Museu Ramis Bucair 20-04-2018

Quase 60 anos após a inauguração e quatro depois de seu fechamento, o Museu de Pedras Ramis Bucair deve permanecer com as portas abaixadas por muito mais tempo. Ao menos no que depender da vontade do filho mais velho do idealizador, o engenheiro Ramis Bucair Júnior, que se sente desmotivado em reabrir o local.
Ele acredita que um dos fatores principais que contribuíram para o fechamento do museu, no Centro Histórico de Cuiabá, foi a falta de reconhecimento da sociedade com os feitos de seu pai.
Ramis Bucair foi um agrimensor, espeleólogo e pesquisador que realizou diversas expedições em Mato Grosso ao longo de décadas. Em suas andanças, ele descobriu 39 grutas e cavernas até então nunca pisadas pelo homem. Durante essas expedições, coletou objetos que compuseram o acervo do Museu de Pedras.
O museu foi inaugurado em abril de 1959, na Rua Galdino Pimentel, no Centro, como uma forma de homenagear Cuiabá. No entanto, o local fechou as portas em 20 dezembro de 2011, no dia da morte do explorador.
Após a morte, seu filho não conseguiu mais reativar o museu. Segundo ele, por ser particular, os órgãos públicos nunca disponibilizaram nenhum tipo de ajuda e isso desanimava Ramis Bucair nos últimos momentos de sua vida.
“Nos cobravam IPTU. Se não pagava a água, cortavam; energia era mesma coisa. Só tivemos isenção de IPTU quando o Centro Histórico foi tombado. Meu pai ficou cansado de tudo isso. Uma das grandes tristezas do meu pai foi essa situação”, afirma o engenheiro.
Além disso, o filho também acredita que os mato-grossenses não souberam dar o valor ao pesquisador. Isso também influenciou para o fechamento do museu.
“Nós já fizemos exposição Brasil a fora. O museu já foi reconhecido no Japão, Canadá, Estados Unidos, Itália, França, Inglaterra, menos aqui no Mato Grosso. Acho que o grau de escolaridade, a cultura de um povo, induz a essa situação. Eu acho que é a hipótese mais condizente com essa situação de não ter esse reconhecimento”, afirmou.
Apesar disso, em 2015, o filho mais velho elaborou um projeto de reestruturação do espaço. Nesse plano, apresentou novas medidas de armazenamento e exposição do acervo, além de um novo local para comportar as 4 mil peças.
Uma novidade seria a divisão do espaço em três categorias. A primeira seria o Museu de Pedras Ramis Bucair, com as peças arqueológicas; a segunda parte seria totalmente dedicada a Marechal Rondon com objetos inéditos; e a última contaria a história de vida do idealizador.
O projeto foi apresentado para o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, cuja diretoria disse que faria desde que tivesse a concessão do museu por 20 anos.
“Não aceitei, jamais iria aceitar. Esse é um dos motivos pelo qual o museu está fechado até hoje”, disse Júnior.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Engenheiro Ramis Bucair Júnior, filho mais velho do explorador, busca soluções para reabrir museu
Aventuras na mata
Ramis Bucair nasceu em Poxoréu, no dia 13 de junho de 1933. De família libanesa, ele se mudou para a Capital quando seus pais abriram um armazém na cidade.
“Meu avô tinha um tino comercial. Ele veio para cá e montou um bolicho, um armazém onde se vendia de tudo: secos e molhados, arroz e feijão. Ficava na Rua General Melo, próximo ao Pronto Socorro”, relembrou o engenheiro.
Contudo, Bucair sempre teve gana por exploração. Desde os 20 anos, o pesquisador já se lançava na selva mato-grossense e chegava a passar cerca de um ano fora de casa.
“Era um pesquisador nato. Acho que ele nasceu para pesquisar. E era apaixonado por pedras e índios”, recorda o filho.
Por causa dessa grande paixão, Ramis se formou em Agrimensura e Espeleologia – estudo das cavernas e grutas. Com isso, o explorador iniciou suas aventuras pelo interior do Estado.
Nessas explorações, as equipes eram compostas de cerca de 40 homens, sendo dois caçadores, dois pescadores e um escritor. Bucair sempre se preocupava em deixar todos os seus passos documentados e fotografados, acervo que hoje compõe o museu.
O filho conta que Bucair era um sobrevivente por suportar ambientes tão hostis nos confins de Mato Grosso.
“A equipe saía com 40 homens. E uns 10 voltavam. Muitos não sobreviviam aos ataques de animais e a doenças, como tifo e malária. Todos que iam sabiam dos riscos”, revelou o filho, que ainda tem de cabeça o número de vezes em que o pai contraiu malária: 22.
Histórias com índios
Ainda com esses trabalhos, o desbravador manteve contato com povos nativos, com quem aprendeu a falar três idiomas indígenas. Assim como uma de suas inspirações - Marechal Rondon -, ele conseguiu conquistar a admiração e o respeito de muitos líderes indígenas.
No entanto, a boa relação não era com todos os índios.
Em uma dessas expedições para mapear o Estado, dois repórteres acompanharam Bucair. Em determinado momento, eles precisavam atravessar um córrego, próximo de onde hoje é Alta Floresta, e perceberam que minutos antes um grupo de indígenas havia estado ali.
“Os índios paravam no córrego, assavam milho e o enrolavam na folha de pacova, que parece uma bananeira. Ali o milho se conservava durante dias. Meu pai chegou instantes depois e viu que ainda havia grãos de milho no chão”, explicou.
