Cuiabá, Domingo, 6 de Julho de 2025
DESINDUSTRIALIZAÇÃO; VÍDEOS
05.07.2025 | 18h00 Tamanho do texto A- A+

“Nesse ritmo, Cuiabá cairá de primeira à 4ª economia até 2032”

Mauricio Munhoz também alertou para perdas significativas no orçamento da Capital no ICMS

Victor Ostetti/MidiaNews

O professor de economia da Unemat e consultor do TCE-MT, Maurício Munhoz

O professor de economia da Unemat e consultor do TCE-MT, Maurício Munhoz

GIORDANO TOMASELLI
DA REDAÇÃO

O professor de economia da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso) e consultor do TCE-MT (Tribunal de Contas do Estado), Mauricio Munhoz, fez um alerta sobre a desindustrialização de Cuiabá: se continuar no ritmo atual, de queda, a cidade perderá o posto de maior PIB do Estado e poderá até deixar o top 3 das mais ricas.

Em 2032, deixa de ser a primeira e passa a ser a quarta economia. Ela está perdendo espaço para Rondonópolis, Sorriso e Sinop

 

Segundo ele, Cuiabá está perdendo espaço para cidades produtoras como Sorriso, Rondonópolis e Sinop, que podem em sete anos ultrapassar a Capital do Estado. 

 

“Cuiabá é o primeiro PIB do Estado, mas se continuar esse ritmo de crescimento dos últimos 15 anos, em 2032, deixa de ser a primeira e passa a ser a quarta economia. Ela está perdendo espaço para Rondonópolis, Sorriso e Sinop”, afirmou em entrevista ao MidiaNews. 

 

“Nós temos em Mato Grosso, segundo o IBGE, 58 favelas. Dessas, 46 estão em Cuiabá. Um município que tem tantas favelas assim não pode se considerar um município rico, pois por conta de uma injustiça tributária muito grande o município deixa de arrecadar muito e tem dificuldades para fazer gestão para combater sequelas sociais como essa”, completou.

 

A injustiça tributária a que Munhoz se refere é sobre a queda de participação da Capital na distribuição do ICMS. Segundo ele, as perdas podem chegar a R$ 4 bilhões anuais, se comparado a porcentagem estipulado pela Constituição, de 25%, e o valor que cidade recebe atualmente, em volta de 8%.

 

“Não é ilegal o que está acontecendo, mas é algo para se questionar. Cuiabá deixa de arrecadar um valor muito alto anualmente. Eu calculo que se fosse aplicada a regra constitucional, Cuiabá deixa de arrecadar R$ 4 bilhões por ano, numa gestão toda, R$ 16 bilhões”, alertou.  

 

Na entrevista, Munhoz também falou sobre as fazendas high techs, agroindústrias, soluções para a desindustrialização da cidade e risco para a economia do Estado diante das mudanças climáticas. 

 

 

Confira os principais trechos da entrevista (e a íntegra do vídeo no final da matéria):

 

MidiaNews - Com a nova legislação aprovada pela Assembleia Legislativa, que redefiniu as regras na partilha do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Cuiabá deve perder milhões anualmente. O senhor fez um alerta e chegou a mencionar que essa cifra poderia chegar aos bilhões. Pode explicar melhor como se dará essa perda?

 

Maurício Munhoz – O ICMS é um imposto que todo mundo acaba pagando. Está incluído na energia, água, refrigerante, combustível. A Constituição diz que cabe ao Estado criar, legislar e fiscalizar.

 

E 25% desse imposto é distribuído para os municípios. Em Mato Grosso, em média é R$ 2 bilhões ao mês de ICMS. Desses R$ 2 bilhões, Cuiabá arrecada quase R$ 1,3 bilhão, mais de 60%. Só que não volta 25% desse valor arrecadado para a Capital, como a constituição prevê.

