Para vestir a farda preta do Bope, o policial militar tem pela frente um longo caminho. É o que diz o comandante da equipe, tenente-coronel Fabiano Pessoa, de 40 anos: “Não pode hesitar, não pode querer mais ou menos, tem que querer muito”.
Na corporação desde 2000, sendo mais de 12 somente no Bope, o comandante afirma que esse é um projeto de vida, não uma decisão tomada por impulso. “O policial não pode acordar de manhã e achar que a partir daquele momento pode servir no Bope, como mágica”.
Dentre os atributos necessários para se tornar um caveira, além da vontade inigualável e aptidão física, o candidato precisa ter equilíbrio emocional. Isso permitirá que ele consiga raciocinar em situações complexas e de risco coma são as ocorrências em que o Bope atua.
Em entrevista ao MidiaNews, comandante falou também sobre os pontos positivos e negativos que envolvem a colocação de câmeras nas fardas e o estigma que cerca o Batalhão de que sempre "atiram para matar".
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Como define o Bope para alguém que seja leigo em segurança pública. Qual a razão da existência do batalhão?
Fabiano Pessoa - À primeira vista, o Bope é uma unidade que presta apoio operacional para as próprias instituições policiais. Inicialmente, para a própria Polícia Militar, no sentido de que o nosso efetivo tem preparação técnica para ocorrências de maior complexidade. Temos equipamentos não convencionais, equipamentos dispendiosos que o Estado teve que dar um pouco mais de atenção e fazer um pouco mais de investimento para ações complexas. Via de regra, o Bope não é a primeira unidade de resposta da Polícia, geralmente é acionado pela própria Polícia.
MidiaNews - Muito se fala das dificuldades para o ingresso no Batalhão. O que um policial militar precisa ter a mais para ser um caveira?
Fabiano Pessoa – Ser um integrante do Bope, ser um caveira, é um projeto de vida. A pessoa precisa primeiro entender qual é o tipo de trabalho que a gente faz. E a partir do momento em que compreende qual a nossa missão, vai ter que decidir se realmente é isso que deseja para a vida dela. A partir de então, inicia-se um projeto de preparação física e emocional.
Nossos policiais passam por um longo período de formação, tem sim bastante rigor no aspecto físico e cobrança no aspecto emocional. É uma fase de preparação prévia. O policial não pode acordar de manhã e achar que a partir daquele momento pode servir no Bope, como mágica.
Sabendo do tipo de trabalho que a gente faz, das ocorrências de risco que enfrentamos, sejam envolvendo explosivos, reféns ou até mesmo criminosos fortemente armados, como é o caso do Novo Cangaço, é fundamental que os policiais tenham o apoio dos seus familiares. A partir do momento em que ele consegue reunir todas essas variáveis, pode se inscrever para um curso.
MidiaNews - O senhor tem especialização em explosivos e foi comandante do Esquadrão Antibomba do Bope. Já teve algum caso em que sentiu medo de encarar uma bomba que precisava ser desativada?
Fabiano Pessoa – Primeiro de tudo a gente tem que levar em consideração a confiança naquele conhecimento que a gente adquiriu durante todo o período de formação. Fiz dois cursos de explosivos, um em 2009 na Polícia Militar do Distrito Federal, outro em 2010 e 2011. Passei um ano e meio na Colômbia fazendo curso de explosivos para poder, ao meu retorno, estruturar o esquadrão de bombas dentro da PM.
Estamos percebendo um recrudescimento da utilização do explosivo no crime, mas via de regra, ainda dentro de uma vertente de crime comum, explosão de caixa eletrônico, arrombamentos de carros fortes, destruição de cofres em estabelecimentos bancários.
Em todos os casos que atuei aqui em Mato Grosso, não teve nenhuma situação que me fez hesitar, no sentido de ter receio de me lecionar ou perder a própria vida. Mas isso não quer dizer que nossas ocorrências não sejam complexas, só que via de regra, os artefatos explosivos que são produzidos aqui em Mato Grosso, e no Brasil, não visam a vida do policial ainda. Nós temos essa percepção e isso nos dá um pouco mais de tranquilidade para continuar trabalhando.
