O Ministério da Fazenda lidera entre os órgãos federais com mais servidores em regime de teletrabalho de forma parcial, integral ou no exterior. Ao todo, 10.090 pessoas estão nessa condição, o equivalente a 47,1% do quadro. A pasta tem 42 servidores trabalhando remotamente do exterior.
Segundo levantamento da Folha de S.Paulo com base no Painel de Pessoas em PGD (Programa de Gestão e Desempenho), 145.279 servidores (32,47%) aderiram ao modelo. Desse total, 97.159 (21,7%) trabalham na modalidade de teletrabalho e 48.120 (33,12%) de forma presencial.
Criado por decreto em 2023, o programa busca melhorar o desempenho das instituições, priorizando a entrega de resultados e metas em vez do controle de horas ou da presença física.
Os dados consideram apenas servidores ativos. Ficam de fora da conta integrantes da Defensoria Pública da União, estagiários, hospitais federais e institutos de saúde, além do Programa Mais Médicos e de oficiais militares.
O teletrabalho entrou em evidência na discussão da reforma administrativa. Após o coordenador do grupo de trabalho da Câmara que prepara uma proposta, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), antecipar ao C-Level Entrevista, videocast semanal da Folha, que iria incluir no texto uma limitação do teletrabalho a um dia da semana, as resistências a mudanças aumentaram.
O deputado diz que o levantamento reforça a necessidade de uma regulamentação nacional para todos os servidores públicos. Ele vê abusos na adoção do teletrabalho, mas ressalta que há órgãos que estabeleceram regras disciplinadoras. Cita o caso do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
No setor privado, o tema também ganhou evidência depois que o Itaú Unibanco demitiu cerca de mil funcionários após monitorar por quatro meses aqueles que estavam em regime híbrido ou totalmente remoto. O banco considerou baixa a produtividade no home office.
No Ministério da Fazenda, a adesão ao teletrabalho é visível. A Folha de S.Paulo percorreu o prédio da Esplanada, em Brasília, nos últimos dias e encontrou corredores e salas vazias. Em uma das visitas, registrada em fotos, havia no máximo três pessoas em cada sala dos segundo e terceiro andares, além de corredores desertos. Em outros ministérios, o cenário é similar.
A pasta afirma que o modelo de teletrabalho adotado não traz prejuízo ao serviço, pois sua implementação já considera a compatibilidade com as necessidades institucionais de forma a resguardar o interesse público e garantir a entrega dos resultados.
Destacam-se também pelo número de servidores nessa modalidade o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (3.791), a Advocacia-Geral da União (3.181), o Ministério da Saúde (1.872) e Ministério da Agricultura e Pecuária (1.605).
A pasta da Agricultura informou que a primeira fase do PGD, implementada em 2022 com a participação de cerca de 1.200 servidores em áreas como tecnologia, elaboração de normas e pareceres técnicos, foi avaliada de forma positiva. O principal entrave, segundo o ministério, foi o excesso de burocracia do sistema utilizado à época, que exigia grande dedicação ao planejamento, à prestação de contas e à avaliação, o que desestimulou parte das chefias.
Responsável pela área de pessoal do governo, o MGI (Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos) afirma que os dados de teletrabalho refletem uma nova forma de organização do serviço público. "Ao tratar de planos de trabalho individuais, associados às metas da unidade, o PGD garante melhor acompanhamento das atividades pelo gestor das equipes."
A ministra Esther Dweck (MGI) afirma que o governo não quer que o servidor vá para o teletrabalho como fuga. Por evitar esse risco, novas regras foram adotadas, segundo Esther. Entre elas, a exigência de que o novo servidor trabalhe presencialmente, assim como o seu chefe. O governo também proibiu a migração de pessoas de um órgão para outro direto para o teletrabalho.
Ana Pessanha, especialista em conhecimento da República.org, vê com preocupação a proposta que obriga apenas um dia de teletrabalho por semana no serviço público e, ainda assim, restrito a um percentual de servidores.
Para ela, a medida representaria uma "redução drástica" diante do cenário atual, em que boa parte do funcionalismo federal atua em regime parcial ou integralmente remoto. A especialista avalia que o debate sobre o tema tem sido pouco guiado por evidências concretas sobre os efeitos do teletrabalho.
Em sua visão, antes de restringir o modelo, seria mais efetivo exigir relatórios anuais padronizados, com indicadores de desempenho, para avaliar a execução do PGD e os resultados de cada regime de trabalho. Ela defende a criação de sanções para órgãos que não cumprirem as regras, como a suspensão da flexibilidade ou o fim do trabalho remoto.
Para o professor da Fundação Dom Cabral, Humberto Falcão Martins, será preciso um bom modelo de gestão do desempenho para que o home office funcione. "Do contrário, fica muito complicado. Vira um regime de quase licença. Não seria desejável, porque a produtividade literalmente cai", afirma. Ele defende uma regulação nacional, mas com ressalvas porque o país é grande e tem características regionais.
Um acórdão publicado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em março deste ano não conseguiu determinar de forma conclusiva se o teletrabalho na administração pública federal é universalmente eficaz, no sentido de identificar melhores práticas comprovadas.
No entanto, o levantamento aponta para o potencial de eficácia e benefícios significativos, ao mesmo tempo em que destaca desafios e lacunas na mensuração e validação desses impactos.
Apesar da dificuldade em validar empiricamente, o levantamento apresenta alguns indícios e expectativas de que o teletrabalho pode ser eficaz e vantajoso. Das 15 unidades que reportaram dados válidos sobre variação de gastos com o PGD, 14 indicaram diminuição de despesas.
A Advocacia-Geral da União mencionou, por exemplo, economia de cerca de R$ 30 milhões em locações de imóveis entre 2019 e 2023, e uma queda de R$ 9,6 milhões nos custos operacionais em 2020 (ano da pandemia).
Para o presidente do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, o teletrabalho funciona bem. "Os servidores que saem para PGD têm metas definidas de entregas a serem feitas com prazos estabelecidos", diz.
Marques afirma que o teletrabalho, além de aumentar o desempenho do servidor, diminuiu custos com locação, copeiragem, segurança, energia elétrica e insumos.
Para ele, a proposta do deputado Pedro Paulo é um retrocesso. "Ele simplesmente disse 'ah, vamos reduzir para um dia por semana', mas não dá para fazer as coisas assim."
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