 

Por quê? Porque há regras, uma lei federal e uma lei estadual que não deixam que essa distribuição seja direta. Não é ilegal o que está acontecendo, mas é algo para se questionar. Então, Cuiabá deixa de arrecadar um valor muito alto anualmente. Eu calculo que se fosse aplicada a regra constitucional, Cuiabá deixa de arrecadar R$ 4 bilhões por ano, numa gestão toda, R$ 16 bilhões. Essa é a conta.

 

MidiaNews -  O senhor citou um valor de R$ 4 bilhões anuais, enquanto o prefeito Abilio Brunini (PL) e sua equipe econômica falam em algo por volta de R$ 100 milhões. Por que essa diferença? Quem está certo?

 

Maurício Munhoz - Ele tem razão. O que eu disse é que se fosse obedecida a Constituição, que diz que 25% do que se arrecada vai para o município, a conta é simples.

 

 

Cuiabá arrecadou R$ 1,2 ou 1,3 bilhão por mês, se fosse 25%, a gente receberia algo em torno de R$ 320 milhões, mas está recebendo R$ 40 [milhões]. O que o prefeito disse, com razão, é que, do ano passado para cá, o índice de participação dos municípios (IPM) caiu de 10% para 8% e esses 2% representam R$ 100 milhões em um ano.

 

Em 2008, por exemplo, o índice de Cuiabá era quase 16%, agora caiu para 8%, metade. E esse ano foi divulgado o índice preliminar, caindo ainda mais, para 7%. Cada 1% representa R$ 50 milhões.

 

MidiaNews -  Qual seria a solução para Cuiabá reduzir essa perda?

 

Maurício Munhoz – Ou se altera a lei e aí você consegue recuperar pelo menos parte disso, ou melhora a atividade econômica no município, trazer mais indústrias, serviços, mais complexidade para economia de Cuiabá.

 

O que o prefeito disse, com razão, é que, do ano passado para cá, o índice de participação dos municípios (IPM) caiu de 10% para 8% e esses 2% representam R$ 100 milhões

 

MidiaNews - A arrecadação de ICMS em Cuiabá nunca voltou integralmente para cá. Por que esse tema agora desperta preocupação?

 

Maurício Munhoz - Talvez voltar os 25% realmente seja algo abstrato e impossível, até porque a União tem preocupação de diminuir desigualdade regionais. E 25% concentraria muito na Capital.

 

O cuiabano e a Prefeitura entendem a necessidade de que seja distribuído, mas não do jeito que está. Hoje, o índice de Cuiabá na participação do ICMS caiu para 7%, como eu disse, já foi 16%. A população cuiabana representa 18% da população de Mato Grosso.

 

Agora, do jeito que está é muito inadequado. É isso que a gente está tentando chamar a atenção. Há outras coisas que preocupam, como os incentivos fiscais, por exemplo. O Estado esse ano vai dar algo em torno de R$ 12 bilhões de renúncia fiscal. 

 

Essa renúncia fiscal também é dinheiro que deixa de vir aos municípios, que poderia estar vindo para a saúde e educação. Os municípios não foram consultados sobre isso. O presidente do Tribunal de Contas do Estado, Sérgio Ricardo, tem feito essa discussão, ao menos para que a sociedade reflita. 

 

MidiaNews - Cuiabá ainda é um município rico na comparação com muitas outras cidades de Mato Grosso, que sobrevivem de repasses estaduais e federais. Como reduzir essa dependência?

 

Maurício Munhoz - Sem dúvida, um plano para dinamizar a economia desses municípios. Se as regiões tiverem incentivo, por exemplo, uma indústria regional, melhora a atividade econômica em toda a região. Um frigorífico, agroindústria, pequenas agroindústrias. Mato Grosso tem poucas agroindústrias operando, é preciso pensar numa dinâmica para melhorar a economia regional.

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Mauricio Munhoz

O economista Mauricio Munhoz: "Em uma gestao perca será de R$ 16 bi"

 

Mas quanto a Cuiabá ser um município rico, há ressalva sobre isso. Cuiabá é o primeiro PIB do Estado, mas se continuar esse ritmo de crescimento dos últimos 15 anos, em 2032, deixa de ser a primeira e passa a ser a quarta economia.

