiou rapidamente o desaparecimento. E como funciona? Evidenciado que é um crime e que a pessoa foi sequestrada, desaparecimento que chamamos de “forçado”, isso é documentado e esse procedimento vai compor um dos cartórios de homicídios consumados.

 

 

 

MidiaNews - O senhor pode falar sobre as pistas que levaram à resolução do caso Emily? Foi um caso que chocou a equipe?

 

Delegado Caio Albuquerque - Esse caso começa com a entrada da acusada na maternidade, onde as profissionais verificam que [a bebê] não seria filha dela e chega a notícia na maternidade de que havia um boletim de ocorrência do desaparecimento de uma gestante de nove meses em Várzea Grande. Com isso, foi acionada a Polícia Militar e depois houve todo um trabalho de investigação para localizar o corpo. Mas, eventualmente, se esse boletim de ocorrência demorasse, talvez a gente não teria localizado tão rápido o corpo e aquela criança poderia ter sido posta como filha daquela acusada. Aliou-se às suspeitas de não ter indicativos de que ela teria dado à luz ao boletim de ocorrência.

 

Tenho seis anos só de DHPP e tenho policiais com quase 20 anos de DHPP. Creio que foi o caso em que eles mais se chocaram. Você não espera que vá acontecer aquela brutalidade com uma adolescente de nove meses de gestação. Temos grupos de vulneráveis: idosos, crianças, enfermos e as mulheres grávidas. Como se fala, para mulher grávida você “não dá nem água”, tudo tem prescrição médica. Se ela vai a um cruzamento, o trânsito vai parar, porque há um respeito pela sua situação. De outro lado, imaginar aquele contexto macabro de uma mulher, porque quer ter um filho, fazer aquela cisão no ventre de uma adolescente para tirar a filha dela… Foge a qualquer possibilidade que você pense até onde o ser humano pode chegar. Aquilo, eu acho, passou os limites. Tenho 13 anos como delegado de Polícia e 6 anos de DHPP. Praticamente metade da minha carreira eu lido com homicídios e o caso Emily, toda vez que perguntam, não demoro a me lembrar dele.

 

 

 

MidiaNews - Em que momento a Polícia para de procurar por essa vítima?

 

Delegado Caio Albuquerque - Há diligências iniciais nos possíveis pontos onde a pessoa pode estar: hospitais, abrigos, às vezes em delegacias. O que a gente faz é exaurir todas as possibilidades de onde a pessoa possa estar. Uma vez exaurido e se não localizar, ficamos no aguardo de novas informações. Mas sempre os casos são relembrados. Se há uma investida por um desaparecido e ele não foi localizado agora, aí há um outro desaparecido que possa estar naquele mesmo contexto de lugares, volta-se à procura para aquele desaparecimento anterior também.

 

MidiaNews - Existe um perfil mais comum entre as vítimas de desaparecimento na Capital?

 

Delegado Caio Albuquerque - Sim, você verifica que a maior parte dos desaparecidos são homens, na faixa etária entre 18 a 50 anos. Esse é um índice bem expressivo de desaparecimentos. E tem outros apontamentos secundários, como levantamentos até de cor de pele. A maior parte dos desaparecimentos é por problemas no seio familiar. Há uma incidência até expressiva de adolescentes que desaparecem, a gente localiza, voltam para casa e, às vezes, desaparecem de novo. Temos casos de problemas de convivência entre marido e mulher, entorpecentes, pessoas que saem de casa e vão para hotéis ou motéis para fazer uso de entorpecentes e ali ficam 2, 3 dias. Desaparecer, claramente, não é crime, é um fato. Mas, independentemente disso, a ação da Polícia acontece.

 

 

 

MidiaNews - Redes sociais têm ajudado ou atrapalhado nas buscas por desaparecidos?

