Apontado pela magistratura e membros do Ministério Público como o principal problema do projeto que altera a Lei de Abuso de Autoridade, a figura do “crime de hermenêutica” – punição a um juiz por uma decisão que venha a ser reformada em instância superior – não foi totalmente retirada da proposta da nova legislação aprovada no Senado na última semana.
É o que afirma o presidente da Associação Mato-grossense dos Magistrados (Amam), o juiz José Arimatéa, para quem o texto que segue para análise da Câmara Federal ainda está “muito longe do que poderia ser considerado razoável”.
“Se o juiz entender que não cabe a conversão de uma prisão preventiva em medidas cautelares, como o uso de tornozeleira, e o tribunal reformar essa decisão, ainda há uma hipótese legal de que isso se torne objeto de uma ação penal ou de uma reclamação por abuso de autoridade contra o juiz”, explica Arimatéa.
De autoria do senador Roberto Requião (PMDB-PR), o projeto aprovado pelo plenário do Senado na última quarta-feira (26) prevê mais de 30 ações que podem ser consideradas como abuso de autoridade.
O projeto prevê aplicação de penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão; o pagamento de indenização a vítima; e, em caso de reincidência, a inabilitação para o exercício da função pública por um prazo que pode chegar a cinco anos ou até mesmo a perda do cargo.
Clareza
Para o promotor de Justiça Roberto Turin, presidente da Associação Mato-grossense dos Membros do Ministério Público de Mato Grosso (AMMP/MT), entre as questões que ainda precisam ser discutidas está a falta de clareza que algumas expressões imprimem à proposta de lei.
“O texto traz muitos tipos penais que a gente chama de abertos. Expressões como ‘razoável’ ou ‘necessariamente razoável’ que, na prática do dia a dia da atividade policial e do Ministério Público, dão margem para uma série de interpretações duvidosas, que podem levar alguém a ser processado indevidamente por abuso de autoridade”, afirma.
Turin reconhece já ter havido avanços no debate da proposta. Destaca, todavia, que as entidades que defendem o entendimento de magistrados e membros de MPs continuarão tentando fazer alterações. O diálogo, agora, será travado junto aos deputados federais.
Exercício da atividade
Além de promotores, procuradores e magistrados, delegados e policiais podem ser prejudicados pela proposta, segundo Arimatéa. O juiz cita como exemplo a determinação para que não se use algemas em atos de prisão, quando não houver resistência por parte do suspeito de crime.
“Será que o delegado ou o policial tem como saber se o preso vai reagir, como ele vai reagir, em que momento ele vai reagir? Tem muitas circunstâncias nessa proibição no uso da algema que eu tenho certeza que vão gerar sérios problemas para o pessoal que trabalha diretamente com a atividade policial”, avalia.
Já Turin considera a criminalização de algumas ações previstas na lei como medida excessiva. Aponta como exemplo o desrespeito à prerrogativa dos advogados.
“Não que a gente queira desrespeitar a prerrogativa dos advogados ou de qualquer outra profissão, mas isso não é para ser tratado como um crime”, defende o promotor que avalia: “isso dá margem para disputas judiciais intensas e prolongadas, que não ajudam em nada o exercício do Poder Jurisdicional”.
Prejuízo a investigações
Alair Ribeiro/MidiaNews
Promotor Roberto Turin, que defende mais alterações no projeto
Entre as críticas à proposta, se destaca a tese de que o projeto visa barrar apuração de crimes como no caso da operação Lava Jato. O entendimento é compartilhado por Turin, que afirma ver “nitidamente” uma relação entre a apresentação do projeto e o curso das investigações.
Para o promotor, entre os pontos mais graves nesse sentido está a previsão de que conduções coercitivas de investigados não sejam feitas antes de uma intimação para que eles compareçam voluntariamente para depor.
“Existem algumas provas que se você não colhe em determinado momento, não consegue produzi-las mais. Para isso existe a condução coercitiva, além de para aqueles casos em que o cidadão atrapalha ou não comparece. Então, não se deve proibir a condução coercitiva. Ela é um instrumento legal. Ela colabora com as investigações”, diz.
Turin sustenta ainda que barrar tal iniciativa prejudica os próprios alvos das investigações.
“Está havendo uma confusão entre o que é condução coercitiva e prisão temporária e preventiva. Hoje, o instituto da condução coercitiva é usado para você fazer ações em que o juiz quer evitar a prisão preventiva ou temporária. Em muitas situações, se você tirar a possibilidade de condução coercitiva, leva à prisão temporária ou preventiva, que é um instrumento mais gravoso para o investigado”, diz.
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