O relatório parcial da Polícia Federal na investigação sobre venda de decisões judiciais aponta a existência de um esquema de fraudes em recuperações judiciais milionárias ligadas ao agronegócio, capitaneado pelo grupo empresarial Fource.
O inquérito detectou que os principais processos suspeitos de irregularidades no Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvem falências ou recuperações judiciais do agro.
Um dos casos desse tipo, por exemplo, foi denunciado pelo próprio empresário envolvido na recuperação judicial, o produtor de algodão José Pupin, que admitiu à Justiça operações fraudulentas do seu processo. A denúncia foi revelada pelo Estadão.
Procurada, a Fource não se manifestou sobre o relatório da PF.
No caso envolvendo o empresário José Pupin, a empresa negou ter realizado irregularidades na recuperação judicial e disse que todos seus atos foram comunicados formalmente à Justiça e autorizados pelo empresário.
O esquema funcionaria em várias etapas. Primeiro, a criação de uma justificativa artificial para que o processo tramite em um juízo cooptado pelo grupo.
“Esse arranjo costuma iniciar-se ainda na fase pré-falimentar, com a manipulação da competência territorial por meio de redomiciliações fictícias, criação de filiais artificiais e conexões jurídicas simuladas. O objetivo é garantir a distribuição do feito ao chamado ‘Juízo ótimo’, caracterizado pela previsibilidade e complacência decisória, permitindo maior controle sobre o andamento processual”, diz o relatório.
Após obter decisão judicial favorável, o grupo busca cooptar o administrador judicial, figura essencial para o andamento do processo. A etapa seguinte envolve o estabelecimento dos créditos da recuperação judicial.
Segundo a PF, são inseridos créditos falsificados envolvendo empresas do mesmo grupo, com o objetivo de ter credores aliados para atuar nas votações do processo de recuperação judicial e manipular a compra dos demais créditos por valores subdimensionados.
Ao final das fraudes, o grupo empresarial responsável pela recuperação judicial se beneficiou do processo porque não precisou pagar dívidas e aumentou seu próprio patrimônio comprando ativos de forma fraudulenta, em valores abaixo do mercado.
A última etapa do processo, porém, envolve o objeto de investigação da Polícia Federal: a compra de decisões judiciais.
De acordo com a investigação, essas fraudes nas recuperações judiciais só são possíveis por meio da cooptação de autoridades do Judiciário, que dão a chancela nos processos.
“O funcionamento desse arranjo sustenta-se na produção de documentos formalmente regulares, mas materialmente inidôneos, cuja eficácia depende da corrupção judicial. Por meio da influência exercida em gabinetes, da manipulação de minutas, da antecipação de despachos e da negociação extraprocessual de decisões, os atos e documentos fraudulentos adquirem aparência de legitimidade. Sem a corrupção judicial, permaneceriam ineficazes; com ela, convertem-se em atos processuais formalmente válidos”, diz a PF.
Frentes de apuração
No mesmo relatório parcial, como revelou o Estadão, a PF pediu ao ministro Cristiano Zanin autorização para aprofundar a investigação sobre o envolvimento de novos personagens no esquema de venda de sentenças e também a atuação da filha de um ministro da Corte. Zanin é relator do caso no inquérito que trata do assunto e tramita no Supremo.
A investigação da PF identificou também que o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de operar um esquema de venda de decisões, criou falsos contatos em seu telefone celular com nomes atribuídos a servidores do STJ, mas que na verdade eram de advogados.
O Estadão mostrou ainda que o delegado encarregado do caso, Marco Bontempo, pediu para sair do comando da investigação. Ele alegou questões de saúde para pedir o desligamento da função.
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