Esgoto à céu aberto no bairro Jardim Comodoro

Cerca de 46% da população cuiabana ainda carece de serviços de saneamento básico, conforme dados do Ranking Abes de Saneamento Básico de 2019. Muitos moradores precisam conviver com o esgoto passando em frente às suas casas, como é o caso da região dos bairros Cohab São Gonçalo e Jardim Mossoró.
Nesta semana, a equipe de reportagem visitou os bairros e constatou a situação de total precariedade e vulnerabilidade dos moradores próximos ao Córrego do Machado, que transpassa a região.
Ainda segundo a pesquisa do Ranking Abes, apenas 37% dos moradores da Capital tem o privilégio de ter seu esgoto tratado.
No Bairro Cohab São Gonçalo, casas de alvenaria construídas ilegalmente beiram o córrego. Os excrementos dessas residências são despejados na água, segundo os próprios moradores.
“Os moradores daqui jogam lixo aí nesse córrego. O esgoto dessas casas vai tudo para o córrego”, afirma Benedito Estrugido Silva, que mora no local há 25 anos.
O forte cheiro de esgoto emana do córrego, mas os habitantes parecem não se incomodar mais. Sentados na calçada em frente às suas casas, eles apenas vivem mais um dia ao lado de um esgoto à céu aberto.
Para José Manoel de Souza, de 88 anos, o problema é outro. Morador do bairro desde 1986, Seu Manoel revela que, no período chuvoso, a água transborda do córrego e invade as casas. A última enchente ocorreu no ano passado e os moradores perderam móveis, eletrodomésticos, roupas e outros pertences pessoais.
“Quando chove, a água chega a passar por cima da ponte, invade a casa da gente e arrasa com tudo aqui”, relata.
Victor Ostetti/MidiaNews
José Manoel de Souza, que mora há 33 anos no Bairro Cohab São Gonçalo, sofre com alagamentos todos os anos
“Transborda tudo, invade as casas, acaba com móveis, acaba com tudo. Tem comerciante aqui e alaga tudo”, completa o vizinho Nelson José da Silva.
Nelson, morador da Cohab São Gonçalo há 30 anos, diz que a associação do bairro já cansou de registrar reclamações na Prefeitura, mas nenhuma medida foi tomada.
No bairro ao lado, o Jardim Mossoró, a situação é ainda pior. Também cortado pelo Córrego do Machado, o esgoto escorre das residências pelas ruas de terra.
“Aqui é uma área de risco, mas a gente não tem outro lugar para morar. A gente não tem nem asfalto. Tem 23 anos que moro aqui e sempre foi essa situação precária. Tem esse esgoto a céu aberto na frente da minha casa”, reclama Alessandro Araújo da Silva.
População doente
Sentada embaixo de uma árvore enquanto olhava seu bebê de poucos meses brincando no chão, uma mãe – que não quis se identificar – se mostra preocupada com a situação do seu bairro.
“Aqui na frente está passando esse esgoto. Aqui é um fedor horrível e a gente até encontra aqueles vermes na água”, diz apontando para o esgoto que corre na sua frente.
No Jardim Mossoró, os moradores sofrem com os dejetos das casas escorrendo pelas ruas sem asfalto, transformando a terra em uma lama perigosa para a saúde. A situação de descaso é tão grande que crianças descalças brincam ao lado do esgoto.
O ranking ainda aponta uma taxa de 17% de internações por doenças relacionadas ao saneamento ambiental em Cuiabá. Dentre as enfermidades estão salmonella, cólera, infecções intestinais, febre tifoide e diarreia.
Questionado sobre os riscos à saúde, Seu Manoel levanta a barra da calça social e mostra os pés calçados com chinelos. No peito de um deles, há uma ferida. Segundo o idoso, ele contraiu uma infecção - que não soube nomear – na última enchente de 2018. Desde então, ele nunca conseguiu curar o machucado.
“Na última enchente, eu peguei uma doença e eu tenho gastado dinheiro, mas nunca sarou. Essa água está toda contaminada”.
Victor Ostetti/MidiaNews
Alessandro Araújo da Silva precisa conviver com esgoto passando na frente da sua casa
Plano de saneamento
Em junho deste ano, a Prefeitura estabeleceu a meta de 100% de água tratada em Cuiabá até 2024 por meio do Plano Municipal de Saneamento Básico.
Atualmente, a Capital tem 57% de esgoto tratado e a previsão é de que, até o final do ano, este número cresça para 61%. O trabalho é realizado pela concessionária Águas Cuiabá a partir do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Conforme a diretora de regulação e fiscalização da Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec), Rosidelma Guimarães dos Santos, a concessionária está priorizando as bacias que contribuem com a Estação de Tratamento de Esgoto nos bairros Tijucal e Dom Aquino.
“Foi feito um levantamento de problemas que existem no sistema de esgoto, por isso foram escolhidos esses bairros. Tinham várias estações que tinham problemas como a qualidade da água, que faziam lançamento não condizente com a legislação ambiental”, explica.
“Nós temos também a elevatória da Prainha, que foi reativada para atender a região Central de Cuiabá. São vários pontos nesse primeiro momento. Depois terá outra fase que irá pegar outros bairros como a região do Despraiado”, completa a diretora.
Segundo Rosidelma, nesta primeira fase, que é o plano emergencial, a empresa já investiu R$ 203 milhões, mas o valor total previsto até o final das obras é de R$ 1,2 bilhão.
Outro lado
A Secretaria de Ordem Pública afirmou que recebe, diariamente, denúncias dessas casas construídas de forma irregular.
A Pasta disse que todos os bairros provenientes de invasão apresentam problemas de infraestrutura, “principalmente os mais carentes como o Jardim Mossoró”.
Victor Ostetti/MidiaNews
Esgoto a céu aberto é um risco à saúde dos moradores
Já a Secretaria de Serviços Urbanos garante que a limpeza do Córrego do Machado foi feita duas vezes este ano juntamente com o “desassoreamento de todo o leito do córrego, visando assegurar a vazão da água”.
A coleta de lixo é feita duas vezes por semana nas comunidades, conforme a secretaria.
Em relação ao asfaltamento, a Prefeitura admite que a Capital ainda tem carência em pavimentação. No entanto, há o programa Minha Rua Asfaltada, que tenta garantir o asfaltamento na cidade.
“A meta é ampliar o programa e, nesse sentido, o Município tem buscado a chegada de novos recursos para garantir a expansão para bairros já mapeados”, afirma em nota.
A Prefeitura ainda disponibiliza o “Cata-treco”, onde é possível pedir o recolhimento de materiais inservíveis e evita o descarte ilegal e poluição.
O morador pode acionar o Cata-treco pelo telefone (65) 3645-5518 ou WhatsApp 9 9243-6502.
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