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10.08.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

"Cidade Verde" possui índice de arborização cada vez menor

Estudo mostra que bairro com maior cobertura arbórea chega a 12%, quando o mínimo necessário é de 30%

Reprodução/Luiz Alves

Fotografias de antes e depois da avenida do CPA, que teve as árvores retiradas para construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)

Fotografias de antes e depois da avenida do CPA, que teve as árvores retiradas para construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)

ANGÉLICA CALLEJAS
DA REDAÇÃO

A Cuiabá que um dia foi intitulada “Cidade Verde” já não sustenta mais a alcunha há anos. A modificação da paisagem pela derrubada de árvores e consequente aumento da temperatura na Capital são nitidamente perceptíveis, mas apesar disso, o tema é pouco debatido pelo poder público e pela população.

 

Parece que o morador daqui é inimigo da árvore. E muitas vezes ele tem autorização dos órgãos que deveriam controlar e dar sanções para essas podas drásticas

Um levantamento realizado pelo ICV (Instituto Centro de Vida) através de dados gerados pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas), de 2019, revelou que, nas últimas três décadas, Cuiabá perdeu 17% de suas áreas verdes.

 

O mesmo estudo ainda demonstrou que foram derrubadas 2,5 mil árvores somente para a instalação do circuito a ser percorrido pelo VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), obra inacabada do governo Silval Barbosa, que teve início em 2012 e se arrastou por mais de uma década até ser substituída pelo BRT (do inglês bus rapid transit).

 

Apesar de alguns programas de plantio de mudas, parece não haver eficácia, já que nenhum bairro da Capital atingiu o mínimo de 30% de arborização em seu território, como exposto no Plano Diretor de Arborização Urbana de Cuiabá, realizado pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e divulgado em 2023.

 

Conforme o documento, o limite mínimo de 30% é o mais aceito para garantir qualidade ambiental, que impacta em pontos como prevenção de enchentes, redução de ilhas de calor, de poluição atmosférica e até sonora, uma vez que as árvores absorvem também as ondas sonoras, diminuindo o barulho criado nas grandes cidades. 

 

Entre as iniciativas, o Programa Verde Novo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é o mais conhecido. Idealizado em 2017 pelo desembargador Rodrigo Curvo, nos oito anos em ativa, foram distribuídas 219 mil mudas nativas e frutíferas para o plantio em todo o Estado. Entretanto, não há informações sobre a taxa de sobrevivência das mudas.

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Silvia Mara de Arruda

Silvia Mara de Arruda, advogada e criadora da associação Cuiabá Mais Verde

Cuiabá Mais Verde

 

Outro programa que tem ganhado notoriedade é o Cuiabá Mais Verde, criado e coordenado pela advogada cuiabana Silvia Mara de Arruda. A ideia surgiu em 2020, quando ela fazia um passeio de cinema drive-thru na avenida Helder Cândia, e fotografou a avenida, sem nenhuma árvore, imagem que viralizou nas redes sociais. 

 

"Nessa publicação eu perguntava por que Cuiabá não é mais Cidade Verde? Várias pessoas se comoveram, acharam importante essa pauta, e nós criamos o projeto Cuiabá Mais Verde. Fizemos o projeto piloto na Avenida Helder Cândia, onde nós plantamos, cuidamos do pós-plantio, e distribuímos mudas para ver como funcionava essa dinâmica dentro da cidade", contou Silvia.

 

"E o que a gente viu? Que sem poder público, sem legislação, não vai para frente. É muito fácil plantar e esquecer. Tem que ter o pós-plantio. 'Eu distribuí quantas mudas? Quantas foram plantadas? Quantas viraram árvores? Quantas morreram? Morreram por quê? Quais os problemas? A gente foi atrás dessa questão, e vimos que Cuiabá não tinha legislação atualizada, era legislação de 2009".

 

A advogada também levou como ensino que a prática e a teoria nem sempre seguem caminhos iguais. Deve haver estudos sobre as melhores espécies a serem plantadas no solo de Cuiabá, que suportem o calor, é necessário irrigação, cuidados no decorrer do crescimento da árvore e, principalmente, conhecimento sobre a poda. 

 

"Nós aprendemos que é muito difícil plantar aqui nas ruas de Cuiabá. Tem que ter uma conversa com a Águas Cuiabá para ver se há pontos de irrigação em espaços públicos. A gente precisa saber fazer poda da maneira correta para as árvores não crescerem e atrapalharem as vias públicas, para não podar e matar uma árvore, que é o que mais acontece em Cuiabá, aquelas podas drásticas".

 

"Parece que o morador daqui é inimigo da árvore. E muitas vezes ele tem autorização dos órgãos que deveriam controlar e dar sanções para essas podas drásticas. A gente viu também que não adianta distribuir muda, é perda de dinheiro. Porque não tem controle do que essas pessoas vão fazer com as mudas".

 

"Muitas até plantam, fazem um trabalho legal, mas a maioria não. Se não tiver um controle do que está plantando, está jogando dinheiro fora. Muita gente fala que plantou 10 mil, 20 mil, 300 mil árvores. Maravilhoso! Cadê essas árvores? Essas árvores não estão em Cuiabá. Você falar pra mim que, de 300 mil, 10 mil estão vivas, não é lucro. A conta não está certa".

 

 

O TAC

 

A partir dessa busca para saber quais as políticas públicas estavam sendo implementadas em Cuiabá, a associação descobriu que a Prefeitura, ainda na gestão do ex-prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Estadual, comprometendo-se a executar o Plano Diretor de Arborização Urbana de 2023.

