A jornalista Joanice Pierini Loureiro, que morreu em Campo Grande (MS), onde morava, em 2005, vítima de doença no coração, contou um pouco da história de José Fragelli, em reportagem especial publicada no jornal Diário de Cuiabá, da qual foi secretária de Redação e editora-executiva, em outubro de 2000.
Pierini, que formou-se na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), narra em seu texto, por exemplo, que Fragelli, neto de italianos e espanhóis, tinha a fama de "pão duro".
Eis a reportagem de Pierini, publicada no dia 22 de outubro de 2000. Ela entrevistou Fragelli, em Aquidauana, onde o político viveu a maior parte de sua vida. O ex-governador morreu nesta madrugada.
A história de um líder
Não foi preciso tocar a campainha. José Fontanilla Fragelli escutou o barulho do carro e saiu na calçada para nos receber. Camisa de tecido leve, para fazer frente ao calor escaldante de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, cidade que se assemelha com Cuiabá também pela passagem de um rio piscoso. Sorriso no rosto, por saber que se tratava de uma equipe de jornalistas de Mato Grosso, Estado da qual se diz um filho, e um eterno apaixonado.
Ouvido apurado para escutar, garganta animada para falar. Fragelli foi uma das personalidades políticas mais entrevistadas deste mês em Mato Grosso do Sul, por conta da divisão do Estado, que no último dia 11 de outubro completou 23 anos. Foi ele, aliás, o primeiro a saber da intenção do então presidente Ernesto Geisel, em tornar Mato Grosso dois, num episódio que marcou a vida do político.
Era o ano de 1973, quando Fragelli, em seu gabinete de governador de Mato Grosso, em Cuiabá, recebeu um telefonema. Devia ir, sozinho, ao aeroporto, para conversar com o ministro do interior, Rangel Reis, que trazia, da Presidência da República, o comunicado da divisão. "Eu disse na hora: ‘como governador, vou aceitar a decisão. Mas faço logo um alerta. Divididos, os dois terão dificuldades financeiras'".
Anos depois, a divisão se consolidou, e as palavras de Fragelli também. "Na minha época nunca ouvi dizer em tantas dívidas. Tínhamos uma economia saneada. Nunca faltou dinheiro para pagar o funcionalismo público. Com a divisão, tudo isso acabou. Foi uma solução política, para acabar com as brigas que existiam entre o sul e o norte. Mas foi um erro administrativo. Estado é uma estrutura muita cara", acredita.
Divisão territorial, aliás, é um dos assuntos prediletos de Fragelli. Homem de sorriso simpático, que adora política e guerras, que fala pouco de si, e cuja a história pessoal confunde-se com a própria história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
"Gosto de falar deste assunto e aproveito para fazer um alerta para o ‘norte'. Se dividirem novamente, como querem alguns, será o fim. As receitas vão cair pela metade, e as despesas vão dobrar. Estes dias falei para o Lenine (em referência ao historiador Lenine Póvoas): já não estou muito bom para falar, mas dizem que tenho algum prestígio em Cuiabá. Se for preciso vou aí, fazer campanha contra uma nova divisão", enfatiza.
Fatos políticos marcantes, como ter sido o primeiro a saber da divisão, não faltam na vida de Fragelli. Ele esteve à frente da Presidência do Senado, entre 1985 e 1986, e guarda até hoje recortes de jornais da época. Um deles cita: "Fragelli sai são e salvo do Senado". Um quadro na parede ainda lembra o tempo de parlamento federal. Como presidente do Senado, Fragelli exerceu a presidência da República por seis dias.
Mas é de tempos mais remotos que Fragelli guarda as recordações políticas mais preciosas. Lembranças de um tempo em que fazer alianças ou até mesmo discordar dos adversários não eram episódios tão recheados de baixaria, como hoje.
