O juiz federal Paulo Cézar Alves Sodré detalhou, em sua decisão de perda dos bens do ex-bicheiro João Arcanjo Ribeiro, a participação de cada envolvido no esquema do crime organizado em Mato Grosso.

"“[Arcanjo] ocultava, dissimulava e comandava com mãos de ferro a estrutura que erigiu nesta unidade da Federação após aqui aportar-se vindo do estado de Goiás, começando sua espalhafatosa e temida carreira de criminoso/empresário como simples pobre policial civil até alcançar o estrelato de comendador"
Para contextualizar os fatos e justificar as perdas de imóveis nos Estados Unidos e Brasil, cotas em empresas, veículo e aeronave, o magistrado utilizou decisões anteriores que determinaram, por exemplo, a prisão de Arcanjo por crimes contra o sistema financeiro, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro.
A Justiça Federal determinou, neste mês, que o ex-bicheiro e ex-chefe do crime organizado em Mato Grosso, João Arcanjo Ribeiro, perca os seus bens. Todos serão alienados por meio de leilão.
A decisão de Paulo Cézar Alves Sodré é extensa: são 259 páginas, nas quais o magistrado contextualiza o caso e indica a participação de cada um dos envolvidos na organização criminosa, que, segundo ele, era alicerçada financeiramente em Mato Grosso, em outros estados brasileiros, no Uruguai, Estados Unidos, nas Ilhas Caymam e na Suíça.
Sodré lista os bens fora do país que Arcanjo acumulou ao longo dos anos e que, agora, serão recuperados pela União.
Com o pedido de perdimento de bens, feito pela União e Ministério Público Federal à Justiça Federal, a expectativa é que sejam recuperados cerca de R$ 790 milhões.
Os membros
João Arcanjo Ribeiro
Arcanjo era o líder da quadrilha, segundo a Justiça. Ele era o principal acionista das pessoas jurídicas existentes tanto na conexão local quanto na internacional, bem como é o elo fundamental entre os demais membros da associação delitiva.
“Conforme assumido em suas alegações finais, e se extrai dos documentos apreendidos quando do cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos por este juízo e dos depoimentos dos réus Luiz Alberto Dondo Gonçalves, Nilson Roberto Teixeira e Edson Marques de Freitas e ainda da maioria absoluta das testemunhas inquiridas em juízo, era o proprietário da “Colibri Loterias”, empresa ilegal, eis que formalmente não existente, responsável pela exploração do jogo do bicho neste Estado”, diz trecho da decisão.
O relato também indica que mesmo outras organizações criminosas em Mato Grosso dependiam do aval de Arcanjo. Além disso, o magistrado relembra as mortes devido ao crime.
“A jogatina de máquinas caça-níqueis, explorada por outra quadrilha a qual também pertence dependia de sua concessão. Da disputa pelo controle do jogo eletrônico resultaram, dentre outras, as mortes de Rivelino Brunini e Fauzy Rachid Jaudy e a tentativa de homicídio em relação a Gisleno Fernandes”, diz trecho.
“Sendo denunciados pelos crimes João Arcanjo Ribeiro, como mandante dos assassinatos e por contrabando de máquinas caça-níqueis. Mesma acusação reservada a Luís Alberto Dondo Gonçalves e a outros comparsas, entre os quais alguns pistoleiros e intermediários dos atentados”.
Além disso, Arcanjo é quem operava com as instituições financeiras em nome de suas empresas e formulava as estratégias pertinentes à delinquência do seu grupo criminoso.
“[Arcanjo] ocultava, dissimulava e comandava com mãos de ferro a estrutura que erigiu nesta unidade da Federação após aqui aportar-se vindo do estado de Goiás, começando sua espalhafatosa e temida carreira de criminoso/empresário como simples pobre policial civil até alcançar o estrelato de comendador”.

