Um incêndio em 2014, no prédio onde morava em Cuiabá, não apenas alterou a rotina da dentista Anna Raphaela Esteves Almeida, mas também a conduziu a uma nova e impactante trajetória profissional, mudando sua vida e a de muitos de seus pacientes.
Ao reunir-se com a construtora para discutir questões relacionadas ao incêndio, Anna foi interpelada por um diretor da empresa, que a perguntou se ela poderia tratar seu filho autista, já que ele vinha encontrando dificuldade para ser atendido em outros consultórios odontológicos.
“Eu não posso garantir que vou conseguir de imediato, mas vou tentar”, disse ela, quando se comprometeu a acolher a criança.
O autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA), é uma condição neurológica caracterizada por dificuldades na comunicação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos.
Segundo ela, o início não foi fácil. A criança apresentava pânico com a cadeira e, durante três anos, os atendimentos aconteceram no chão, em um colchão, onde o menino se sentia mais confortável.
“Depois desse período de adaptação, consegui colocá-lo na cadeira pela primeira vez para fazer um atendimento sentado”, recorda.
Pós-graduação
A experiência despertou nela um desejo profundo de ajudar outras crianças com o espectro autista, levando-a a perceber a necessidade de capacitação na área.
As manifestações do autismo variam amplamente. Por essa razão, o atendimento a pacientes requer uma abordagem específica, que leve em consideração as necessidades individuais.
“Clinicamente a odontologia não muda. Quando é preciso intervenções com a necessidade, por exemplo, de fazer o paciente ficar com a boca aberta, ou fazer um tratamento de canal, que necessita utilizar todos os equipamentos, é preciso fazer uma sedação”, explica.
Após essa primeira experiência, Anna Raphaela se especializou e fez pós-graduação em transtornos do espectro autista.
Ela explica que pacientes de grau 1, mais leves, podem receber atendimento convencional, enquanto os de grau 3 enfrentam desafios mais complexos. Nestes casos, muitas vezes é necessária a sedação para que o tratamento ocorra sem traumas.
O processo de acolhimento começa na primeira consulta, onde ela busca estabelecer uma conexão. “Normalmente, faço um 'namoro' com o paciente, um contato inicial para entender suas necessidades, para que ele me conheça, para que se torne uma coisa natural”, explica.
Estigma
O MidiaNews acompanhou, com a autorização da mãe, o atendimento de um de seus pacientes, Mateus Correa da Costa e Costa, de 19 anos, que tem grau 3 de autismo e é não verbal.
A dentista adaptou sua sala, incluindo um colchão para facilitar o atendimento e um espaço externo para brincadeiras. Ela explica que cada paciente tem suas características e é preciso se adaptar de acordo com a necessidade individual. Até o momento, Anna estima ter atendido cerca de 40 crianças autistas, cada uma com suas particularidades e desafios.
A formação em transtorno do espectro autista se mostrou essencial para aprimorar a abordagem. “É necessário conquistar a confiança tanto da criança quanto dos pais”, afirma.
Apesar de avanços nas campanhas de conscientização, ainda persiste um estigma em relação ao autismo. A falta de capacitação profissional e as limitações das instituições são os principais desafios que os pais encontram.
“Mães já chegaram a mim contando que tentaram diversos dentistas sem sucesso. Quando dizem que a criança é autista, as principais falas são: 'Vou te encaminhar para alguém que faça esse atendimento' ou 'Eu não sei como lidar com esse paciente'”, afirma.
Anna Raphaela pondera que é preciso mais recursos e políticas públicas que apoiem esses pacientes, garantindo o suporte necessário. “A falta de preparo da rede pública limita o acesso a um atendimento de qualidade”, diz.
O acolhimento e a compreensão das necessidades dessas crianças são cruciais para o sucesso do tratamento. “A fase inicial do diagnóstico é a mais difícil para a família entender, aceitar e saber como lidar”, explica.
"Emoção"
No entanto, quando os pais abraçam a situação, as conquistas se tornam possíveis. Um dos casos que mais a emocionaram foi o de um jovem que, após muito tempo e esforço, conseguiu mastigar pela primeira vez um pedaço de maçã.
“Ver isso foi emocionante, pois para muitos é algo simples, mas para a família, e para mim, foi uma grande vitória”.
A dentista considera que a construção de um vínculo com os pacientes e suas famílias gera uma satisfação ímpar ao seu trabalho. “A experiência de humanizar o atendimento e ajudar essas crianças é gratificante”, afirma.
“O meu papel é o de orientar, dar suporte, manter as rotinas de escovação mais frequentes, orientar os pais sobre como manter essa escovação em casa, usar o fio dental. Eu ensino, mas não exijo, pois as coisas acontecem no tempo individual de cada criança e dos pais", afirma.
“A odontologia é a área que eu escolhi para atuar, mas tratar pacientes especiais é uma missão. Tem que gostar do que faz, não é odontologia só. Então cuidar de quem está na cadeira é cuidar dos pais. Acho que no final de um atendimento como esse, você receber um abraço, um beijo, um carinho, um obrigado, um até a próxima, é uma sensação única”.
Anna Rafaela espera que, cada vez mais, a capacitação dos profissionais e o entendimento sobre o autismo sejam mais abrangentes.
“O que espero é que todos estejam prontos para atender a essas crianças, que sempre existiram, mas que antes eram, de certo modo, renegadas. Trabalhar com crianças autistas me fez um ser humano melhor e me mostrou que o tratamento é, sim, algo perfeitamente possível”, afirma.
Serviço:
Para entrar em contato com a consultório de Anna Raphaela, ligue: (65) 3621-9444
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1 Comentário(s).
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Antonio 18.08.24 10h25 | ||||
Essa dentista é um ser humano excepcional! | ||||
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