É claro que a gente tem acompanhado a evolução tecnológica, temos encontrado artefatos cada vez mais elaborados, e percebido que os infratores estão se aperfeiçoando. Pode ser que em um futuro próximo a gente tenha algumas ocorrências de explosivos que visem atingir a vida do próprio policial, não é o caso ainda em Mato Grosso.
MidiaNews - Muitos falam que o Bope, às vezes, age com truculência e atira primeiro para perguntar depois. Como recebe esse tipo de crítica?
Fabiano Pessoa - Trabalho no Bope há mais de 12 anos e a gente sabe que existe esse tipo de comentário, mas o que posso garantir é que isso é falacioso. O Bope também é uma unidade policial que trabalha dentro dos rigores da lei. O que as pessoas precisam compreender é que algumas ocorrências em que o Bope atua, são de altíssima periculosidade. Em alguns casos, mais específico relacionado a assalto a banco em ambiente rural, não é tão simples tentar a rendição de pessoas que assaltam bancos usando fuzis de guerra.
Via de regra, quando chega a Polícia em uma tentativa de busca, de captura, a resistência, é normal e o Bope age, logicamente confiando no treinamento que os policiais têm, no armamento no mesmo patamar que o dos infratores e na maioria das vezes a gente busca ter armamentos de calibre superior.
Temos registros em Mato Grosso de assalto ao Novo Cangaço com vítimas fatais, assassinadas por esses assaltantes. Então, como a gente deveria agir no enfrentamento a um criminoso que tem a coragem de pegar um fuzil de guerra, assaltar um banco no interior do Estado e atirar em inocentes? O Bope precisa também preservar a vida dos seus policiais, porque o crime não para. O Bope não vai conseguir acabar com o Novo Cangaço em MT. As ações precisam ser enérgicas e o confronto muitas vezes é inevitável, porque essas pessoas não querem se entregar facilmente.
MidiaNews - Às vezes, noticiamos casos de confronto do Bope que deixa cinco, seis mortos. Que tipo de criminoso requer uma ação desta magnitude?
Fabiano Pessoa - Tem dois pontos chaves. Se você olhar estatisticamente as ocorrências em que o Bope esteve em Mato Grosso com um número um pouco mais alto de baixas por parte dos infratores, em sua maioria foram situações envolvendo assalto a banco, Novo Cangaço, e os indivíduos estavam fortemente armados. Nenhuma ocorrência que o Bope participou nos últimos anos teve um desfecho no sentido de que os infratores foram mortos equivocadamente. E as investigações provam isso. Todos eles resistiram à prisão, não queriam se entregar e efetuaram disparos contra nossos policiais.
Outro aspecto que a gente precisa levar em consideração, que olhando de forma rasa [as pessoas podem dizer]: “Ah, o Bope em confronto com assaltante de banco morreram cinco, seis”. Parece algo assustador. Mas se a gente trouxer, por exemplo, para a realidade do assalto ao Município de Nova Bandeirantes, que foi em 2021, ao todo nove infratores vieram a óbito. Mas foram 58 dias de operação e vários confrontos ocorreram nesse período. Então, houve confrontos em que morreu um indivíduo. Aí passaram-se dias e em outro confronto morreram dois. Então não é o saldo de uma única intervenção do Bope.
Quando você tem uma realidade como essa, de confrontos sequenciais, a probabilidade de haver baixas em todos eles é real.
MidiaNews - Desde a ação em Nova Bandeirantes não houve nenhum outro caso de Novo Cangaço no Estado. Os bandidos ficaram amedrontados com a Polícia de Mato Grosso?
Fabiano Pessoa - É difícil responder pelo bandido. Como estamos do lado de cá, o que acredito verdadeiramente é que quando um trabalho como esse é feito da forma como foi feito - importante registrar, com a participação de mais de 100 servidores da segurança pública, faz com que esses indivíduos sejam desestimulados ao perceberem toda uma estrutura, um aparato do Estado, no sentido de dar a resposta aceitável para o indivíduo que sofreu com aquele assalto de forma extremamente violenta.
