Companhia Ayoluwa
“O corpo é algo que transcende o universo das palavras, é a maior força que nós temos para contar nossa história”, diz o líder da Companhia Ayoluwa, Cristóvão Gonçalves, que há 24 anos trabalha com a valorização da cidadania dos afrodescendentes através da dança e do teatro, em Cuiabá.
Ayoluwa do idioma africano ioruba significa “alegria do nosso povo”. Surgiu em 1996 no Bairro Coxipó e reuniu mais de 60 jovens em seus primeiros anos de funcionamento, para aprender através da consciência crítica e reflexiva o empoderamento da arte e da cultura afro-brasileira. Cristóvão conta que à época a companhia disponibilizava diversas aulas como, capoeira, samba de raiz e danças afro.

Ayoluwa começa com o grupo cultural criado pela mãe e o pai de Cristóvão, Florentino Golçalves da Silva e Abigail Alves da Silva. Begaflor, nome do centro criado pelo casal, foi o pontapé inicial para esta reunião de partilha, de arte e cultura africana, principalmente através da dança e do espetáculo. Segundo o líder, sua mãe, que nasceu no Rio de Janeiro, inspirou o lado da expressão corporal da companhia, já que ela sempre participava de escolas de samba e desfilava nas alas das baianas na capital carioca.
“Antes de militantes, foi nessa fonte que nós bebemos. Hoje a companhia foca no aspecto do corpo, esse corpo que traz cicatrizes na alma”, explica.
A companhia também reúne mestres da sabedoria Griô, que são os membros mais velhos que têm por vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo africano. Conhecidos por carregar uma bagagem centenária, Cristóvão explica que o Ayoluwa proporciona estas rodas de conversa para que os integrantes do grupo possam se conectar mais com a história que muitas vezes é omitida.
Apesar de ser uma companhia voltada para a resistência da cultura afro-brasileira, Cristóvão ressalta que sempre foi importante trazer toda diversidade de pessoas para conhecer o trabalho desenvolvido pela Ayoluwa. Até porque a luta foi sempre de resgate desta parte africana aqui em Cuiabá, para que todos pudessem conhecer e saber das raízes históricas que sempre existiram na Capital mato-grossense.
“Temos muita preocupação com a descriminação e o preconceito, e quando desenvolvíamos o trabalho com as oficinas de expressão corporal afro e os ritmos dos tambores, as pessoas achavam que só vai quem é da religião e só pretos e pretas eram permitidos, mas não. Vão seres humanos que têm essência na alma para sentir aquela música, ouvir aquele som e participar daquele momento”, afirma.
História de luta e conquista
Desde o início a companhia se fez presente em diversos concursos e exposições culturais em Mato Grosso e também fora do Estado. Na Conferência Nacional de Cultura, o grupo participou da primeira à quarta edição, entrando nos debates das políticas culturais do Brasil.
O grupo também esteve no Fórum de Performance Negra, que ocorreu na Bahia no começo dos anos 2000, com mais outras 600 companhias do País. Cristóvão revela que a experiência proporcionou uma troca incrível e os fez perceberem que o Centro Oeste não tinha nenhum edital cultural que beneficiasse companhias como a Ayoluwa.
Foi neste evento que os membros do grupo decidiram lutar para conseguir editais para beneficiar os artistas do Centro Oeste também, já que era inviável para eles participarem dos projetos disponibilizados apenas no Sudeste, Sul e Nordeste. Então, após muita persistência, foi concedido o primeiro edital de cultura afro-brasileira da região.
“A responsabilidade era grande e era possível aprender muito com esses eventos culturais. Lá tudo dizia respeito à liberdade do cativeiro físico, mental e espiritual. Então, todas as vezes que íamos a esses eventos e programações culturais eu gostava, porque era muita rica a troca de experiências”, explica.
Os espetáculos e ações
Arquivo Pessoal
O grupo já realizou diversas apresentações artísticas ao longo dos seus 24 anos
A primeira apresentação do grupo ocorreu em 2002, com o espetáculo “É bonito de ver”. Desenvolvido para enaltecer os impérios africanos, Cristóvão relembra com carinho da história criada para desvencilhar a história do povo africano apenas com a temática da escravidão.