 

Ela está perdendo espaço para Rondonópolis, Sorriso e Sinop. Um exemplo, nós temos em Mato Grosso, segundo o IBGE, 58 favelas. Dessas 58, 46 estão em Cuiabá. Um município que tem tantas favelas assim não pode se considerar um município rico, pois por conta de uma injustiça tributária muito grande o município deixa de arrecadar muito e tem dificuldades para fazer gestão para combater sequelas sociais como essa.

 

MidiaNews - Nos últimos anos, tem crescido o número de novas indústrias ligadas ao agro no interior. Estamos, enfim, entrando na fase de industrialização de Mato Grosso ou é cedo para dizer isso?

 

Maurício Munhoz - É muito cedo. Mato Grosso sofreu, como todo país, um processo de desindustrialização. E é outro alerta que o presidente Sérgio Ricardo tem feito bastante. Nós temos alguns problemas para melhorar a industrialização, como o fornecimento de energia. A energia trifásica, que é necessária para a indústria, é muito incipiente em Mato Grosso. Nós exportamos energia, mas não temos energia trifásica o suficiente. 

 

 

O estado começou a recuperar através de algumas indústrias, como o etanol e etanol do milho, mas ainda não podemos dizer que estamos industrializando. Somos o estado que mais consome máquinas agrícolas na América Latina, como a John Deere, a New Holland, fornecem muito, mas eles não fabricam aqui. 

 

A maior frota de aviação é aqui, de drones, de maquinários agrícolas, [se eles produzirem aqui] daí nós podemos dizer que estamos entrando nessa fase industrial. Temos alguns exemplos isolados de industrialização muito bem sucedidas, como Sorriso, Primavera e Lucas, mas não podemos dizer que estamos numa fase industrial. 

 

MidiaNews -  O senhor é um crítico do modelo econômico que impera em Mato Grosso baseado apenas no agro. Considera que esse modelo é incapaz de fazer justiça social ao Estado?

 

Maurício Munhoz - Considero que esse modelo muito concentrador tende a aumentar as desigualdades sociais, regionais e a concentração de renda. O agro é muito importante, mas tem que ter uma outra fase, que é a fase da industrialização.

 

 

Em Mato Grosso, somos o campeão de produção de soja, produzimos quase o dobro que o Rio Grande do Sul. Aqui, temos em torno de 9 mil propriedades produzindo soja, lá, que produz a metade que nós, tem 100 mil propriedades. Ou seja, são pequenas propriedades, que é o que acontece nos Estados Unidos, na China, no Rio Grande do Sul, no Paraná. São modelos de pequenas propriedades, você distribui mais renda. Agora aqui, como tem poucas propriedades, concentra renda.

 

Quando traz a agroindústria, consegue distribuir mais renda. A indústria tem essa capacidade, porque ela paga mais, tem bons empregos e gera mais progresso distribuído.

 

MidiaNews -  Uma das grandes preocupações atuais são as mudanças climáticas. Há quem diga que o regime de chuvas vai mudar, impedindo, por exemplo, que tenhamos a segunda safra. Como Mato Grosso deve se preparar para essa realidade?

 

Maurício Munhoz - Hoje, o produtor é muito consciente disso, está preocupado, assim como o Estado está preocupado, em diminuir desmatamento e ter zero desmatamento ilegal.

 

Quando estamos exportando soja para a China, a gente está exportando água virtual

 

Já a água é uma grande riqueza que a gente não está mensurando. Quando estamos exportando soja para a China, a gente está exportando água virtual. Para os chineses não produzirem soja lá, eles poderiam ser autossuficientes, mas preferem importar, porque para produzir se consome muita água.

 

E não se cobra pela água aqui, em muitos países se cobra, como na Argentina, é cobrado e o produtor paga pela água do subsolo. A água que está no subsolo está sendo uma tendência para a segunda safra e até a terceira safra.