 

Delegado Caio Albuquerque - Depende do que é propagado. As informações úteis ajudam muito. Agora, as fake news, para desviar a investigação, prejudicam. Recebemos algumas denúncias falsas, mas a maioria são producentes. As pessoas veem que o serviço funciona, que aquele serviço demonstra êxito, e as pessoas são localizadas. Isso faz um filtro em que a maior parte das denúncias são verossímeis.

 

MidiaNews - Como é lidar com as famílias nesse tipo de investigação?

 

Delegado Caio Albuquerque - Estamos caminhando com um projeto para um setor psicossocial, para ter esse mínimo de acalento às famílias que chegam desesperadas. Nós temos profissionais que já têm essa capacitação mínima de fazer essa recepção de uma forma que eles se sintam minimamente acolhidos, mas temos também esse projeto para que haja ali profissionais capacitados, psicólogos, assistentes sociais, para fazer esse trato mais bem qualificado dessas famílias.

 

MidiaNews - O que o senhor diria às famílias sobre os critérios e os limites da atuação policial?

 

Delegado Caio Albuquerque - Primeiramente, a gente pede a confiança no trabalho. Esse setor cresce muito, tem todo um investimento do Ministério da Justiça, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, tem toda uma política nacional de busca de pessoas desaparecidas, no sentido de treinar esses policiais, de dar capacitação e estrutura de trabalho para que o serviço seja o melhor possível. De outro lado, a gente pede que as pessoas tenham paciência. Embora seja difícil esse pedido para uma família que chega naquela ânsia, naquele desespero com o familiar desaparecido. Mas, às vezes, é preciso ter um mínimo de paciência para pensar, para dar informações que possam auxiliar a polícia. A gente compreende e não é uma crítica, mas um pedido.

 

MidiaNews - Foi lançada uma mobilização nacional para coleta de DNA de familiares de desaparecidos. Como essa iniciativa funciona e qual a importância dela para os casos em Mato Grosso?

 

Delegado Caio Albuquerque - A campanha teve início dia 5 e vai até o dia 15. A coleta não será feita só no período. O objetivo é que pessoas que tenham familiares desaparecidos possam ceder o material genético. É um procedimento indolor, via de regra, a coleta da saliva. Esse perfil é colocado num banco de dados e fica armazenado. Por outro lado, os desaparecidos, quando são localizados em vida e dão entrada em unidades médicas sem identificação, há uma coleta desse material também. Infelizmente, às vezes, são encontrados em óbito, esse material também é coletado. Há um confronto estadual e também nacional. E com essa política, você permite que, por exemplo, um familiar que tenha saído do seu estado, ido para outro à procura de trabalho e se perdeu da família — porque o Brasil é de dimensões continentais, isso é muito factível, acontece demais — possibilite esse encontro.

 

 

MidiaNews - Como os familiares podem contribuir e onde procurar ajuda?

 

Delegado Caio Albuquerque - Nesse período, o que se precisa é levar um boletim de ocorrência noticiando o desaparecimento, com documento de identificação, direto aos pontos de coleta. Em Cuiabá, nós temos três pontos de coleta 24 horas: na Politec do bairro Jardim Imperial, na Politec do bairro Carumbé e o IML. No interior, temos as regionais nas cidades-polo, por exemplo, Rondonópolis, Cáceres, Barra do Garças, Sinop, Nova Mutum e várias outras cidades.

 

Quem não tem boletim de ocorrência pode vir à DHPP, no Núcleo de Pessoas Desaparecidas. No período da campanha, nós estamos com policiais na Politec para facilitar. No interior, qualquer delegacia de Polícia de qualquer cidade faz o boletim de ocorrência e, com esse boletim, a pessoa procura o ponto de coleta. Passada a campanha, o trabalho continua. A coleta do DNA não é limitada a esses 10 dias.

 

MidiaNews - E para quem encontra alguém desaparecido ou tem alguma informação: como agir corretamente?

 

Delegado Caio Albuquerque - Se encontrar alguém que está perdido, sem contato com os familiares, leve até alguma delegacia, que aí a providência que puder ser feita vai ser tomada.

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