Pai influenciou na escolha pela carreira de advogado
Neto de italianos e espanhóis, José Fontanillas Fragelli é antes de mais nada um apaixonado por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. "Em mim não existe divisão", comenta. Hoje, em Aquidauana - cidade localizada a 110 quilômetros de Campo Grande - , junto com os filhos e a mulher ele ainda administra as fazendas que herdou. É, aliás, o responsável pelas finanças. Vem esporadicamente a Cuiabá, mas, mesmo de longe, nunca deixa de ter notícias do Estado.
Fragelli nasceu em Corumbá, em 1916. Com 13 anos, quando sua mãe morreu, foi para Campo Grande, junto com o pai, médico. Durante o ginásio estudou por dois anos no Rio de Janeiro, mas acabou tendo que retornar às pressas por conta de uma apendicite. Concluiu os estudos no Ginásio Campo-grandense, que depois se tornou colégio da Missão Salesiana. Foi orador da turma mas, novamente sem se gabar, tantos anos depois continua a dizer que não era o mais indicado para o cargo.
Com o sonho de ser advogado, seguiu os conselhos do pai, que sempre dizia: "se quer estudar Direito, tem que ir para São Paulo". Em 1934 passou no vestibular do Largo do São Francisco, e em 1938 estava de volta, já formado. Iniciou na carreira como promotor, cargo que exerceu por quatro anos, mas que acabou deixando, por conta de divergências políticas que na época já se desenhavam. Entre seus apoiadores sempre esteve Wilson Barbosa Martins, que foi governador de Mato Grosso do Sul por duas vezes.
Em Cuiabá, morou cerca de 12 anos. Inicialmente como deputado estadual, líder da bancada de Fernando Corrêa da Costa, secretário de Finanças, e depois como governador.
Com boa memória para números, mas esquecendo-se aos poucos de nomes, lembra-se da Avenida da Prainha e da Barão do Melgaço.
Quando deixou o Governo do Estado, Fragelli candidatou-se ao senado, mas acabou perdendo para Pedro Pedrossian, um adversário político público, porém a quem Fragelli se refere com muita distinção. Como suplente, recebeu do também senador Rachid Derzi, um convite que está armazenado em sua memória com riquezas de detalhes.
"Ele me disse que o presidente Figueiredo queria Pedrossian como governador, e que eu devia assumir a cadeira no Senado. Eu não gostei da idéia, porque eu fiz campanha dizendo que achava que o Pedrossian não devia ser governador. Não sou homem disso". Por dois anos Fragelli resistiu a assumir, mas com a decisão da presidência, em nomear Pedrossian governador, acabou indo para o parlamento federal, onde tornou-se presidente entre 1985 e 1986.
‘Pão duro', Fragelli soube administrar finanças
Em 1947, confrontaram-se pelo Governo do Estado duas das maiores lideranças de Mato Grosso: Filinto Müller e Fernando Corrêa da Costa, tio da esposa de Fragelli, Lourdes. Correligionário de Corrêa da Costa - "que venceu com uma diferença pequena, de pouco mais de cinco mil votos" - Fragelli acabou tornando-se líder do governo na Assembléia Legislativa, e depois secretário de Finanças. Função estratégica para um homem que defende aplicação racional de recursos. Como ele mesmo se intitula: "sou um pão duro".
No final do Governo de Corrêa do Costa, Fragelli candidatou-se a deputado federal, e foi eleito o segundo mais votado do Estado, só perdendo para João Ponce de Arruda. "Tive muita ajuda da minha mulher, que como toda cuiabana nata é uma política", lembra. Ao final do mandato como parlamentar, Fragelli decidiu afastar-se da política, para cuidar da Fazenda Taboco, que o então deputado José Alves Ribeiro havia deixado para filha, Dona Lourdes.
"Lembro até hoje do Carlos Lacerda me dizer: ‘não Fragelli, não deixa a política'. Mas eu argumentava dizendo que não tinha idoneidade financeira, ou em outras palavras, dinheiro, para continuar". De volta a Aquidauana, Fragelli chegou a afastar-se um pouco da política. Mas com a criação da Arena, acabou sendo eleito presidente estadual para Mato Grosso, por dois anos. O presidente nacional da sigla na época era Filinto Müller.
