Cuiabá, Segunda-Feira, 7 de Julho de 2025
MORTES POR CHOQUE
11.05.2025 | 10h00 Tamanho do texto A- A+

Engenheiro: energia é assassina silenciosa; brasileiro ignora risco

Mau uso de carregadores de celular e ligações irregulares nas casas aumentam riscos

Victor Ostetti/MidiaNews

Danilo de Souza, engenheiro eletricista da UFMT e presidente da Abracopel

Danilo de Souza, engenheiro eletricista da UFMT e presidente da Abracopel

PIETRA NÓBREGA
DA REDAÇÃO

"O brasileiro convive diariamente com um assassino silencioso dentro da própria casa, mas perdeu completamente o medo dele". O alerta é do professor Danilo de Souza, engenheiro eletricista da UFMT e presidente da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel).

 

A eletricidade é traiçoeira. Ela não tem cheiro, não tem cor, não faz barulho. Quando você percebe o perigo, muitas vezes já é tarde demais

Com mais de 15 anos estudando os riscos de acidentes elétricos, ele revela: "Enquanto países desenvolvidos tratam a eletricidade com extremo cuidado, nós a banalizamos. O resultado são centenas de mortes evitáveis todos os anos". 

 

O especialista explica que essa cultura de risco começa na arquitetura das residências brasileiras.

 

"Nos países do Atlântico Norte, as pessoas ficariam horrorizadas ao ver nossas instalações elétricas. Um irlandês que visita o Brasil entra no banheiro e se assusta: 'Como assim, vocês têm fios elétricos expostos no mesmo ambiente onde tomam banho?'. Para eles, é como brincar com fogo em um depósito de gasolina". 

 

"Eletricidade e água não combinam. E se a gente analisar historicamente, os brasileiros perderam o medo dessa combinação", afirma Danilo.

 

O professor compara hábitos brasileiros com os de países mais frios: "Na Irlanda ou EUA, banheiros não têm tomadas. O chuveiro elétrico, comum aqui, é uma exceção mundial. Lá os aquecedores são a gás ou ficam externos, reduzindo riscos".

 

 

 

No Brasil, além de utilizar a eletricidade para aquecer a água, muitas pessoas mantêm tomadas dentro do banheiro e até carregam celulares no local. "Já vi projetos residenciais em que as pessoas pedem tomadas em frente ao vaso sanitário para ficar conectadas o tempo todo. Viramos reféns dos aparelhos", critica o especialista.

   

Os números comprovam a gravidade da situação. "O Maranhão tem 25 mortes por choque elétrico para cada milhão de habitantes, enquanto São Paulo registra apenas 3. Essa diferença abissal está diretamente ligada ao IDH (Índide de Desenvolvimento Humano) - onde há menos acesso à informação e recursos, os acidentes se multiplicam", explica Danilo. Segundo ele, 60% das residências brasileiras sequer possuem DR (Dispositivo Diferencial Residual), equipamento obrigatório desde os anos 90 que poderia evitar a maioria das mortes.

 

O DR, também conhecido como IDR (Interruptor Diferencial Residual), é dispositivo de segurança em instalações elétricas que detecta fugas de corrente e interrompe o circuito para evitar choques e incêndios.

 

Ele funciona monitorando a corrente que entra e sai de um circuito e, se houver uma diferença significativa, desliga o circuito automaticamente. 

 

A falta de acesso a instalações elétricas seguras está diretamente ligada à renda e à educação, explica o especialista. Em comunidades carentes, a precariedade das redes elétricas aumenta os riscos. "Precisamos conscientizar os eletricistas que atuam nessas áreas. Muitos não sabem da importância do aterramento ou do DR", diz.

 

A obsessão por conectividade cria riscos adicionais, conforme o engenheiro. "O Brasil é vice-campeão mundial em horas diárias de tela, só perdendo para a África do Sul. São aproximadamente 9 horas e 32 minutos. Essa dependência faz com que as pessoas ignorem perigos básicos, como usar o celular conectado à tomada durante tempestades", relata.

 

"Modelamos esse risco: uma descarga atmosférica pode percorrer quilômetros da rede de distribuição até chegar no seu aparelho. Já registramos dezenas de mortes assim nos últimos anos".

 

Conforme Danilo, o Brasil tem densidade de raios 10 vezes maior que a Europa. E mesmo assim, as pessoas usam celulares na tomada durante chuvas e trovoadas.

 

"O correto seria desligar todos os aparelhos e evitar contato com equipamentos metálicos como geladeiras e microondas e sempre se manter calçado em pisos frios". diz.

 

 

 

Celular na cama e carregadores piratas

 

Danilo explica que o celular em si não é um equipamento tão perigoso, pois opera em baixa voltagem (5V). O problema está na combinação de fatores: um carregador defeituoso, uma tomada mal instalada e o corpo úmido. "Quando a pessoa está molhada, a resistência do corpo diminui, e a corrente elétrica aumenta, amplificando o risco de choque fatal", esclarece.  

 

Carregadores piratas são outra ameaça silenciosa. Conforme o engenheiro, estudos da UFMT mostram que esses dispositivos pesam até 30% menos que os originais porque faltam circuitos de proteção, além de possuir materiais de baixa qualidade

 

"Eles não só queimam mais rápido como podem causar incêndios", adverte. A situação piora com as instalações improvisadas. "Muitas casas usam 'Ts' e benjamins para ligar vários aparelhos numa só tomada, sobrecarregando a rede."

