Cuiabá, Domingo, 6 de Julho de 2025
FORMOU-SE EM DIREITO
06.07.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Ele viu o pai ser morto e atuou no júri que condenou assassinos

Geraldo Xavier de Faria Júnior presenciou o crime em 2013, formou-se em direito e conseguiu Justiça

Arquivo pessoal

O advogado Geraldo Xavier de Faria Júnior; em detalhe ele e o pai, que foi morto

O advogado Geraldo Xavier de Faria Júnior; em detalhe ele e o pai, que foi morto

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

Após 12 anos de sofrimento, espera e muito estudo, o garotinho que viu o pai ser assassinado a tiros cresceu, se formou em Direito e ajudou a condenar a dupla responsável pelo crime. No último dia 10 de junho, o advogado Geraldo Xavier de Faria Júnior, de 24 anos, atuou como assistente da acusação no júri popular dos assassinos de seu pai.

 

Mesmo se tivessem pegado 200 anos, ainda não seria o bastante, porque meu pai nunca vai voltar

Os réus Valdete Xavier de Faria, primo da vítima, e Luzirene Ribeiro Miranda, esposa de Valdete, foram condenados a 16 anos, sete meses e 15 dias de reclusão cada um, pelo homicídio qualificado de Geraldo Xavier de Faria.

 

O crime aconteceu em 26 de março de 2013, no município de Alto Boa Vista (MT). Geraldo Júnior tinha apenas 12 anos à época, quando presenciou o pai ser morto por uma dívida que sequer era dele.

 

“Não que seja pouco esses 16 anos, mesmo se tivessem pegado 200 anos, ainda não seria o bastante, porque meu pai nunca vai voltar”, diz.

 

Diante de seus olhos

 

Valdete e Luzirene chegaram à casa da família já com uma atitude suspeita, por volta das 9h30 da manhã daquele 26 de março, uma terça-feira. “Deixaram o carro virado para frente, posicionado para irem embora e a porteira aberta, bem aberta”, recorda o advogado.

 

Geraldo, que havia descongelado uma peça de carne para receber o primo, levou a mão para cumprimentá-lo e foi ignorado. “Ele não quis cumprimentar meu pai, disse que não tinha vindo como amigo”, recorda. Valdete sequer se sentou para conversar.

 

“Meu pai sentou e começaram a conversar. Foi quando eu percebi que ele [Valdete] estava armado. Eu tinha 12 anos, nunca tinha visto uma arma. Como defesa, sentei no colo do meu pai e pensei: ‘Ele não vai atirar em mim comigo no colo dele e nele também não’”, diz.

Arquivo pessoal

Geraldo e Geraldo Júnior

Geraldo Xavier de Faria Júnior ao lado do pai

 

O advogado lembra que, em certo momento, desceu e ficou atrás da cadeira, abraçado no pescoço do pai. “Eu não lembro direito, sei que fui pegar alguma coisa pra minha mãe, que estava do lado, e ele tirou o revólver e atirou no meu pai”.

 

O menino tentou correr para pedir ajuda, mas foi impedido por Luzirene, que o segurou pelos braços. Enquanto isso, a mãe do advogado, Neiva Maria de Faria, se agarrou ao atirador para impedir que ele seguisse disparando contra o marido.

 

Foi apenas um tiro na perna, o bastante para matar Geraldo. “Pegou na veia femoral e ele perdeu muito sangue”, relata. Mesmo ferido, seu pai correu cerca de 60 metros até cair sem vida.

 

Dívida alheia

 

Tudo começou com um processo de desintrusão de terras indígenas no município, onde Geraldo tinha mais de 100 alqueires - aproximadamente 484 hectares. Valdete comprou cerca de 30 alqueires na mesma região, ao lado das terras do primo.

 

Com os primeiros rumores de que as terras seriam entregues aos povos indígenas, Geraldo colocou as suas à venda. Valdete pediu ao primo para vender as dele também.

 

Houve apenas um comprador para as propriedades, que, depois que as terras foram entregues, decidiu não pagar mais por elas, pois também havia perdido o negócio. “Meu pai aceitou, já que ambos haviam perdido. Só que o cara [primo] não aceitou e queria receber pela propriedade”, diz Geraldo.

 

A briga começou inicialmente entre o comprador e Valdete. Geraldo Júnior conta que o pai gostava muito do primo e tentou conciliar a situação, ao fim sendo culpado por ele de ter relação com a perda. “Ele começou a colocar a culpa no meu pai, não sei porquê, e a fazer ameaças”.

 

Geraldo se propôs a pagar pelas terras do primo e quitou uma parte do valor acordado. “Só que meu pai também perdeu tudo que tinha e chegou um momento em que não conseguiu mais. Ele morreu tentando pagar uma dívida que nem era dele”.

