Quando saiu de Cuiabá há cerca de 15 anos, em busca de oportunidade de emprego em restaurantes de São Paulo, Wdson Duarte Vaz não imaginava que se tornaria um nome de referência na culinária oriental brasileira.

Dono de um dos mais conceituados restaurantes de sushi do País - com duas casas na capital paulista e uma no Rio de Janeiro -, o cuiabano relembrou, em conversa com o MidiaNews, sua trajetória no ramo.
Com o título de sushiman concedido pelas principais instituições culinárias do Japão, Wdson transformou uma birosca na Avenida Paulista no popular Sushi Vaz.
“Era um beco pitoresco – pra não falar feio – onde era meu ponto fraco virou meu ponto forte, porque parecia os becos do Japão. Aqueles becos antigos, umas portinhas pequenininhas, e eu nem imaginava”, declarou.
Conhecido por ser um dos únicos restaurantes de sushi do Brasil a não trabalhar com salmão, Vaz abordou a importância da cultura cuiabana para construir sua identidade como chef.
“Eu represento o meu estado, minha cidade. Acho que era improvável ter um cuiabano fazendo um sushi bom. Então, depois que eu cheguei lá, eu falei: 'Nossa, eu posso trazer o nome do meu estado pro Brasil'”, declarou.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – O que te levou a entrar no ramo da gastronomia?
Wdson Vaz – Quando fiz vestibular para a UFMT, fiz para Engenharia Sanitária e não passei. Aí fiz um cursinho na Isaac Newton e outro vestibular, que também não passei. Aí fui fazer a particular na Unic.
Perguntei pro meu tio, lá em São Paulo: “Eu faço o quê?” E ele falou: “Faz Gastronomia, que aqui em São Paulo essa área é boa”. Aí eu fiz. Só que no meio do caminho tem as histórias, porque eu fiz estágio, ia trabalhando pra poder pegar a base, mas sempre foi mais voltado para o sushi.
MidiaNews – Quando você começou o Sushi Vaz foi em um quiosque. Como foi essa transição para o Sushi Vaz de hoje?
Wdson Vaz – Comecei bem pequeno, até porque eu tinha medo. Se desse algum prejuízo, pelo menos ia ser pequeno. A ideia mesmo do quiosque na [Avenida] Paulista era pagar minhas contas, não era ter fama ou sucesso, nada parecido. Só que eu estudo bastante sushi já tem algum tempo. Então, quando abri o meu, depois de ter trabalhado no Nagayama, no Shigueru San, ou em alguns lugares de São Paulo, decidi aplicar as técnicas que eu já tinha aprendido nesses lugares.
Trabalhei um tempo com o salmão. Depois que tirei o salmão, aí explodiu de vez. Era um beco pitoresco – pra não falar feio. Onde o meu ponto fraco virou meu ponto forte, porque parecia os becos do Japão. Aqueles becos antigos, umas portinhas pequenininhas, e eu nem imaginava.
MidiaNews – Como foi a mudança do Sushi Vaz e como você o descreve?
Wdson Vaz - Eu costumo falar que o meu restaurante é um restaurante brasileiro que tem sushi. Só que, assim, sushi com respeito. O sushi com respeito é o arroz e o peixe por cima. Só que o que difere é a preparação de cada peixe, a manipulação.
Porque eu tenho, atualmente, três restaurantes, e não matar ninguém é, no mínimo, obrigatório. É muito arriscado, peixe cru. Então tem mão de obra qualificada, treinamento. A responsabilidade é muito grande. Eu sirvo ostra também. Já fiz curso de ostra para poder ter ostras.
Alimento cru é perigoso pra caramba, né? Então tem que estudar bastante. Não é só aprender receita e abrir. Tem que estudar. Então, quando eu vou pro Japão, não é pra aprender receita ou coisa nova, não. É pra não matar gente. É pra pessoa comer com segurança.
MidiaNews – Então não estuda apenas a técnica de preparação do alimento...
Victor Ostetti/MidiaNews
Wdson Vaz – Já fiz curso só de atum também, do mar até à mesa, todo aquele processo. Pra saber por que a cor dele é vermelha. Tem muita coisa por trás. E peixe era um ser vivo antes. Ele faz parte de várias famílias, e cada um tem um esquema específico de preparação.
Mas antigamente, em São Paulo, os japoneses não ensinavam muito os brasileiros. Era mais pra ajudar mesmo. Então, você tem que ficar olhando. Ser dedicado por um ano, dois anos. É fácil. Eu quero ver você ser dedicado por uns dez anos. No Japão, para se formar um sushimen, são dez anos.