 

60% das residencias brasileiras não apresentam o Dispositivo Diferencial Residual (DR)

 

Sobre os hábitos mais perigosos, Danilo é categórico: "Dormir com o celular carregando na cama não é o recomendado. O resultado pode ser trágico, baterias de lítio podem explodir perto de materiais inflamáveis. O manual recomenda carregar sobre superfícies não combustíveis, mas ninguém segue".

 

O engenheiro explica que a eletricidade é traiçoeira e quase sempre imperceptível. "Ela não tem cheiro, não tem cor, não faz barulho. Quando você percebe o perigo, muitas vezes já é tarde demais".

 

"As pessoas pensam: 'Nunca aconteceu comigo, nunca vai acontecer'. Só que com eletricidade, basta uma vez para ser fatal". 

 

Perfil das vítimas

 

Os dados da Abracopel mostram que homens são mais de 90% das vítimas fatais de choque elétrico, especialmente entre 20 e 45 anos. "Isso está ligado a profissões de risco, mas também à cultura de achar que 'eu sei o que eu estou fazendo'. Os homens tendem a subestimar perigos".

 

Danilo explica que muitos trabalhadores ignoram equipamentos de proteção por acreditarem que nunca vão sofrer um acidente. Neste quesito as pesquisas mostram que as mulheres são bem mais cautelosas. 

 

Pedreiros e pintores estão entre as vítimas mais frequentes. "A pejotização piorou tudo. Muitos são 'autônomos' sem treinamento ou equipamentos de segurança, trabalhando sob pressão para reduzir custos", lamenta o professor.

 

Em grandes empresas com programas de segurança, os acidentes caem drasticamente. "Mas esses casos não viram notícia."

 

 

Para reduzir os riscos, Danilo defende a instalação de dispositivos DR como medida mais urgente. "O DR salva vidas. Se eu pudesse escolher uma única medida obrigatória, seria essa", diz.

 

Segundo o engenheiro, instalações elétricas residenciais bem executadas têm um ciclo de vida de aproximadamente 20 anos, após os quais necessitam de revisão completa.

 

"Sinais como tomadas danificadas, fios expostos, disjuntores que desarmam com frequência ou cheiro de queimado indicam a urgência de uma vistoria profissional", afirma. 

 

Durante o Electrical Safety Workshop – principal evento mundial sobre segurança elétrica, realizado nos EUA –, um relógio detector de campos elétricos chamou a atenção ao vencer um prêmio de inovação.

 

O dispositivo, apresentado por outros pesquisadores, emite alertas vibratórios e sonoros quando identifica a proximidade de circuitos energizados, ajudando a prevenir acidentes com trabalhadores.

 

O professor, que participou do evento com três estudos da UFMT, reconhece a importância do equipamento, mas lembra que o Brasil ainda precisa priorizar soluções básicas.

 

"Enquanto não universalizarmos o DR, aterramento e projetos elétricos adequados, tecnologias como essa terão alcance limitado aqui". A fala reforça um paradoxo: mesmo com avanços globais, o país continua negligenciando normas que evitariam a maioria dos acidentes.  

 

 

Com pequenas mudanças de hábito e investimento em segurança, muitos acidentes poderiam ser evitados. "A conscientização é o primeiro passo para reduzir as estatísticas trágicas que, todos os anos, ceifam vidas desnecessariamente", diz.  

 

O professor ainda explicou como agir em caso de acidentes com fios energizados. A primeira dica é nunca tocar na vítima enquanto ela estiver em contato com a corrente.

 

"Desligue o disjuntor imediatamente e use um objeto não condutor, como madeira, um cabo de vassoura, para afastar a fonte de energia. Depois, chame socorro e, mesmo que não haja sintomas graves, leve a vítima ao hospital, pois choques podem causar queimaduras internas invisíveis ou arritmias cardíacas, que nem sempre apresentam sintomas imediatos", finaliza Danilo. 

 

 

 

 

 

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5 Comentário(s).

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Bruno  12.05.25 04h08
Houve menos acidentes com a nova tomada do Brasil? O DR é o disjuntor? A tomada com a parte aprofundada (negativa) e os plugues com a metade + próxima do dedo passou a ter isolante, são muito mais seguros que as usadas antes. Há hotéis do Atlântico Norte com tomadas para secadores de cabelo no banheiro e outros tem o secador e espelho grande logo antes de entrar no banheiro, parece exagero dele. Tem que melhorar a comunicação
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João Moessa de Lima  11.05.25 17h36
Conheço dois tipos de eletrecistas o ESPERTO que tem medo da energia elétrica e toma cuidado e difilcilmente se envolve em acidente grave e os destemidos que sempre estão a volta de acidentes graves muitas vezes fatais.
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Henrique do Carmo Barros  11.05.25 13h44
Materia importante, deveria ser classificada como de utilidade pública. As universidades, principalmente as públicas, estão com as "prateleiras lotadas com pesquisas rasas.
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Henrique do Carmo Barros  11.05.25 13h41
Materia importante, deveria ser classificada como de utilidade pública.
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Jonas  11.05.25 10h25
Concordo plenamente. Estamos com uma bomba dentro de casa. Deveria ter uma politica publica para uma vistoria criteriosa nas entradas de energia , proteção contra raios. Casas sem quadros de comando sem disjuntores pessoas com fones de ouvido. Bombas de piscina fios desemcapados. Alem disso os cabos da Rua um emaranhado de fios que mais parece uma teia de aranha
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