 

Faltavam apenas R$ 30 mil do montante, e Geraldo já havia negociado cabeças de gado para quitar o valor. “Se tivesse chegado 20 minutos depois, teria saído com o dinheiro no bolso, porque o gado e o comprador chegaram logo depois. Meu pai já estava morto no pasto”.

 

Sinal divino

 

Geraldo Júnior diz ouvir até hoje sobre o pai. “Era uma pessoa boa demais, muito conhecida na cidade, tanto que hoje tem uma rua com seu nome. Gostava de política e, quando chegava nos comícios, era aplaudido talvez mais do que os próprios candidatos”.

Ele morreu tentando pagar uma dívida que nem era dele

 

Direito era, na verdade, um sonho dele, que Geraldo Júnior seguiu para fazer justiça ao pai. “Foi passando o tempo, eu entrei na faculdade em 2019 e eles continuavam soltos”.

 

O jovem sentia mágoa por o pai não estar presente em sua formatura, mas foi nesse momento que ele diz ter sentido uma manifestação divina. A colação foi marcada para o mesmo dia em que seu pai morreu: 26 de março, também numa terça-feira.

 

“Acredito que foi uma manifestação de que o meu pai estava ali, sim, comigo. Talvez não em vida, mas, como diz [o filósofo] Mário Cortella, as pessoas só morrem quando são esquecidas, e o meu pai sempre ficou vivo no meu coração. Ninguém nunca se esqueceu dele”.

 

Não foi fácil crescer sem o pai, mas, segundo Geraldo Júnior, a mãe batalhou muito para criá-lo. E foi no depoimento dela que ele mais se emocionou. “Ela falou antes da minha sustentação oral. Pensei que não conseguiria falar, porque chorei demais com o depoimento dela. Vi o tanto que ela sofreu e me criou de forma brilhante”, afirma.

 

“A minha mãe nunca quis vingança, assim como eu também não. Mas a gente não deixa de ficar feliz com a condenação. Não vai mudar todo o mal que fizeram, mas esquenta o coração ver que não ficou impune”.

Arquivo pessoal

Geraldo Júnior e Neiva Maria

Geraldo Xavier de Faria Júnior ao lado da mãe

 

Esse foi o primeiro caso em que Geraldo Júnior atuou como assistente de acusação. “Acredito que o Tribunal do Júri ou qualquer outra audiência agora ficou fácil, porque a mais difícil da minha vida foi a primeira”.

 

“Acredito que se não fosse a minha sustentação e todos os detalhes que só quem viveu poderia saber, talvez não tivesse acontecido essa condenação. Mesmo que eu fosse o advogado menos experiente”.

 

Ele já tinha perdido as esperanças de condenar a dupla, mas hoje acredita que “o que se faz nessa vida aqui mesmo se paga”.

 

“Espero que ele tenha orgulho de tudo que aconteceu, de tudo que fiz para que a Justiça fosse feita, para que a morte dele não seja esquecida. Queria que ele estivesse lá na plateia me assistindo, mas acredito que ele assistiu lá de cima e tem muito orgulho”.

 

“Experiência única”

 

O promotor de Justiça Substituto, Thiago Matheus Tortelli, que atuou no julgamento, classificou como “única” a experiência e acredita que “dificilmente se repetirá nos tribunais deste país”.

 

“Doze anos após o crime, o filho da vítima, hoje advogado, retorna ao Tribunal não como testemunha, mas sim assistente de acusação, atuando ao lado do Ministério Público em busca da condenação. Foi exemplar! Geraldo Xavier de Faria Júnior foi irretocável, técnico e firme, ao mesmo tempo em que emocionou a todos com sua narrativa em primeira pessoa”, diz o membro do Ministério Público Estadual.

 

Segundo o promotor, Geraldo Júnior contribuiu de forma significativa para o julgamento. “Esse ato de coragem demonstrou o mais alto nível de compromisso com a Justiça, reforçando a missão institucional de defesa da vida do Ministério Público do Estado de Mato Grosso”, completa.

 

Geraldo Júnior cresceu em Alto Boa Vista (MT) com a mãe e se mudou para Goiás quando passou no curso de Direito. Apesar de ainda morar no Estado vizinho, atua em causas em Mato Grosso. 

 

 

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Arquivo pessoal

Geraldo Júnior e Neiva Maria

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Geraldo Júnior e Neiva Maria

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Geraldo Júnior e Neiva Maria

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Geraldo e Geraldo Júnior

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Geraldo e Geraldo Júnior

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Geraldo e Geraldo Júnior

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Geraldo Xavier de Faria Júnior




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