O assalto de Nova Bandeirante foi pensado e estruturado, desde a fase de recrutamento de pessoas, de logística e de conseguir o armamento que seria utilizado. Eles envolveram mais de 15 pessoas, indivíduos que já vêm praticando ações similares há muito tempo. O camarada quando entra no mundo do crime não chega já fazendo assalto na modalidade Novo Cangaço. As pessoas que têm mais vivência nesse tipo de crime vão pinçando a dedo quem vai compor a equipe para realizar a ação delituosa. Literalmente eles fazem uma seleção de infratores, escolhida a dedo, com experiência, porque o inexperiente bota tudo a perder. Por isso que a Polícia procura responder com aquilo que tem de melhor, de treinamento, de equipamento e de vivências.
O Bope já tem muita vivência em enfrentamento ao Novo Cangaço. Nossa primeira ação bem sucedida depois do assalto foi em 2008. Da primeira para a última, em 2021, são 13 anos de vivência no enfrentamento. Mato Grosso é referência para outros estados nesse tipo de situação.
MidiaNews - São Paulo adotou o uso de câmeras nas fardas dos policiais militares. Qual é a opinião do senhor a esse respeito?
Fabiano Pessoa - É um tema que a gente sabe que é bem polêmico. Não sei qual foi o contexto que envolveu a PM de São Paulo. Penso que eles devem ter a justificativa deles para que isso ocorra.
Penso que isso tem aspectos positivos e negativos. Tem no sentido de que pode resguardar uma atuação policial, demonstrando que aquilo que está descrito por ele no boletim de ocorrência pode ser confirmado pelas imagens que ele mesmo gravou no uniforme.
Pontos negativos é que é mais uma forma de também inibir, de repente, a atuação policial. De [o policial] ficar com receio de fazer o patrulhamento em regiões de maior risco de conflito. Muitas vezes, as imagens não tem a capacidade de abranger todo o contexto da situação. Às vezes, você faz o recorte de uma imagem e dá a impressão que a versão do policial não é verídica. Então, tenho medo desses recortes.
Por mais que o equipamento seja altamente tecnológico, a gente não sabe quando ele vai funcionar de forma irregular. Penso que alguns policiais estão receosos de fazerem patrulhamento em lugares que acreditam que possam se colocar em situações em que eventualmente tenham que fazer o uso da força, e esse uso da força seja registrado e depois utilizado em desfavor do próprio policial.
MidiaNews - Recentemente, o promotor de Justiça Arnaldo Justino afirmou que instalar câmeras nas fardas e viaturas não é algo que dependa de lei aprovada, basta uma determinação do Executivo. E que, se isso não for feito, o MPE pode adotar medidas. Como enxerga essa declaração?
Fabiano Pessoa - Eu acho que o MPE é um órgão de Estado, tenho certeza que pode, por meio de petição, fazer reivindicações e não dar determinações para que o Executivo cumpra. Precisamos entender qual é o papel do Ministério Público. O Ministério Público e a Polícia Militar estão do mesmo lado, trabalhamos em conjunto no enfrentamento à criminalidade.
Se o Ministério Público tem interesse nessa pauta, tenho certeza absoluta que eles têm poder para reivindicar isso judicialmente. E aí é claro que esse tipo de decisão vai passar por uma análise judicial, seja ela monocrática ou colegiada. Talvez seja esse o caminho mais adequado para essa questão.
MidiaNews
O comandante do Bope, Fabiano Pessoa
MidiaNews - Não entende que em razão do avanço das tecnologias, a instalação de câmeras seja algo inevitável?
Fabiano Pessoa - Inevitável eu não diria, até porque isso envolve recursos de um valor que a gente não sabe nem mesurar quanto custaria. A gente sabe que o Estado hoje trabalha com recursos escassos. Se isso for verdadeiramente uma prioridade do Governo do Estado, pode ser que aconteça, se for prioridade 00, mais do que todas as outras. Mas é preciso que haja transparência, quanto vai se gastar nesse tipo de projeto e quanto vai deixar de se investir em setores que são essenciais, por exemplo, a Saúde? Quem vai poder responder isso são os governantes, se isso é realmente prioridade ou não.
MidiaNews - Em que patamar está o Bope de Mato Grosso quando o assunto é armamento?