"Silvia usufrui ainda abertamente de produto dos crimes praticados pela organização criminosa, além de ter assumido o controle dos negócios da quadrilha, principalmente quanto ao hotel localizado em Orlando/Flórida, após fuga de Arcanjo"
“Suas empresas eram colocadas em nome de laranjas e administradas e gerenciadas por seus procuradores, dentre eles Nilson Roberto Teixeira, Luiz Alberto Dondo Gonçalves, Davi Bertoldi e Adolfo Oscar Olivero, bem como sua esposa Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro e o garçom Edson Marques de Freitas”.
Silvia Chirata
A esposa de Arcanjo à época, conforme a decisão da Justiça Federal, figura praticamente em todas as empresas jurídicas constituídas e ligadas a João Arcanjo Ribeiro.
“Inúmeros são os empreendimentos que compartilha com João Arcanjo, assim como no Uruguai e nos Estados Unidos. Em outras pessoas jurídicas, como no caso da Lyman S/A e Aveyron S/A, off-shores constituídas no Uruguai e através das quais se patrocinaram crimes contra o sistema financeiro e nacional e lavagem de dinheiro”, diz trecho da decisão sobre perdimento de bens.
Ainda, conforme o documento, Silvia era a “diretora” e, pela função, assinava atas, documentos fiscais e bancários e representativos das sociedades sob apreço.
“Usufrui ainda abertamente de produto dos crimes praticados pela organização criminosa, além de ter assumido o controle dos negócios da quadrilha, principalmente quanto ao hotel localizado em Orlando/Flórida, após fuga de Arcanjo”.
Com a prisão de Arcanjo decretada em 2002, coube a Silvia prestar “auxílio inestimável ao fugitivo no Uruguai, comprando automóvel e alugando imóvel para que ambos pudessem permanecer incógnitos, já que também fora decretada a sua prisão cautelar pelo juízo, em razão de estar evadindo-se do distrito da culpa para a cidade de Miami/USA”.
Luiz Alberto Dondo GonçalvesContador por formação e sócio de Arcanjo, Dondo exercia, segundo a Justiça, “relevante” tarefa de contabilizar e legalizar os ganhos das atividades do “bando delinquente”.

"Dondo é também ‘laranja’ de Arcanjo. A sua colaboração à organização criminosa pode ser considerada e inestimável e fundamental ao sucesso das atividades delitivas realizadas ao longo dos últimos oito anos"
“Contabilizava tudo no seu escritório denominado ‘Diego Contabilidade’, utilizando-se de seus conhecimentos para impedir que as autoridades públicas tivessem acesso ou pudessem averiguar a regularidade das contas bancárias e fiscais dos negócios do comendador e demais imputados”.
Era Dondo que confeccionava balanços contábeis e financeiros, declarações fiscais e providenciava a abertura e regularidade documental das pessoas jurídicas e físicas integradas ao grupo, “tanto no Brasil quanto no exterior, principalmente no Uruguai, país de sua nacionalidade primeira”.
Dondo era sócio da família Arcanjo Ribeiro principalmente em off-shores e era procurador de pessoas jurídicas, entre outros, do Plaza Shopping Ltda., Unidas Investimentos e Participações Ltda., JAR Projetos de Construçãoes Ltda. e a uruguaia Lyman S/A.

"Em resumo, Nilson era o homem do dinheiro e das operações de aplicação, patrocinando, auxiliando e promovendo a captação de recursos localmente, operacionalizando a internalização dos valores obtidos em empréstimos simulados no exterior e dando a destinação para o numerário que entrava no caixa de factorings"
“É também ‘laranja’ de Arcanjo na empresa Elma Eletricidade Ltda., conforme declarou em seu reinterrogatório, já que as cotas da referida sociedade comercial pertencem de fato ao ‘comendador’. A sua colaboração à organização criminosa pode ser considerada e inestimável e fundamental ao sucesso das atividades delitivas realizadas ao longo dos últimos oito anos”.
Nilson Roberto Teixeira
Teixeira era o gerente geral das factorings de Arcanjo e esposa. Profissionalmente, ele era gerente de banco.
“Tornou-se responsável pela administração de todas as factorings mantidas pela organização criminosa, ocupando, nessa condição, o título de principal operador dos empréstimos concedidos ilegalmente a pessoas físicas e jurídicas neste Estado”.
“Ainda, segundo relatado por Dondo e David Estevanovick de Souza Bertoldi, bem como várias testemunhas, Teixeira era o responsável pela emissão de duplicatas e outros títulos cambiais relacionados às operações de empréstimos que eram realizadas pelas casas de factoring”.
Teixeira chegou a assumir em interrogatórios seu papel.
“Em resumo, Nilson era o homem do dinheiro e das operações de aplicação, patrocinando, auxiliando e promovendo a captação de recursos localmente, operacionalizando a internalização dos valores obtidos em empréstimos simulados no exterior e dando a destinação para o numerário que entrava no caixa de factorings, mediante novas operações de empréstimos, agora abastecendo a conexão local da máfia capitaneada por João Arcanjo Ribeiro”.
O bando e a condenação Conforme a decisão da Justiça Federal sobre o perdimento de bens de Arcanjo, o ex-bicheiro, bem como Silvia Chirata, Luiz Alberto Dondo Gonçalves e Nilson Roberto Teixeira foram condenados por formação de organização criminosa, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.
A sentença que os condenou também condenou Arcanjo pelos mesmos crimes e foi assinada, em 2003, pelo ex-juiz federal Julier Sebastião Silva.
Conforme o magistrado à época, a organização movimentou cerca de R$ 900 milhões de 1997 a 2001 sem declarar à Receita Federal.