Em um tempo em que a produtividade é exaltada como virtude suprema, uma pergunta precisa ser feita com coragem: para quê — e para quem — serve o excesso de trabalho? Reduzir a carga horária semanal sem redução de salário tem se tornado pauta essencial em debates sobre saúde mental, qualidade de vida e dignidade no trabalho. E essa discussão ecoa de forma dramática e poética na música Construção, de Chico Buarque.
A canção, lançada em 1971, é um retrato brutal da alienação do trabalhador. “Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único…” Os versos repetitivos e hipnóticos descrevem o último dia de vida de um operário da construção civil, esmagado pela rotina e, literalmente, pelo peso do sistema. O trabalhador vive, ama e morre sem nome, sem voz, sem pausa — como tantos brasileiros ainda hoje.
A jornada de trabalho de 44 horas semanais no Brasil — uma das maiores do mundo — suga o tempo que deveria ser dedicado à convivência familiar, ao lazer, à cultura, à saúde física e mental. Pesquisa após pesquisa comprovam: trabalhar menos melhora a produtividade, diminui afastamentos por doenças e reduz os níveis de estresse e burnout. A experiência internacional, como a jornada de quatro dias testada em países como Islândia, Reino Unido e Japão, tem mostrado que é possível manter (ou até aumentar) a eficiência com menos tempo de expediente.
Mas, no Brasil, o trabalhador continua subindo “a construção como se fosse máquina”, como canta Chico. A lógica do “produza ou pereça” persiste — com corpos que tombam na labuta, com mentes exaustas e com vidas que se esvaem antes da aposentadoria.
Reduzir a carga horária não é um luxo. É uma política pública urgente. É uma forma de reconhecer o ser humano por trás do crachá. É dar tempo para amar como se fosse sempre, e não como se fosse a última vez. É dar ao trabalhador o direito de não ser só mais um “fato urgente” nas estatísticas de acidentes e doenças ocupacionais.
Se quisermos um país mais justo, mais saudável e mais feliz, temos que ter coragem de reescrever a rotina, e não apenas aceitar o roteiro trágico que a música de Chico Buarque denunciou há mais de 50 anos.
Porque, no fundo, ninguém nasceu para “morrer na contramão atrapalhando o tráfego”.
Rodrigo Rodrigues é jornalista, empresário e graduado em gestão pública.
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