MidiaNews – Você conquistou o título de faixa preta na preparação de sushi. Como foi isso?
Wdson Vaz – Eu tentei essa prova três vezes. A primeira, fui mal pra caramba, cheguei em casa chorando. Na segunda vez, fui mais ou menos. A terceira vez, eu dei prioridade, uns amigos meus me ajudaram e consegui a pontuação necessária pra conquistar esse título. Eu tenho dois. Eu tenho um dessa escola, que é o Academy Sushi Skills, de Tóquio. E tenho também da Aldeapen Sushi, lá de Nagoya.
MidiaNews – E como explicar o fato de um cuiabano, que não tem a ascendência japonesa, se destacar tanto nesse mercado de comida oriental?
Wdson Vaz – É estudo. Por não ser japonês, tem que ser melhor duas vezes. Quando fui para o Japão, vi um japonês fazendo comida brasileira. Eu tive o mesmo preconceito e, nessa hora, perdoei todo mundo que foi preconceituoso comigo. Porque eu vi lá feijoada, experimentei e era boa. É tipo um metaverso. Ele aprendeu português só pra falar com brasileiro. Tem cachaça brasileira, toca música brasileira, e a maioria que vai lá é japonês. Me inspirei nesse cara e falei: "Se ele pode fazer a minha comida, porque não posso fazer a dele?"
MidiaNews - A gente percebe que nas suas redes sociais você usa muita música cuiabana, valorizando nossa cultura. Como você trabalha suas redes e qual é o objetivo das suas postagens que traz um pouco dessas raízes?
Wdson Vaz – Na verdade, eu represento o meu estado, minha cidade. Acho que era improvável ter um cuiabano fazendo um sushi bom. Então, depois que eu cheguei lá [em São Paulo], falei: "Nossa, posso trazer o nome do meu estado pro Brasil". Porque, pra mim, qualidade de vida é aqui em Cuiabá. A nossa cultura é muito rica. Nós temos dança, nós temos comida, nós temos sotaque, nós temos identidade. A gente é do agro, nossa terra aqui, pantaneira, é a maior planície alagada do Mundo.
A cultura do Nordeste é muito forte, a cultura de Pernambuco é muito forte. O carioca é orgulhoso, o paulistano é orgulhoso, e a gente tem que ter orgulho da nossa terra também, não tem que ter vergonha. Mas nunca me passou nada. A ideia era homenagear os cuiabanos. Já toquei até lambadão no Japão. Se tenho esse poder, por que não fazer?
MidiaNews – E você pretende abrir outras unidades em outros locais ou prefere manter essas casas atuais para não perder a qualidade?
Wdson Vaz – Por enquanto, só até aí. Não pensei em expandir para outros lugares ainda não. Eu expandiria para fora, para outros países, mas aí fica difícil, fica bem cansativo também. Aquele eixo lá em Rio de São Paulo, eu gosto daqueles peixes ali, da facilidade. Ali eu consigo pegar peixe no dia. Eu vou lá pegar peixe, vou lá e pego e escolho com a mão. Mas a comida japonesa de Cuiabá melhorou bastante. A nossa recepção é a melhor de todas.
MidiaNews – Não tem planos de abrir um restaurante em Cuiabá?
Wdson Vaz – Acho que, na verdade, eu deixei a cidade para eu poder descansar mesmo. Para eu pegar o melhor da cidade. Se eu trabalhar aqui, talvez eu não pegue tanto o melhor da cidade, vou ter que vir com responsabilidade. Quero chegar aqui e voltar a andar de chinelo de novo, visitar os restaurantes que estão abrindo. Eu estou viajando o Mundo inteiro, o Brasil inteiro, mas gosto de ficar aqui. Sério mesmo! Já pedi pra mamãe fazer arroz com pequi hoje. Quero comer pequi.
MidiaNews – Você vem com frequência a Cuiabá. Tem alguns lugares que você indicaria ou que visita com mais frequência?
Wdson Vaz – De japonês, eu gosto bastante do Haru, do Azuri... Tem uma galera boa aí fazendo. O Ikioi tá fazendo um trabalho legal também. Pessoal do Santô, do Rolê Sushi. Essa galera está fazendo um bom trabalho. Comida, tipo nível Michelin, acho que mais o Mahalo. Escaldado no Chopão e peixe no Okada. Não tem, "até tchora". Mas eu posso estar deixando muita gente pra trás porque eu não moro mais aqui.