"Eu estava aqui um dia, e veio um juiz que hoje é desembargador em Cuiabá, trazendo um jornal, onde o então governador Pedro Pedrossian, que era meu adversário político, dizia que meu nome estava sendo lembrado para a presidência estadual da Arena. Eu estranhei, mas fui conversar com ele. E disse a Pedrossian que só aceitaria o cargo se minha velha UDN me apoiasse". Com o aval necessário, Fragelli foi eleito, fato reprovado por Filinto Müller, que escreveu uma carta de protesto.
Dias depois, de volta a Aquidauana, Fragelli recebe um telefonema de Müller, indicando-lhe quais tarefas deveriam ser executadas. Ele não se gaba, mas deve ter feito o necessário, e ainda mais. Prova disso foi uma conversa que ambos tiveram, dois anos depois, num jantar no clube Dom Bosco. Era época de Ditadura Militar, governo de Garrastazu Médice. Os governadores eram apontados pela Presidência da República, e apenas referendados pela Assembléia Legislativa. "Vou recomendar você para o governo do Estado", disse Filinto Muller.
E assim, de adversário de Müller, Fragelli tornou-se seu correligionário, e governador entre 1971 e 1975.(JPL)
Apesar das dívidas, Governo foi marcado por construções
A posse de José Fragelli como governador de Mato Grosso aconteceu no dia em que o Brasil ganhava a Copa de 70, no México. Esta é apenas uma das boas recordações que ele tem desta época. Administrar o Estado foi um pouco difícil, no início, por conta de dívidas que ele havia herdado de Pedro Pedrossian. "Durante um ano e três meses fiquei sem dar ordem de serviço", recorda-se. Aos poucos, no entanto, a saúde financeira de Mato Grosso foi se reestabelecendo.
Entre as dívidas que Fragelli herdou estavam pagamentos de desapropriações que Pedrossian havia feito, principalmente na região da avenida do CPA. "Eu resolvia de um jeito muito simples: quer receber? Então me dá um abatimento de 50%... Caso contrário terá que esperar a verba entrar no Orçamento, ser aprovada. Estou falando. Eu sou um pão-duro", destaca.
"Doutor Pedro é um homem empreendedor. Mas construía muito e pagava pouco. E quando eu cheguei lá tinha uma montoeira de dívida, inclusive o Estádio Pedro Pedrossian (o Morenão, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), que eu paguei 73%", contabiliza. Mesmo no início, segundo Fragelli, nunca faltou dinheiro para pagar o funcionalismo. "E eu não negava nenhum pedido dos prefeitos que vinham do interior", recorda-se.
Mesmo com as finanças sob rígido controle, Fragelli abriu, no primeiro ano de governo, cerca de 1,5 mil quilômetros de estradas pelo interior. "Asfaltar não deu, porque era muito caro". Além disso, em quatro anos de governo construiu 92 escolas. "Esses dias eu vi o governador daqui (José Orcírio, o Zeca do PT), dizendo que em um ano e meio ele construiu cinco escolas. Não me aguentei. Escrevi um artigo e disse que ele ainda está me devendo muitas", brinca o ex-governador.
Para Cuiabá, Fragelli recorda-se de muitas obras que fez. "Foi uma administração modesta, porém organizada", aponta. Os prédios públicos eram poucos. Parte do complexo do Centro Político Administrativo (CPA) foi construída por ele. Assim como o estádio que leva seu nome, José Fragelli, o "Verdão". Tais obras foram possíveis com a venda de cerca de dois milhões de hectares, em Aripuanã, apoiadas pelo então senador Filinto Muller.
Também na administração do Estado, a mulher, Lourdes, teve papel fundamental. Naquela época, a casa do governador funcionava no mesmo prédio que o gabinete. "Eu ia embora por volta das cinco da tarde. Já não tinha o que fazer. Ela não. Ela ficava até oito horas da noite trabalhando. Deveria ter recebido o salário do meu lugar", brinca.
