Em julho deste ano o MidiaNews divulgou em primeira mão a situação de diversas famílias de Cuiabá que ficavam horas em uma fila para garantir a doação de “ossinhos” do açougue Atacadão da Carne, localizado no Bairro CPA 2.
A reportagem colheu relatos dos moradores que, sem renda, se aglomeravam embaixo do sol da Capital atrás dos pequenos pedaços dos ossos com vestígios de carne resultantes do processo de desossa do boi.
O estabelecimento realizava as doações sempre às 11h toda segunda, quarta e sexta-feira, porém os moradores começavam a formar a fila a partir das 9h.
Com os dizeres “carne é luxo”, a população relevou o drama que cada um vivia dentro de casa sem ter o dinheiro para comprar nem mesmo o pedaço mais barato de carne no Estado do agronegócio.
Sentada no chão da calçada aguardando sua vez, Renildes Pereira da Silva, de 53 anos, lamentava que a situação difícil dos pobres. De acordo com ela, antigamente a carne não costumava ser inacessível.
Ela mora com uma neta e dois filhos. Renildes sequer conseguia mensurar a renda da família, já que os filhos vivem de diárias como ajudantes de pedreiro.
"Abaixo de R$ 1,5 mil, para pagar água, luz, que também está muito cara, aluguel... Depois ainda vem o gás. Quando não tem dinheiro para comprar, cozinhamos com lenha mesmo", conta.
Muitos moradores, como a dona Ana Maria de Jesus Araújo, de 39 anos, também relembraram uma época em que podiam comprar proteína para alimentar a família. Para ela, a “fila do ossinho” era um reflexo da situação do Brasil.
“Alguns comem cru”
A empresária Samara Rodrigues de Oliveira, de 38 anos, se emociona ao falar sobre as dezenas de pessoas que vão em busca de restos de carne em seu açougue.
Em entrevista ao MidiaNews, ela relatou que já chegou a ver pessoas comendo a carne crua ou trocando de camiseta para se passar por outro e assim conseguir mais um saco de "ossinho".
"Tem pessoas que comem o ossinho cru quando chega [a doação] ali [na fila]. Alguns que pegam não têm sal ou óleo para cozinhar. Mães vêm com cinco crianças e tentam pegar mais de um saco. Como vou negar para uma mãe que tem cinco crianças para alimentar?".
Junto com o marido, Samara administra o Atacadão da Carne, que há 10 anos faz doação de ossos para moradores da região. No entanto, ela contou que a procura ficou ainda maior após a repercussão da matéria publicada pelo site.
A solidariedade compartilhada por Samara e seu marido, conhecido como Doca, era fortalecida desde o momento dessossa do boi. Segundo a empresária, o casal sempre pedia para a equipe ser "generosa", fazendo o procedimento de forma que a maior quantidade de carne possível permanecesse nos ossos que seriam doados.
“Temos um carinho com os cortes da carne. Não damos o osso 'limpo'. Nesse ossinho vai a chamada 'bananinha', que usamos para fazer churrasco. Poderia estar vendendo a R$ 26 no balcão. A parte que não tiro da costela dianteira [para carne moída], poderia estar vendendo a R$ 22. Deixamos essas partes para eles".
Repercussão nacional
O Fantástico, da Rede Globo, deu um destaque especial em uma reportagem que mostrava a fila de pessoas que não têm o que comer e vão em busca da doação.
A equipe do programa acompanhou a rotina de algumas das famílias que, três vezes por semana, vão ao Atacadão da Carne em busca de um dos pacotes de 2 kg de osso.
Com a reprodução do material expôs ainda mais a situação de vulnerabilidade das famílias cuiabanas, que relataram a rotina escassa de produtos básicos para a alimentação.
"Tudo aqui é feito no fogão à lenha agora, para a gente poder economizar gás. A gente come agora e depois a gente separa em vasilinhas e guarda no congelador e vai tirando. Dá uns dois ou três dias para mim e para ela, certinho", contou a moradora Janaina, mãe solteira de quatro filhos.
Governo se pronuncia
O governador Mauro Mendes (DEM) se pronunciou após o caso dos ossinhos e chamou a situação de “lamentável”.
Apesar disso, Mendes afirmou que sua gestão tem feito o possível para garantir uma melhor qualidade de vida às famílias carentes do Estado.
Entre os exemplos, está a ampliação do programa Ser Família Emergencial, que deve durar até o final de 2022 com um auxilio bimestral de R$ 200. Mais de 100 mil famílias serão beneficiadas.
Reprodução/Bruna Barbosa
Moradores se reuniam em frente ao açougue Atacadão da Carne, localizado no Bairro CPA 2
O governador ainda destacou ser preciso que municípios e o Governo Federal fizessem a sua parte.
“A responsabilidade da assistência social não é só do Governo do Estado, mas também dos municípios, do Governo Federal e eu acho que todo mundo está fazendo um pouco”, afirmou.
Solidariedade coletiva
Além de chamar a atenção da imprensa e das autoridades, diversas ONGs também se mobilizaram para conseguir ajudar as famílias que aguardavam na fila do ossinho.
Em uma colaboração com uma equipe de São Paulo, os voluntários da Ação Social Nova Aliança (Asna), de Várzea Grande, conseguiram arrecadar mais de R$ 100 mil com uma vaquinha online.
A campanha foi lançada no dia 30 de julho e cerca de quatro dias depois as Ongs já haviam conseguido o montante em dinheiro que superou as expectativas das equipes.
Cerca de 2.400 pessoas já fizeram suas doações para ajudar as famílias na fila do ossinho. Com as contribuições, a “vaquinha” conseguiu arrecadar R$ 102.411 e ainda restam 23 dias de campanha.
Todo o valor arrecadado foi todo revertido para as famílias com distribuição de cerca de 600 cestas básicas e 1.200 frangos.
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1 Comentário(s).
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Moysés 02.01.22 17h12 | ||||
Na verdade, o que deveria dar repercussão nacional, deveria ser os camarões e lagostas servidas nas refeições diárias do STF. | ||||
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