 

"Esse plano diretor é um documento onde tem as diretrizes do que plantar, de como plantar, quais espécies serão plantadas, como é que vai fazer a poda. Então, ele norteia a arborização urbana do Município e é um instrumento obrigatório".

 

"Em 2023, ele foi apresentado na Câmara Municipal de Vereadores e em várias audiências públicas, porém voltou para a Prefeitura para fazer alguns ajustes e nunca mais foi executado. Eles simplesmente ignoraram os prazos dados pelo Ministério Público".

 

Assim, a Cuiabá Mais Verde decidiu pressionar o poder público, e após a realização de uma mesa de debate, no dia 5 de junho, a Prefeitura, por meio do secretário municipal de Meio Ambiente, José Portocarrero, se comprometeu a dar continuidade no TAC nos próximos 90 dias.

 

 

 

"5 de julho fez um mês, a gente fez um post e a gente vai até eles para saber o que já foi executado. A gente quer saber como está, se eles precisam de ajuda. A UFMT esteve conosco, disponibilizou os técnicos, porque a gente sabe que eles estão num momento de transição e talvez em seis, sete meses eles não tenham profissionais gabaritados".

 

"A gente espera que nesses 90 dias, esse plano diretor saia da Prefeitura, vá para votação na Câmara de Vereadores, eles refaçam as audiências públicas, porque ele tem que ser novamente apresentado para a sociedade, e posteriormente seja executado".

 

Reprodução

Avenida do CPA, antes da derrubada de árvores do canteiro central para construção do VLT

Avenida do CPA, antes da derrubada de árvores do canteiro central para construção do VLT

Entretanto, como todo projeto que demanda orçamento público, é necessário que o plano diretor seja incluído na (LOA) Lei Orçamentária Anual, instrumento elaborado uma vez por ano, que estrutura as receitas e despesas do Município para o ano seguinte. Então, a previsão é que o plano diretor seja executado somente em 2026.

 

"Eu vejo o Município de Cuiabá omisso ainda com relação ao meio ambiente. Tudo bem que a gente está numa fase de transição, não é uma transição fácil. Não adianta falar que foi fácil, que pegou uma Prefeitura redonda. Não pegou, a gente sabe das dificuldades. Mas da mesma forma que saúde e educação, arborização urbana e meio ambiente são importantes. Então, está na hora de agir". 

 

Ausência de educação ambiental

 

Outro ponto levantado por Silvia é a falta de políticas de educação ambiental, que reforcem a importância da manutenção de árvores e plantas tanto nas vias públicas quanto nos próprios quintais dos moradores. No plano diretor, por exemplo, foi realizada uma pesquisa com 397 pessoas, e grande parcela das respostas foram incondizentes com a atual realidade ambiental da Capital.

 

No gráfico produzido a partir da pesquisa, é possível ver que 21,2% dos entrevistados acreditam que arborização urbana é excelente, 5,5% consideram boa e 21,4% regular. Isso em um cenário em que nenhum bairro da cidade chega a ter 30% de seu território arborizado.

 

"Falta a educação ambiental. A gente tem que colocar não só nas escolas para as crianças, mas também em campanhas para adultos. Falar o que pode, o que não pode, desenhar para as pessoas, porque às vezes elas ignoram por não saber. É uma pauta que deveria entrar junto à Secretaria do Meio Ambiente para a gente fazer campanhas para as pessoas saberem o quanto é importante a arborização urbana", disse Silvia.

 

"O solo de Cuiabá é impermeável, só tem concreto nessa cidade. Quando chove demais é ruim, quando faz calor demais é ruim. Se tem verde, se tem árvores, muda essa realidade. Uma coisa que eu falo muito é que as pessoas precisam ter consciência. Presidentes de bairros, moradores que têm quintais - porque Cuiabá é cidade de quintais -, plantem nos seus quintais, plantem árvores frutíferas, plantem nas suas calçadas, e cuidem. Tem como mudar a realidade". 

 

 

 

"E a gente vê que dentro dos condomínios as pessoas não sofrem porque geralmente compram árvores de fora, transplantam árvores de 3 metros, 2 metros e lá tá tudo bonito. Saiu de lá, nos bairros mais pobres, não tem ar-condicionado, não tem ventilador. São eles que sofrem doenças respiratórias. É uma cadeia de coisas ruins para a cidade. Uma cidade não progride sem a arborização urbana, sem o meio ambiente. Você está regredindo, na verdade". 

 

Segundo Silvia, a recuperação da qualidade ambiental da cidade é possível em poucos anos, caso haja uma força-tarefa do poder público, unido com a população, com ações de transplante de árvores crescidas, principalmente. A advogada relembrou a derrubada de milhares de árvores nas avenidas principais da cidade, como a do CPA e Fernando Corrêa, que não tiveram ação de recompensação.

 

"Com força de vontade, mudas acima de dois metros, acho que nem [demoraria] três anos. Agora, nesse ritmo que nós estamos, nem em 50 [anos]. É um desafio muito grande. E não é um problema só nosso, não é um produto meu. Não sou eu que quero o plano diretor. É o Ministério Público, é a cidade".

 

"Nós lançamos uma cartilha ensinando como plantar, está lá no nosso Instagram, que é o @projetocuiabamaisverde. Tem o passo a passo de como plantar, do tamanho de seu berço, da árvore que é nativa, qual árvore é importante. Tem essa cartilha, e se você tiver vontade, é só procurar e também pode entrar em contato conosco que a gente ajuda".  

 

 

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