Diante do perigo, o líder pediu que a equipe recuasse. Porém, um dos repórteres insistiu em seguir para tirar fotos, contra a vontade de Bucair.
“Meu pai não queria que ele fosse porque sabia que os índios estavam próximos e poderia acontecer alguma coisa. Esse repórter resolveu ir por conta própria. Meu pai recuou com a equipe uns 4 quilômetros. Acamparam lá, ficaram quase um dia e meio esperando que os índios fossem embora”, relatou Ramis Bucair Júnior.
Horas se passaram e o repórter ainda não tinha retornado. Então todos começaram a se preocupar. No dia seguinte, o fotógrafo ainda não tinha aparecido e seu companheiro estava desesperado.
“O outro repórter queria ir atrás, mas meu pai não deixou. Dois funcionários tiveram que segurá-lo. Mas meu pai sentia que os índios tinham pegado o fotógrafo”.
Quando os homens voltaram para a região do córrego, encontraram o corpo do jornalista a cerca de 100 metros do local. Estava com mais de 20 flechas pelo corpo e diversas marcas de agressão na cabeça.
Já em 1959, o pesquisador estava em uma aldeia e presenciou uma chacina contra indígenas. Nessa época, a extração de borracha estava em seu auge em Mato Grosso. Porém, os seringalistas consideravam os nativos um obstáculo.
Em uma dessas situações, os extratores de borracha teriam invadido a tribo para executar todos os habitantes. Quando viu a invasão, Bucair se escondeu e fotografou toda a ação.
A fotografia mais marcante dessa chacina registrou uma menina amarrada de cabeça para baixo pelas pernas e sendo cortada ao meio. Depois disso, Bucair registrou uma denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU).
Arquivo Pessoal
Antiga fachada do Museu de Pedras, na Rua Galdino Pimentel
Explorador de cavernas
Após os trabalhos de mediação e demarcação de milhares de lotes de terras, Bucair passou a se dedicar às cavernas e grutas de Mato Grosso.
Durante esse processo, ele descobriu, identificou, pesquisou, topografou, fotografou e catalogou 39 cavernas e grutas no Estado, todas registradas no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Foi aí que ele começou a fazer a coleta desses materiais que hoje compõem o acervo do Museu de Pedras. Bucair encontrou fósseis, alguns machados da época neolítica, pinturas rupestres e diversos outros materiais arqueológicos.
Porém, não foi uma tarefa fácil. Os equipamentos eram muito rudimentares nessa época. Muitas vezes, algumas escaladas eram feitas até sem equipamentos de proteção.
“Para fazer rapel, era sem esses equipamentos, era na corda e na mão seca mesmo. Às vezes ele ficava preso dentro de uma caverna e pegava o machado e ia quebrando para sair. Há fotos documentando tudo isso”, afirmou o filho do pesquisador.
Os dois filhos mais velhos também participaram de algumas das aventuras nas cavernas enquanto ainda tinham oito e sete anos.
“Eu ficava alucinado, assustado com toda essa situação e achava emocionante. Eu não tinha a visão do que era aquilo e achava que tudo era uma festa. E também não media o grau de periculosidade. Cansei de descer com ele várias vezes o Portão do Inferno, o Véu de Noiva e várias outras grutas, descendo com uma corda na cintura”, relembrou Júnior.
Mesmo sendo considerado um pouco maluco pelo primogênito, o explorador preserva uma imagem grandiosa na memória da família e dos amigos.
“Ele era um homem sério, perspicaz, de opinião firme. E ele tinha um quesito de jamais desistir daquilo que estava fazendo. Era muito perseverante e extremamente meticuloso no planejamento de suas missões, sempre primava pela segurança da sua equipe”, finalizou.
Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).
17 Comentário(s).
|
Rosalva Alves 27.08.21 17h40 | ||||
Tive o prazer de conhecer o Sr. Ramis e Nazir Bucair, em todas as oportunidades que tive parei para escuta-los. Sempre gostei da historia de nosso Estado. Também tive o prazer de escutar as histórias de Lenine Povoar, não sou cuiabana, mas tenho paixão pela cultura e história matogrossense!!! | ||||
|
Sérgio Serafini Júnior 13.04.20 00h09 | ||||
Conheci pessoalmente Ramis Bucair na década de 70, através de meu pai, que também tinha negócios de consultoria agrária em Cuiabá. Eram amigos. Eu ainda era criança, mas me lembro bem do seu escritório em Cuiabá; talvez onde é o museu hoje. | ||||
|
Roberto Vaz 30.04.18 07h47 | ||||
Por diversas vezes visitei o Museu do Ramis. Muito interessante e importante. Como sugestão: Há necessidade de se fazer um projeto para modernizar as instalações, com boa refrigeração, sala de exposição, visita guiada, funcionários bem capacitados, após reforma uma mega (re)inauguração . Para a manutenção é importante que se cobre ingresso. | ||||
|
Lisandro Peixoto Filho 29.04.18 18h49 | ||||
" Museo Ramis Bucair" Triste saber, que história verdadeira de Mato Grosso deixada ao esquecimento por descaso de quem responsável, que o Poder Público! | ||||
|
Ricardo 29.04.18 18h19 | ||||
Boa noite. Nasci em Cuiabá e nunca ouvi falar Ramis bucair, em todas as escolas que estudei em Cuiabá nunca mencionaram o nome dele. E muito triste isso pois um cidadão de grande importância para o estado e o mundo não ter o seu trabalho divulgado em seu proprio estado. | ||||
|