Com príncipes e princesas representados pela arte corporal, com a primeira apresentação foi possível conhecer mais das riquezas africanas e do conto de fadas tão enraizado como apenas uma cultura europeia. O espetáculo foi a porta de entrada para mais diversas produções que ganharam vida e espalharam ainda mais a cultura afro na região cuiabana.
Hoje o trabalho que está sendo desenvolvido é o “Caminho da ancestralidade”. Diferente de tudo já apresentado pela companhia, o projeto é uma ação para mapear o caminho da influência africana dentro do Centro Histórico de Cuiabá. O trabalho é uma parceria de Cristóvão com colegas e estudantes de geografia, história e arquitetura da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“Como coordenador do MISC (Museu da Imagem e do Som), eu recebia a visita dos estudantes no museu e apesar de haver pesquisas sendo desenvolvidas, ninguém ficava sabendo. Então idealizei e convidei alguns parceiros para podermos firmar a rota da ancestralidade, ou seja, por onde os nossos ancestrais passaram no centro histórico”, explica.
Até o momento eles já marcaram diversos pontos como, o Pelourinho na Praça da Mandioca, a Rua das Pretas, na Ricardo Franco e seguem fazendo esse mapeamento que, posteriormente, será digitalizado para que todos possam ver os caminhos da história africana na Capital de Mato Grosso.

Diferente de antes, hoje a companhia conta com um número mais reduzido de integrantes, 13 participantes, por causa da pandemia que impediu diversas outras ideias que eram planejadas. No entanto, Ayoluwa segue com suas atividades de oficinas e lives onlines com grandes nomes quando se fala em cultura afro-brasileira, incluindo profissionais de outros estados.
Para o Dia da Consciência Negra, eles desenvolveram uma apresentação a distância do encontro imaginário de Zumbi dos Palmares com Tereza de Benguela, como uma homenagem ao dia. O espetáculo será feito primeiramente com um ensaio fotográfico com dois bailarinos e depois uma apresentação na Praça da Mãe Preta, também parte mapeada pelo projeto de Cristóvão.
Aprendizado para vida
Ano que vem a companhia completa 25 anos de história, trazendo uma nostalgia em Cristóvão, que relembrou o tanto de jovens que passaram pela Ayoluwa, usufruindo dos ensinamentos e depois constituindo famílias e espalhando a cultura afro-brasileira por gerações. O sentimento ao ver esta evolução é de gratidão pela oportunidade de tornar visível a riqueza da ancestralidade africana.
“O objetivo é que as pessoas se empoderem através da arte, da cultura afro-brasileira para depois poder falar e contar sua própria história. Por isso agradeço muito essa ancestralidade, por poder nos dar o sopro de vida e poder nos dar a centelha de luz através do axé, da força da natureza e de alguma forma poder contribuir com a cultura afro-brasileira, com a literatura, filosofia”, afirma.
Principalmente por serem jovens, o trabalho da companhia sempre carregou um papel importante de ajudá-los a autoestima e a autoimagem. Este é um dos pontos que Cristóvão destaca também, por fazê-los ver que há a possibilidade deles conquistarem espaços em qualquer lugar, sejam nos cursos de medicina, engenharia, na política e na própria construção de família.
Ele comenta como a ocupação é importante, principalmente em uma Capital que naturalizou a liderança de pessoas brancas. O líder ainda destaca que cada vitória e conquista neste aspecto é preciso ser comemorado, porque demonstra que há uma evolução e a companhia Ayoluwa segurá nesse caminho de afirmação, resistência e resgate.
“Oxalá reservou os grandes desafios somente aos grandes homens e as grandes mulheres. Então nós usamos a maior fonte de expressão que temos, o nosso próprio corpo para lutar contra toda forma de preconceito e descriminação aqui em Cuiabá, em Mato Grosso, e em todos os lugares”, finaliza.
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