 

Quando fui secretário de Ciência e Tecnologia do governador Mauro Mendes, estive na Universidade de Nebraska, onde usam muita água para fazer irrigação, mas sabem o quanto tem de água no subsolo. Se tiver correndo risco, eles falam: não, esse ano não vai usar água do subsolo. E aqui estamos correndo risco de daqui a pouco acabar essa água.

 

MidiaNews -  Certa vez, em entrevista ao MidiaNews, o senhor falou que Mato Grosso não pode continuar sendo uma grande fazenda high tech. Vai demorar muito tempo para a gente deixar essa condição?

 

Maurício Munhoz - Quando disse isso, quis dizer que as propriedades mato-grossenses tem o que há de mais moderno no mundo em termos de produção agrícola e tecnologia. Elas são fazendas high tech.

 

 

Fomos precursores no acompanhamento de drone, na inteligência artificial, ou seja, estamos na vanguarda da alta tecnologia.  Agora, essa tecnologia se restringe às fazendas porteira adentro.

 

Seria interessante que essa pujança que está dentro das fazendas high-techs se espalhassem para o resto do Estado, chegassem nas nossas escolas, na saúde, fosse transformada em benefício e crescimento social. Mas isso não está acontecendo por conta desse modelo primário exportador.  Essa é a crítica que faço, que o Estado fosse algo além de fazendas high-tech.

 

MidiaNews - Temos vistos muitas operações policiais contra sonegadores do agro nos últimos tempos. O rombo tributário neste setor parece ser imenso, não é mesmo?

 

Maurício Munhoz - Acho que pouquíssimos produtores rurais praticam irregularidade tributária, a maioria são pela legalidade, até porque a exportação não paga imposto, então a maioria deles se dão muito bem com o fisco.

 

No parque industrial de Cuiabá tem empresas indo para o Paraguai e a gente não tem visto chegar novas indústrias

 

Agora, há, evidentemente, atravessadores criminosos que se inserem em alguns processos, comprando a soja e fingindo que exportam, mas mandando para São Paulo, Bahia, onde paga imposto. Esse tipo de coisa acontece com alguns atravessadores e alguns poucos produtores, mas no geral é uma classe que não tem esse hábito. Não é comum.

 

MidiaNews -  Mato Grosso tem alguns projetos importantes de ferrovias. De que forma esse modal vai impactar na economia de Mato Grosso?

 

Maurício Munhoz - A história do desenvolvimento econômico dos países está muito ligada à ferrovia, os Estados Unidos fez isso no começo do século XX e virou uma teia de ferrovias, que foi fundamental para crescer, porque integrou o país inteiro. A China, por exemplo, está hoje num processo de ampliação das suas ferrovias. Trazer ferrovia para cá significa dar um salto muito grande em termos de matriz econômica, porque pode trazer mais indústrias. 

 

 

Agora, fico muito preocupado se a ferrovia da Rumo chegará a Cuiabá, que está no trajeto inicial. Se ela vier para Cuiabá vai trazer uma possibilidade de ampliação da matriz econômica: mais indústrias e mais centros distribuidores. 

 

Será um fôlego muito grande para a economia da nossa região aqui. Se fosse simplesmente um canal de passagem não traz nada, mas se for feita para integrar os municípios, como é o caso da Rumo, vai trazer progresso.

 

MidiaNews - Cuiabá está sofrendo desindustrialização? 

 

Maurício Munhoz – Sim, Cuiabá tem perdendo indústrias. No parque industrial de Cuiabá tem empresas indo para o Paraguai e a gente não tem visto chegar novas indústrias. 

 

Então, tem acontecido e os indicadores do PIB demonstram isso. Em parte, a falta de energia trifásica suficiente e a um preço interessante ajuda. Cuiabá, o Governo do Estado e empresários precisam repensar uma forma de atrair indústria, porque é algo que promove melhorias nos serviços em todos os setores da economia. 

 

Veja a íntegra:

 

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