Cuiabá, Quinta-Feira, 25 de Dezembro de 2025
PAUSA POR SAÚDE
25.12.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Aos 70 anos, Papai Noel Pantaneiro sonha em inspirar novos projetos

Essa foi a primeira vez que Clóvis Rezendes Matos não pode ir à região distribuir livros e presentes

Yasmin Silva/MidiaNews

Clóvis Rezendes Matos é conhecido como Papai Noel Pantaneiro pelo seu projeto

Clóvis Rezendes Matos é conhecido como Papai Noel Pantaneiro pelo seu projeto "Inclusão Literária"

LARISSA AZEVEDO
DA REDAÇÃO

Criador do projeto “Inclusão Literária”, que há duas décadas leva livros, brinquedos e alimentos a famílias do Pantanal, Clóvis Rezendes Matos, de 70 anos, não conseguiu, pela primeira vez em 2025, ir à região para atuar como o Papai Noel Pantaneiro.

 

Por questões de saúde, ele precisou adiar a tradicional visita, mas garante que não pensa em aposentadoria e quer continuar espalhando a magia do Natal por muitos anos.

 

Mas o maior desejo de Clóvis é que outras pessoas sigam o mesmo caminho e desenvolvam ações voltadas à educação, à leitura e à cultura em comunidades pouco assistidas do interior do estado.

 

“Que o projeto seja um exemplo e transforme vidas, que incentive as pessoas a lerem, a gostarem da leitura, porque o livro é um grande transportador de culturas, de novidades e de conhecimento de outros mundos. O livro abre a cabeça”, afirmou em entrevista ao MidiaNews.

 

Que [o projeto] seja um exemplo e transforme vidas, que incentive as pessoas a lerem

Clóvis recebeu o título de Papai Noel Pantaneiro em 2005, no início das ações solidárias. O projeto nasceu com o objetivo de incentivar a leitura e levar conhecimento a comunidades de difícil acesso em Mato Grosso, oferecendo às crianças oportunidades de desenvolvimento por meio dos livros.

 

Com o passar dos anos, a iniciativa ganhou força e se aprimorou. Atualmente, além de promover o acesso à cultura, o projeto proporciona momentos de celebração, convivência e partilha entre as famílias atendidas, especialmente no período natalino.

 

 

 

 

Para Clóvis, tudo começa com as crianças, que considera as principais responsáveis por manter viva a magia do Natal e de outras datas comemorativas.

 

“As crianças são as grandes incentivadoras dos enfeites e das festas. Tudo isso é pensado para elas. Presente é bom para todo mundo, eu gosto de presente também, mas imagina a criança feliz, vendo uma figura que não faz parte do dia a dia, mas que é alegre, traz coisas boas e transmite sentimentos positivos para elas”, afirmou.

 

Antes de se tornar o Papai Noel, Clóvis não vivenciava, de fato, as festividades natalinas, embora sempre tivesse se encantado com as decorações de Natal. Quando passou a assumir o personagem, inicialmente como forma de obter renda extra para manter o projeto Inclusão Literária, foi impactado pelo carinho e pela alegria das crianças e acabou se apaixonando pela magia da época.

 

“O pessoal sempre me chamava para ser Papai Noel em shopping, e eu nunca quis, nunca aceitei. Aí precisei de dinheiro e pensei: ‘agora eu vou virar Papai Noel, vou fazer’. Acabei me apaixonando pela função. Hoje, faço muito mais trabalho solidário, ajudando as pessoas, do que trabalho comercial”, explicou Clóvis. 

 

 

 

Ele, que sempre se assemelhou ao bom velhinho retratado em livros e animações infantis, encontrou na barba cheia e nos cabelos longos e brancos a conexão definitiva com o espírito do Natal.

 

Você não pode apagar todas as fantasias que uma criança tem. Se puder incentivar as que são boas, as que fazem bem, isso é muito positivo

Para Clóvis, a data tem extrema importância para estimular a criatividade e contribuir para o desenvolvimento das crianças.

 

Em um mundo cada vez mais dominado pela internet, no qual os pequenos têm fácil acesso a notícias negativas, como guerras e violência, acreditar no bom velhinho ajuda a preservar a experiência de ser criança, segundo ele.

 

“Você não pode apagar todas as fantasias que uma criança tem. Se puder incentivar as que são boas, as que fazem bem, isso é muito positivo. O Papai Noel, eu vejo assim, e muita gente vê também, é algo importante para o desenvolvimento da criança. A criança precisa disso”, afirmou Clóvis.

 

“Eu vejo ainda que até as escolas deveriam estimular mais esse tipo de imaginação, não só o Papai Noel, mas também as lendas, que são coisas fantásticas. Aqui em Cuiabá, por exemplo, temos lendas lindíssimas, que deveriam ser transmitidas com mais ênfase às crianças”, acrescentou.

