LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
A Justiça de Mato Grosso determinou a suspensão da construção da nova sede do “Shopping Popular”, nas proximidades do Complexo Esportivo do Bairro Dom Aquino, em Cuiabá.
A decisão, em caráter liminar, atende, em parte, ao pedido feito pelo Ministério Público Estadual, por meio de ação civil pública.
Na ação, o órgão pede pela suspensão das obras e anulação da transferência do imóvel, feita pela Prefeitura de Cuiabá à Associação dos Camelôs do Shopping Popular, por meio da Lei 5.501, de 22 de dezembro de 2011.
Na liminar, o juiz da Vara Especializada do Meio Ambiente de Cuiabá, Marcos Faleiros da Silva, diz ser "incomum" a forma como a lei que a autoriza a doação da área urbana pela Administração Municipal foi votada pela Câmara Municipal.

"Vê-se, portanto, que a superficialidade da justificativa, deixa dúvidas sobre a finalidade pública do ato (doação de valioso bem público a uma entidade privada de comerciantes informais)", diz trecho da decisão
Na ocasião, o projeto de lei foi protocolado na Casa de Leis no dia 14 de dezembro, sendo votado e aprovado em regime de urgência especial (em apenas 24 horas) pelos vereadores.
“Esse fato não é comum no processo legislativo, ainda mais quando se trata de disposição gratuita de bens públicos para particulares, que exige especial acuidade e rigor no cumprimento das normas regentes da matéria”, diz trecho da decisão.
Segundo o magistrado, a justificativa apresentada pela Prefeitura de Cuiabá, de que a nova área comercial serviria também como espaço cultural e esportivo para a sociedade, é “superficial”.
“Vê-se, portanto, que a superficialidade da justificativa, deixa dúvidas sobre a finalidade pública do ato (doação de valioso bem público a uma entidade privada de comerciantes informais), que deve reger a administração, sob pena de inconstitucionalidade da lei, devendo, portanto, ser suspenso qualquer ato que possa modificar/destruir, neste momento, o imóvel objeto de doação por parte do Município de Cuiabá”, afirmou o magistrado.
Silva destacou ainda que não localizou no processo “qualquer avaliação técnica do imóvel, licitação para a alienação do bem público a particular e muito menos qualquer consulta popular”.
O magistrado ressaltou, ainda, na liminar, que a doação do bem público de alto valor de forma precipitada pode resultar em danos irreparáveis ao patrimônio público e à sociedade.
“Observe que os documentos (fotos) demonstram que começaram obras no local, tendo em vista o projeto de edificação dos boxes de camelô. Inclusive já existe um estacionamento improvisado localizado onde antes eram as quadras e pista de caminhada do Ginásio Dom Aquino, fato público e notório”, diz outro trecho da decisão.
Mérito

"Não posso deixar de levar em consideração que os camelôs são uma tradição na cidade de Cuiabá e ocupam parte do imóvel litigioso há 17 anos, diga-se, com a anuência e tolerância das autoridades constituídas", afirma o juiz
Apesar da determinação para que as obras sejam paralisadas no local, o magistrado afirmou que o pedido do MPE para a que a lei que autoriza a doação da área seja anulada somente será analisado no mérito da ação.
Silva lembrou que a ação merece ser analisada com calma, uma vez que a ocupação da área pública pelos camelôs gera emprego e renda para famílias de classes baixas da sociedade e sempre foi feita com a aprovação da administração municipal.
“Não posso deixar de levar em consideração que os camelôs são uma tradição na cidade de Cuiabá e ocupam parte do imóvel litigioso há 17 anos, diga-se, com a anuência e tolerância das autoridades constituídas, local amplamente conhecido como “camelódromo”, ressaltou.
AçãoO MPE alega que a área destinada ao novo shopping é um bem de uso comum do povo e, portanto, não poderia ter sido doada pelo município à Associação dos Camelôs do Shopping Popular.
Na ação, assinada pelo promotor Gerson Barbosa, da 17ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá, foram acionados a Prefeitura de Cuiabá, a Associação dos Camelôs e os vereadores que aprovaram o projeto de lei que permitiu a doação.
Barbosa aponta irregularidades verificadas no processo legislativo que culminou na doação da área, que tem aproximadamente 15 mil m² e está localizada na junção das avenidas Tenente-Coronel Duarte (Prainha) e Carmindo de Campos.
Na área, avaliada em aproximadamente R$ 6 milhões, seria construído um prédio com capacidade para abrigar mais de 400 boxes. O local, segundo o projeto dos camelôs, seria um centro de referência à cultura cuiabana, contando, inclusive com uma praça de alimentação.
Entre as irregularidades apontadas estão a ausência de avaliação prévia do imóvel e de licitação da área; falta de interesse público que justifique a desafetação (quando a administração pública torna um bem público apropriável) e posterior doação do bem de uso comum; e ilegitimidade da associação dos camelôs em receber a doação, devido à finalidade que possui.

"É público e notório que os comerciantes situados nas barraquinhas fixas no Porto, ao lado do Ginásio Dom Aquino, não se encaixam na qualificação ambulantes, definida pela lei em vigor no município de Cuiabá", defende MP
O promotor ressaltou ainda que a atividade de ambulante só pode ser exercida por pessoas físicas que atendam aos critérios socioeconômicos estabelecidos na legislação, o que, segundo Barbosa, não seria o caso dos comerciantes que atuam no shopping popular.
“A profissão de camelô apregoada pela norma é bem distante da ideia de um complexo comercial, com 300 boxes, em local privilegiado economicamente. É público e notório que os comerciantes situados nas barraquinhas fixas no Porto, ao lado do Ginásio Dom Aquino, não se encaixam na qualificação ambulantes, definida pela lei em vigor no município de Cuiabá”, disse.
Outro ladoEm entrevista recente ao
MidiaNews, o presidente da Associação dos Camelôs, Misael Galvão, afirmou o Shopping Popular possui 400 comerciantes e gera mais de dois mil empregos.
Aproximadamente 50 mil pessoas passam pelo local por semana, de acordo com o presidente, que defende que a nova sede continuará atendendo ao bem comum, não apenas ao interesse privado dos ambulantes.
“No projeto, que ainda está em fase de elaboração, está prevista a construção de um ganha tempo, um centro cultural para exposição de arte cuiabana, uma praça de alimentação, uma área de serviço à sociedade, além da ampliação da pista de atletismo e reforma do Ginásio Dom Aquino”, disse.
Galvão não soube precisar o custo da obra, que só deverá ser revelado com a conclusão do projeto, mas afirmou que, na doação, ficou acertado com o Município de Cuiabá que a nova sede seria erguida até 31 de dezembro de 2013.