Fabiano Pessoa - Durante esses 34 anos de existência, o Bope sempre buscou o que a gente chama de aperfeiçoamento institucional. Nesses últimos três anos, mais precisamente, muitos investimentos estão sendo feitos. Isso não é uma particularidade do atual Governo, sempre tivemos bons investimentos de governos anteriores, principalmente voltados para a capacitação de recursos humanos.
No atual contexto, a gente tem recebido investimentos na parte mais de logística. Fizemos algumas aquisições, é claro que nem todas ainda foram finalizadas. No final do ano passado, a gente teve a entrega de fuzis de precisão para os snipers do Bope, temos uma entrega prevista, de fuzis e metralhadoras para os integrantes da equipe de intervenção tática, esse é armamento deverá chegar no mais tardar até junho. Os processos de aquisição do estado precisam respeitar a lei de licitação, então não é como uma empresa privada que quando ela tem dinheiro em caixa, ela vai até o fornecedor, compra e já paga.
Eu diria que o Bope hoje, em termos de recursos humanos e material bélico, está muito melhor do que a maioria das polícias militares, mas muito melhor mesmo. Até porque temos uma justificativa para isso, que é o tipo de crime que enfrentamos aqui, mas precisamente falando do Novo Cangaço. A gente tem que estar bem para conseguir dar uma resposta à altura. Eu não posso mandar os meus policiais para um enfrentamento extremamente arriscado com armamento velho.
MidiaNews - Que conselho daria para uma pessoa que tem o sonho de ser caveira?
Fabiano Pessoa - O projeto de se tornar um caveira passa, primeiro de tudo, por uma vontade inigualável do indivíduo, precisa querer muito isso, não pode hesitar, não pode querer mais ou menos, tem que querer muito, tem que ter certeza absoluta de que realmente é esse o projeto que quer para a vida dele. É isso o que nós buscamos em um caveira aqui no Estado.
Nós temos um processo seletivo rigoroso. Nesse processo seletivo há muito tempo a gente buscava aptidão física única e exclusivamente. Hoje a gente vai um pouco além, buscamos aptidão física e psicológica. O policial do Bope precisa ter esse equilíbrio emocional para que consiga raciocinar em situações complexas ou de risco.
É por meio do curso que o indivíduo vai ser um caveira. Então precisa estar confiante em si e acreditando que vai ser capaz de vencer os desafios do curso.
MidiaNews - E aos bandidos, qual é o recado do Bope?
Fabiano Pessoa - O Bope vai continuar dentro da mesma linha de atuação, treinando seus operadores, buscando o aperfeiçoamento logístico da sua estrutura e sempre em condições de estar dando a resposta mais rápida, mais cirúrgica possível. Não temos só os policiais que vestem a farda preta e colocam o fuzil com bandoleira no pescoço e saem para o confronto. Temos também todo um trabalho de inteligência de segurança pública para assessorar melhor as equipes operacionais. O Bope está pronto hoje, amanhã e sempre para qualquer tipo de enfrentamento dentro de Mato Grosso.
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5 Comentário(s).
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João 01.04.22 09h32 | ||||
Se o NOVO CANGAÇO agir hoje, o BOPE desfalcado com as prisões não iria agir, quem sabe o GOE vá lá e faça alguma coisa além de deixar bandido feliz!!!! | ||||
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paz pereira da mata 31.03.22 09h46 | ||||
Bom dia Coronel Fabiano o Brasil precisa de pessoas compromissada, honradas e de caráter de seu naipe para cuidar do bem estar do povo de nosso Estado, MT, MTO OBRIGADO PELOS SERVIÇOS E DEDICAÇÃO A ESSA MISSÃO. | ||||
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Sirlene Pessoa 29.03.22 12h25 | ||||
Só orgulho desse Comandante de coragem e dedicação à missão que escolheu. Sempre contribuindo com as causas difíceis do Estado de MT. Parabens Ten. Coronel. | ||||
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João Pedro 27.03.22 21h28 | ||||
Parabéns Coronel Fabiano, o senhor é um comandante que nos espelhamos, um grande profissional e nos orgulhamos de vê-lo à frente dessa briosa unidade. | ||||
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Edemir 27.03.22 11h29 |
Edemir, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas |