Cerrado: o Bioma esquecido e devastado

Enquanto a Amazônia e o Pantanal merecidamente recebem holofotes nacionais e internacionais devido às suas riquezas naturais e às ameaças que enfrentam, o Cerrado, berço das águas e de ciclos ecológicos essenciais ao Brasil, segue sendo vítima de uma destruição silenciosa. Pouco reconhecido, esse bioma, imenso tapete verde-amarelo que cobre cerca de 24% do território nacional, tem sido degradado em ritmo alarmante, sem maior resistência, indignação ou mobilização política e social.

Enquanto Amazônia e Pantanal recebem holofotes, Cerrado segue sendo vítima

Em 2023, segundo o MapBiomas e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Cerrado registrou um aumento de 68% na área desmatada em relação a 2022, totalizando 1.110.326 hectares de vegetação nativa suprimida, concentrando 61% de toda a área desmatada no Brasil. A fragilidade da legislação ambiental voltada para esse bioma e a falta de incentivos para a sua preservação contribuem para que sua destruição prossiga de maneira acelerada.

O Cerrado é o segundo maior bioma do país e a casa de uma biodiversidade única, com espécies vegetais e animais que não existem em nenhum outro lugar do planeta. Além disso, é fundamental para o abastecimento hídrico nacional, pois abriga nascentes que alimentam as principais bacias hidrográficas do Brasil, incluindo as do Amazonas, Paraná, Tocantins/Araguaia e São Francisco. Seus rios e nascentes são a espinha dorsal da nossa segurança hídrica e energética.

As espécies de sua flora e fauna, muitas delas endêmicas, representam um patrimônio genético fundamental para a pesquisa científica e para o equilíbrio ecológico de todo o continente. No entanto, sua vegetação retorcida, que esconde uma riqueza subterrânea de raízes profundas, parece não despertar o mesmo encantamento que a exuberância da Floresta Amazônica ou a vastidão aquática do Pantanal. A beleza do Cerrado é sutil, complexa, exige um olhar mais atento para ser verdadeiramente apreciada.

E talvez seja esse o cerne da questão: a ausência de uma narrativa forte e cativante que mobilize a opinião pública. Precisamos que o Cerrado ganhe voz, que sua importância seja compreendida em todas as suas dimensões – ecológica, econômica e social. É hora de reconhecer que a devastação do Cerrado não é um problema regional, mas uma ameaça nacional com repercussões globais.

A inclusão do Cerrado como patrimônio nacional na Constituição Federal, assim como já ocorre com a Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira, é uma demanda antiga de ambientalistas e diversas organizações da sociedade civil. O objetivo é garantir maior proteção legal a esse bioma, que é considerado um dos mais ameaçados do planeta, e promover o uso sustentável de seus recursos naturais.

A valorização do Cerrado exige um esforço conjunto. Governos, organizações ambientais e sociedade civil precisam reconhecer sua importância e cobrar políticas mais eficazes de conservação, incluindo a expansão de áreas protegidas e incentivos à produção sustentável.

É imperativo que a fiscalização seja intensificada e que a pesquisa científica receba o investimento necessário para desvendar e proteger a riqueza desse bioma. É urgente que o Brasil e o mundo voltem seus olhos para o Cerrado. O berçário das águas do nosso país não pode mais ser negligenciado.

Luiz Henrique Lima é professor e doutor em Planejamento Ambiental.