Cuiabá, Terça-Feira, 22 de Julho de 2025
ORGULHO LGBTQIA+
28.06.2021 | 07h50 Tamanho do texto A- A+

Cantora: "Brasil é o país que mais mata trans; a vida da travesti é frágil”

No dia do orgulho, cantora cita como se reconheceu mulher trans e acredita na arte como transformação

Reprodução

A cantora e produtora Luísa Lamar: Dia do orgulho LGBTQIA+

A cantora e produtora Luísa Lamar: Dia do orgulho LGBTQIA+

BRUNA BARBOSA
DA REDAÇÃO

Com 15 anos, a cantora e produtora Luísa Lamar, passou pelo processo de se reconhecer enquanto uma mulher trans. A transfobia foi uma das maiores barreiras durante a caminhada para ser quem ela é. Especialmente nesta segunda (28), dia do Orgulho LGBTQIA+, Luísa lamenta que o Brasil ainda seja o país que mais mata trans e travestis. 

 

Segundo o Mapa dos Assassinatos 2020, a idade média das vítimas foi de 29,5 anos. Enquanto a média nacional sobre a expectativa de vida dos brasileiros, segundo dados do IBGE, é de 75,5 anos.

 

Ao MidiaNews, Luísa explica que já perdeu muitas amigas e convive com o medo constante de perder as que estão vivas. 

 

"Estou 'acostumada' a ver notícias de pessoas trans se suicidando ou sendo assassinadas. Perdi muitas amigas nesses seis anos. A vida da travesti é frágil há muito tempo. É muito difícil me despedir das minhas amigas, porque tenho medo de não encontrá-las de novo", lamenta. 

Perdi muitas amigas nesses seis anos. A vida da travesti é frágil há muito tempo. É muito difícil me despedir das minhas amigas, porque tenho medo de não encontrar elas de novo

 

Ela diz ser urgente que trans e travestis tenham melhores condições de trabalho, estudo e moradia. 

 

"Não conseguimos nos integrar de fato à sociedade, trabalhar ou estudar. Hoje em dia melhorou um pouco, mas as trans que eu conversava em 2015, por exemplo, deixavam a escola por serem proibidas de usar o banheiro". 

 

Para a cantora é apenas através do acesso ao conhecimento que tal realidade poderá ser modificada, já que foi a música e arte que a salvaram quando ela enfrentava os dias mais turbulentos do seu processo de autoconhecimento. 

 

Ela sempre gostou de cantar, mas parou quando se mudou para Chapada dos Guimarães (a 64 km de Cuiabá) e começou a se reconhecer enquanto trans. 

 

O retorno à música foi simbólico, pois aconteceu quando Luísa estava livre para ser quem era. 

 

"Me descobrir trans foi me deixando muito abalada, fiquei longe da música, mas depois da transição voltei a cantar. Quando passei na faculdade em Cuiabá comecei a me apresentar também. Falo de Ciências Sociais e Filosofia mas, para mim, a arte é a única forma de tornar paupável de levar esse conhecimento para o povo". 

 

Solidão da mulher trans 

 

A solidão das mulheres trans e travestis também é um traço marcante da transfobia. Ela acontece junto com a objetificação desses corpos.

 

Com Luísa não foi diferente. Ela diz ter percebido que, mesmo tendo relações sexuais, o afeto lhe era negado. 

 

"Esse afeto romântico diria que não descobri até hoje. Me deixa muito curiosa, porque até hoje não vivencei um desses romances, por exemplo. Não tive namoradinha ou namoradinho. Por muito tempo, vi que seria enquanto figura sexual e não de afeto". 

 

O problema da objetificação aliado à falta de oportunidades de trabalho, de acordo com a cantora, faz com que muitas trans e travestis comecem a acreditar que "servem" apenas para as esquinas, prostituindo seus corpos. 

 

Quando voltou para Cuiabá, Luísa pensou que a realidade seria outra e que conseguiria ser acolhida sendo apenas a Luísa. A pressão social foi tanta que a cantora relata ter pensado em tirar a própria vida.

Reprodução

Luisa Lamar

Para Luísa, trans e travestis precisam de oportunidades de emprego e estudo

 

"Achei que não haveria tanto preconceito, que teriam pessoas como eu, mas não foi a realidade. Não me sentia bem comigo mesma. Por mais feminina que eu estivesse, me odiava. Tinha muita disforia", diz.

 

"Sofrer transfobia todos os dias nas ruas, pessoas querendo ter relações sexuais com você, mas não te conhecer... Estava a ponto de acabar com a minha vida", acrescenta.

 

"Luta invisível"

 

Luísa explica que o "T" (trans e travestis) da sigla LGBTQIA+ ainda é fortemente invisibilizado na história do movimento. A situação ainda tende a piorar quando se tratam de mulheres trans ou travestis negras e periféricas. 

 

A crítica da cantora é de que muitas vezes a luta LGBTQIA+ se resume aos homens gays.

 

"Muitas travestis continuam lutando sozinhas, quando essas pessoas que conseguiram uma 'ascensão' podiam ajudar, eles abandonaram. A realidade que vejo são trans e travestis tendo que se prostituir para ter onde morar e o que comer". 

 

Sem representação na política

 

Luísa também não se sente representada pela política de Mato Grosso, que, para ela, faz uma luta "falsa" pela população trans e travesti. 

 

"Sinto que falta um diálogo real com a população trans. Estamos começando a ter algumas rodas de conversa ligadas à Secretaria da Mulher, mas ainda sinto que falta dar esse espaço para a população trans, para que possamos demandar de fato. Já estamos ouvindo há tanto tempo, continuamos sendo mortas e não podemos falar". 

 

Para ela, o discurso de representatividade tem que ir para além do que é visto na frente das câmeras. 

 

"Usam a gente na frente das câmeras e falam de representatividade, mas temos que estar em todos os locais. Dirigindo filmes, na Assembleia, na Câmara, na Prefeitura, vendendo lanche ou passagem de ônibus, em todo lugar. E essa não é a realidade, sendo que o país tem trans e travestis para caramba". 

 

Aos poucos, Luísa vai fazendo a diferença com as próprias mãos, sempre através da arte. O curta-metragem "Deize", que no roteiro feito por ela aborda a história de uma deusa travesti, foi um dos projetos contemplados no edital da Lei Aldir Blanc. 

 

Na equipe, ela priorizou pessoas trans e travestis. Por conta da pandemia da Covid-19, as gravações estão suspensas. 

 

"Tive tantas ideias sobre fazer tantas coisas ao longo dos anos, mas não via pessoas trans ocupando esses espaços e isso me deixava triste. Fui para o fundo do poço porque achava que não podia ser eu para conseguir algo". 

 

Irmã do cantor cuiabano Paulo Monarco, Luiza também lançou o "Lambatrans", que nasceu de uma conversa que teve com o irmão.

 

No dia do Orgulho LGBTQIA+ e nos outros que não levam a data no calendário, a cantora segue levando sua arte pelas ruas de Cuiabá. 

 

Veja os vídeos:

 

 

 

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Marcio  29.06.21 07h20
Não tem que ser trans para ser morto no Brasil. Basta estar vivo. Agora, convenhamos, muito dessas pessoas vivem em área de risco, envolvidos com o consumo de drogas. Logo, todos que assim vivem, tem uma maior probabilidade de ser morto.
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