O grande desafio do governo veio em forma de chuva, já ao final do mandato. Era a enchente de 1974/75, e cerca de 100 pontes no Pantanal caíram. "As obras de asfaltamento da avenida do CPA, que haviam iniciado, tiveram que ser suspensas, tanta era a água. "A construção não foi concluída mas deixei tudo pago", lembra. "Fiz um bom governo. Quando eu passava na rua, o povo de Cuiabá me aplaudia", lembra.
Hoje, Fragelli critica o fato de não se fazer mais administração pública como antes. "Quando eu deixei o Estado, só 27% da arrecadação estava comprometida com folha de pagamento. O que aconteceu para tudo reverter tanto?", questiona. Cópias de documentos que apontam os demonstrativos do Estado, Fragelli guarda até hoje, numa gaveta de seu escritório pessoal.
O ex-governador, leitor assíduo dos jornais de Campo Grande, tem críticas severas contra o Legislativo. "As assembléias se julgam cada vez mais poderosas. Elas gastam mas não criam formas de aumentar a receita. Em Mato Grosso, durante quatro anos a Assembléia funcionou com somente 15 funcionários. Hoje, só em Mato Grosso do Sul são 1,2 mil", comenta. (JPL)
Comentários (6)
Se era tão apaixonado assim por MT, pq estava morando em MS????
enviada por: Carlos Gomes Data: 30/04/2010 19:07:42
AOS FAMILIARES DO NOSSO QUERIDO E ETERNO GOVERNADOR DR. JOSE FRAGELLI NOSSO MAIS PROFUNDO PESAR... E EM NOSSAS ORAÇÕES ESTAREMOS PEDINDO AO NOSSO BONDOSO DEUS QUE O RECEBA DE BRAÇAS ABERTOS...
enviada por: sheila moraess Data: 30/04/2010 18:06:28
Ouvir, ler, sobre Dr Fragelli é sempre muito bom, infelismente hoje acabamos de perder um dos poucos estadistas que o Mato Grosso UNO teve a felicidade de ter como governador, homem sério, honrado e sobremaneira honesto, ainda jovem como membro da ARENA em Fátima do Sul / MS tive a felicidade de conhecê-lo e ser seu correligionário político (hoje em dia em extinção) foi muito honroso e hoje ainda falo para meus filhos e netos que dificilmente teremos outro igual em nossa politica tão corrompida e inutil em nossos dias. Que Deus o receba na glória e que seu espirito continue as obras que restaram em sua vida terrena. À famíli, principalmente Dona Maria de Lourdes meus sentimentos sinceros. Braga/Dourados/MS
enviada por: José Braga Data: 30/04/2010 16:04:54
Muito boa a matéria, apesar da dupla saudade: da Joanice e do Dr. Fragelli. Melhor ainda o exemplo deixado por êle, como homem público e como cidadão. Um espelho brilhante que que sempre refletirá imagens da boa conduta no comando da administração pública, à disposição dos políticos e administradores de hoje. A esses conclamo seguir o caminho da retidão trilhado pelo ilustre Dr. Fragelli. E isso não custa muito.
enviada por: Petrônio Sobrinho Data: 30/04/2010 16:04:52
Parabens pela excelência da matéria.Essa é a verdadeira cuiabania.
enviada por: Raimundo Auremir Morais Freitas Data: 05/05/2010 18:06:35
Os Pesares à Família de quem foi um dos governadores mais responsáveis pelo Estado de Mato Grosso, do ponto de vista administrativo e principalmente financeiro.Quanto a indagação do comentário anterior, de Carlos Gomes, citamos uma frase muito dita pelo Dr. Fragelli, " Em mim não existe divisão "..... Fica com DEUS, em quem sempre acreditou!!!
enviada por: Elias Vanin Data: 03/05/2010 09:09:40