A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (16) em dois turnos a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Blindagem, que amplia o foro especial e protege parlamentares não só em relação a investigações criminais, mas abre também brecha na área cível, algo inédito.
No primeiro turno, foram 353 votos a favor e 134 contra o texto principal, além de uma abstenção. No segundo turno, o placar foi de 344 a 133. Os deputados ainda votarão destaques que podem retirar partes do texto.
Depois, a proposta segue para o Senado, onde precisa ser aprovada também em dois turnos no plenário para ser promulgada e passar a valer.
No primeiro turno, a Câmara tornou secreta a votação para autorizar a prisão de deputados federais e senadores. O PSOL pediu que esse trecho fosse excluído, para que a população saiba como cada congressista votou nesses casos, mas foi derrotado por 322 votos a 147.
Os deputados também aprovaram estender o foro especial para os presidentes de partidos políticos com representação no Congresso, mesmo que não tenham mandato parlamentar. Foram 317 votos a 156.
Patrocinado pelo centrão como reação às dezenas de investigações sobre desvio de emendas parlamentares no STF (Supremo Tribunal Federal), o texto contém uma blindagem mais ampla do que a original estabelecida na Constituição de 1988 e que havia sido derrubada em 2001 devido à pressão popular contra a impunidade.
Os alvos do centrão, grupo de direita e centro-direita que tem maioria na Câmara, são as mais de 80 investigações no STF envolvendo suspeita de corrupção em verbas das emendas parlamentares, que movimentam a cada ano cerca de R$ 50 bilhões.
Além disso, deputados argumentam que a medida busca fortalecer o Parlamento diante do Poder Judiciário, alvo de reclamações por, por exemplo, derrubar leis aprovadas.
O texto, chamado pelos deputados de PEC das prerrogativas, tem como principal ponto dar ao Congresso o poder de barrar processos criminais no STF contra parlamentares ao exigir licença prévia do Legislativo. Essa autorização terá de ser deliberada pela respectiva Casa em até 90 dias a contar do recebimento da ordem do Supremo, em votação secreta.
Hoje o foro especial de deputados e senadores diz respeito apenas a investigações e processos relativos a crimes cometidos no exercício do mandato e em função dele. Não há necessidade de autorização para o STF abrir processo e também não há foro especial na área cível.
A PEC diz que medidas cautelares contra congressistas só podem ser autorizadas pelo STF, o que abre a possibilidade de que mesmo atos tomados em ações de improbidade (cíveis) tenham que ter autorização da corte.
Presidente de partidos políticos também terão foro especial, ou seja, serão julgados pelo STF. A mudança beneficia dirigentes como o do PL, Valdemar da Costa Neto, e do União Brasil, Antonio Rueda.
Especialistas afirmam que caso seja aprovada definitivamente pela Câmara e Senado, a PEC sustará os processos em andamento assim que for promulgada, já que emendas constitucionais têm efeito imediato e não há regra de transição estabelecida na atual PEC.
Em 2022, o STF decidiu que o abrandamento na Lei de Improbidade feito pelo Congresso no ano anterior valia para os casos em andamento, não se aplicando apenas aos processos já julgados de forma definitiva.
Apesar desse precedente, a suspensão na prática será definida pelo próprio STF, que deverá ser provocado a se pronunciar sobre a aplicabilidade da emenda. A corte pode, inclusive, considerar inconstitucional a PEC, revogando sua eficácia.
Em uma manobra para aprovação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a liberar a participação remota dos deputados, o que não é comum às terças-feiras.
Para aprovar uma PEC, é necessário o apoio de 308 dos 513 deputados federais. Se passar nas duas Casas, ela é promulgada pelo próprio Congresso e entra em vigor, não cabendo sanção ou veto presidencial.
A PEC teve o apoio da maioria dos partidos. Apenas PT, PSOL, PC do B, Rede e Novo votaram contra de forma unânime ou majoritária.
O governo Lula (PT) liberou a bancada após um acordo com o centrão para aprovar a PEC em troca de apoio para barrar a proposta de ampla anistia aos condenados pela trama golpista, incluindo Jair Bolsonaro (PL).
No total, 12 deputados do PT votaram a favor e 51 contra. O líder de governo, Odair Cunha (PT-MG), votou a favor.
Por esse acordo articulado por Motta, a anistia ampla seria derrotada em votação nesta quarta-feira (17) e haveria uma saída de meio-termo: a redução das penas dos envolvidos nos ataques golpista de 8 de Janeiro, incluindo a do ex-presidente e dos outros sete condenados pelo STF na semana passada.
O relator da PEC, Cláudio Cajado (PP-BA), defendeu as prerrogativas parlamentares afirmando que elas são garantias constitucionais para que os deputados "possam exercer sua independência sem temer perseguições políticas".
Motta, por sua vez, também mostrou-se favorável, dizendo que trata-se de "autonomia dos mandatos" e que muitos deputados reclamam sobre desrespeito às prerrogativas. "Não é uma pauta de governo ou de oposição, do PT ou do PL, da esquerda ou da direita", disse.
O presidente da Casa afirmou ainda que a PEC não tem "novidades ou invencionismos" em relação ao texto de 1988, apesar do ampliação do conceito de foro e a brecha para o avanço na área cível.
No plenário, o deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SC) admitiu a expectativa do PL de que, ao aprovar a PEC, o apoio do centrão à anistia ampla seria concretizado —contrariando o acordo contra o perdão que envolve Motta e o governo. "O que está sendo votado hoje está sendo votado para que amanhã seja votada a anistia", disse.
O bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou que não se trata de blindagem e que deputados são perseguidos por suas falas. Na mesma linha, o bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) disse que a PEC representa o fim da chantagem do STF. Já deputados da esquerda apelidaram a PEC de "bandidagem" ou "malandragem".
"Virou PEC, sim, da blindagem, da bandidagem, da autoproteção, da couraça, do escudo, da carcaça, da casta, do corporativismo, da impunidade, da armadura e da vergonha, ou falta de vergonha. Eu tenho muitos mandatos aqui e nunca vi tamanho descaramento", disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
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