 

Além disso, ele defende que os próprios pais mantenham vivas as fantasias e as tradições natalinas junto aos filhos, algo que já presenciou diversas vezes ao longo dos anos.

 

“Hoje eu já entrego presente para filhos de crianças que, no passado, recebiam presente de mim. É algo muito gostoso. Você vai vendo o tempo passar, uma geração chegando à outra, e isso é muito bonito”, contou.

 

Crianças pantaneiras

 

Clóvis passou a atuar como Papai Noel inicialmente para obter recursos destinados ao projeto Inclusão Literária, que o leva a comunidades de Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço, no Pantanal, com o carro carregado de livros, brinquedos, roupas e cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade.

 

Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), ele sempre viajou pelo interior do Estado em seu trabalho como historiador. Nessas visitas, percebeu que muitas crianças das comunidades atendidas não tinham acesso facilitado a livros e brinquedos, o que o motivou a criar o projeto.

 

Como já era chamado de Papai Noel pelas próprias crianças, decidiu assumir de vez o personagem e se tornou o Papai Noel Pantaneiro. Todos os anos — com exceção deste, por motivos de saúde — ele retorna às comunidades para entregar livros e brinquedos aos pequenos, que aguardam ansiosamente a visita.

 

Por meio da iniciativa, Clóvis amplia o acesso ao conhecimento e proporciona, além da experiência natalina, momentos de alegria e partilha às famílias do interior no fim de ano.

 

Atualmente, o projeto atende, em média, cerca de 6 mil pessoas por ano, com um custo aproximado de R$ 30 mil, valor custeado com recursos próprios e doações.

 

“Eu tento passar muito essa ideia de solidariedade. Tenho pessoas lá que me apoiam e me recebem em suas casas durante o período do projeto. Quero que eles guardem uma boa lembrança de mim, só isso. Uma boa lembrança do Papai Noel, que fique na história deles”, afirmou.

 

 

O maior presente é a alegria de viver

 

Entre tantas visitas marcadas por risos, brincadeiras e pedidos, há uma história que Clóvis carrega como uma das mais profundas de seus anos como Papai Noel pantaneiro. 

 

Foi a única vez, segundo ele, em que alguém pediu um presente específico, e o pedido veio de uma comunidade isolada, às margens de um córrego, em uma região rural de Barão de Melgaço.

 

No local vivia um jovem tetraplégico, que passava os dias deitado em uma cama, com movimentos restritos apenas à cabeça. A família precisava de uma cadeira de rodas especial para que ele pudesse se locomover com conforto e segurança. 

 

Para viabilizar o presente, Clóvis organizou uma rifa de livros, vendeu exemplares, contou com a ajuda de amigos para o transporte e retirou do próprio bolso o valor que faltava. A cadeira, que custou mais de R$ 4 mil, foi levada até o jovem. 

 

Ao ser colocado nela, ele interrompeu o silêncio do lugar com gritos de alegria. Pela primeira vez, ele podia se movimentar sozinho, ir e vir, e experimentar uma liberdade que antes não existia.

 

A alegria dele veio de se sentir vivo, de viver e não apenas sobreviver. O rapaz faleceu cerca de oito meses depois, mas Clóvis levou a felicidade para os seus dias, antes que fosse tarde demais. 

 

“A alegria do moço que estava recebendo a cadeira, de soltar gritos de alegria, por saber que ele poderia se movimentar na cadeira, que era toda especial, a alegria desse moço é incalculável, você nem imagina”, afirmou Clóvis, emocionado. 

 

 

Historiador, Papai Noel, apenas pai, avô ou professor, Clóvis é conhecido como o espalhador de livros, e já teve a sua história contada por amigos e admiradores, seja em livros, reportagens ou cordeis. 

 

O mineiro que descobriu em Mato Grosso a sua razão de viver e o seu legado, deseja espalhar cada vez mais amor e alegria por onde passa, ouvindo os risos da inocência do mundo, tirados das crianças. 

Yasmin Silva/MidiaNews

Pintura em homenagem a Clóvis Matos

Trabalho do artista Adriano Ferreira feito em frente à casa de Clóvis

 

“Pelas estradas a fora 

Vai cumprindo a Missão. 

De espalhar os seus livros, 

A sua imensa paixão. 

Aos jovens, velhos, meninos, 

vai mudando o destino, 

Livro aberto, inclusão. 

 

‘Nem toda palavra é 

O que o dicionário diz, 

Nem todo pedaço de pedra

Transforma-se em um giz.’

É relendo a jornada, 

Que se chega a aprendiz. 

 

O pagamento disso tudo, 

É um sorriso bem aberto. 

De quem ganha dele um livro

Colhe flores no deserto. 

Dom Casmurro, Dom Quixote, 

Contos do Grimm no pacote, 

Pedro e o Lobo por perto.”

 

Trecho de cordel produzido por Josué Limeira, em Recife, após o cordelista conhecer Clóvis em uma Bienal na cidade. 

 

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