MidiaNews – Esse ano você deve disputar novamente um campeonato de sushiman. Está confiante?
Wdson Vaz – É, essa é a última vez, eu acho, que eu vou tentar. Estou treinando bastante e acho que depende do dia também. Às vezes nem sempre o melhor ganha. Eu preciso estar mais calmo. Meu tio vai dessa vez também, pra eu poder tremer menos, porque eu fico muito nervoso. Ano passado, quando eu peguei o Kurobi, eu coloquei o óculos escuros e gritei: "Aqui é Cuiabá!"
MidiaNews - E como é para você participar desde campeonato sendo de Cuiabá?
Wdson Vaz - Quando eu saí de Cuiabá, falei: ‘Quero trabalhar com wasabi natural. Quero ter sushi na praia’. E hoje em dia, eu tenho sushi na praia. Quando você olha pra trás e pensa: ‘Caramba, eu realmente pedi isso a Deus e Ele me deu’, sabe? Só que, quando Ele te dá, Ele te dá uma responsabilidade muito grande. Não é fácil. Agora, é segurar essa responsabilidade. É por isso que a gente tem que estudar bastante, estudar muito, para não colocar a vida de ninguém em risco. Toda hora estou na tecla, porque sushi envolve segurança alimentar. Às vezes você vê um sushizinho ali e pensa ‘Ah, vou comer!’... Calma, segura. Porque sushi é cru, e você não sabe se o restaurante segue as boas práticas da alimentação. O sushi é um dos alimentos mais perigosos do Mundo.
MidiaNews - Desde a sua última vez no campeonato no ano passado, você acha que mudou algo ou aprimorou sua técnica?
Wdson Vaz - Ah, agora eu sei o que não fazer. O que fazer eu já sei, eu tenho que saber o que não fazer. Por quê? Porque já errei. Nesses dois últimos, eu errei bastante. Então, tem que eliminar os erros. Acho que agora volto mais firme. Bem mais confiante também. Se Deus quiser.
O que eu queria no passado, eu consegui. Nesse ano, eu estou almejando um negócio um pouquinho maior, que é mais difícil. Se eu não ganhar, faz parte, porque são três posições no pódio para 22 competidores. Todo mundo com o mesmo pensamento que você, todo mundo saiu de casa, todo mundo pegou o voo, foi pro Japão.
E essa participação não é barata. É cara pra caramba, é bem cara. Então, não é qualquer pessoa que consegue ir lá. Você tem que ter uma formação e tem que ter uma grana também. Eu nem vou falar, pra não ficar deselegante.
Victor Ostetti/MidiaNews
MidiaNews – Então a participação é para um grupo seleto de chefes?
Wdson Vaz – É bem seleto. Porque uma passagem para o Japão, pra você ter uma ideia, já é 10 mil. Aí tem hotel. Tem que ter insumo, tem que alugar cozinha, porque tem que chegar antes. O ideal é chegar antes. Tem que chegar um mês antes e treinar um mês antes. Aí vai escola, aí vai transporte, alimentação. Então, assim, é pra quem quer mesmo. É pra doido. Porque não é brincadeira!
É bonito falar assim: “Ah, mundial, mundial, mundial”, mas só eu sei o que tem naquela hora que o cara fala: start. Às vezes, corta o dedo. Se cortar o dedo, já é eliminado. Já não participa. A pessoa saiu daqui, você vai e corta o dedo. Acontece muito. A pressão é muito grande.
Eles são japoneses. Eles têm um padrão de qualidade. Eu não moraria no Japão. Eles são certos demais. Eu gosto do Brasil pra caramba. É costume nosso aqui. Mas quando chegar lá, a tem que seguir a regra deles.
MidiaNews – E quais são os chefes que você usa como inspiração ?
Wdson Vaz – Ah, bastante, né? Chefes americanos, chefes japoneses brasileiros também. Nossa, brasileiro... Eu comecei olhando a... sei lá, Murakami, Jun Sakamoto, Shigeru San, a velha guarda mesmo, Yoshihiro, Hideki San. Aí sei lá, Morimoto, Nobu-san. Eu trabalhei no Nobu. Bastante chef.
O japonês, então, nem se fala. No Japão, para comer um bom sushi é o primeiro que você entrar. No primeiro que você entrar, você vai comer um bom sushi. Um sushi de 200 reais pra 2 mil reais, nem tem tanta diferença.
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