LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Mato Grosso subiu três posições no ranking nacional de crimes motivados por homofobia (medo, aversão ou ódio irracional aos homossexuais) registrados em 2012. O Estado contabilizou nove assassinatos e ocupa o 15º lugar na lista, sendo responsável por 30% dos casos da região Centro-Oeste.
Quando se leva em conta a proporção de vítimas por número de habitantes, Mato Grosso sobe para a 11ª posição – uma queda de oito posições em relação ao ano de 2011, quando oito crimes foram documentados. Dentre as vítimas, seis eram travestis, dois eram gays e uma era lésbica.
O relatório anual de assassinatos de membros da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis) foi elaborado e divulgado na última quinta-feira (10) pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) e documentou o homicídio de 338 homossexuais no Brasil.

"Os assassinatos não aparecem de forma real nesse relatório, porque muitos crimes não são divulgados como homofóbicos, mas maquiados como acerto de contas ou tráfico de drogas"
Segundo a entidade, isso significa que uma vítima foi assassinada a cada 26 horas, um aumento de 27% em relação ao ano de 2011, quando 266 mortes foram registradas, e de 177% nos últimos sete anos.
Segundo o coordenador da pesquisa e antropólogo da Universidade Federal da Bahia, Luiz Mott, 2012 foi o ano em que mais morreram lésbicas no país.
“Esse ano, 19 lésbicas foram assassinadas em todo o país. É um marco histórico no Brasil”, afirmou.
O militante da Organização Não Governamental (ONG) Livremente, Clóvis Arantes, elogiou a iniciativa da GGB em documentar os casos que acontecem no país, mas ressaltou que os dados apresentados, no que se refere a Mato Grosso, não representam a realidade.
“Os assassinatos não aparecem de forma real nesse relatório, porque muitos crimes não são divulgados como homofóbicos, mas maquiados como acerto de contas ou tráfico de drogas. A homofobia pode não ser o motivo principal, mas na maioria dos casos é o estopim para que o crime ocorresse. O número de crimes homofóbicos em Mato Grosso é muito maior”, afirmou, em entrevista ao
MidiaNews.
De acordo com Arantes, a falta de atuação do Estado na defesa das minorias sociais e o fato de ter acabado com o Centro de Referência de Combate à Homofobia – que era voltado exclusivamente para atendimento e orientação do público LGBT – acaba contribuindo para o aumento desses crimes na Capital.
“Você não vê o governo se posicionando para proteger a comunidade LGBT. É o governo que deveria soltar esse relatório, assim como fizeram um balanço de quantos negros, índios e mulheres morreram em 2012. Há transições no governo e, mesmo assim, há quatro meses não ouço falar nada sobre a Secretaria de Estado de Direitos Humanos em favor da população vulnerável e fragilizada. Simplesmente ignoram. E quando digo vulnerável, me refiro não somente à comunidade LGBT, mas também a população carcerária, os indígenas, as mulheres”, ressaltou.
Para o militante, a ausência do Estado acaba por gerar descrença quanto à atenção dispensada às minorias e a possibilidade de se recorrer aos governantes em busca de ajuda.

"Você não vê o governo se posicionando para proteger a comunidade LGBT. É o governo que deveria soltar esse relatório, assim como fizeram um balanço de quantos negros, índios e mulheres morreram em 2012"
“Nenhum passo é dado em relação à criação de políticas públicas de proteção à população vulnerável. Desse jeito, você começa a desacreditar que exista atenção do Estado para essa situação. O governo precisa assumir que há crimes homofóbicos no Estado. Porque quando você não assume, você está sendo omisso. E fica muito mais fácil jogar tudo para debaixo do tapete”, pontuou.
Falta de militânciaArantes admitiu que falta uma militância maior em Mato Grosso para divulgar a situação de vulnerabilidade em que se encontra a comunidade LGBT, que hoje se restringiria à organização da Parada Gay anual.
“Há uma falta de militância. Mas isso é retrato de uma sociedade homofóbica, onde que ninguém quer se assumir, mostrar o rosto, porque você pode ser demitido, repreendido pela sua família, sofrer algum tipo de punição pela sua orientação sexual”, disse.
Panorama nacionalEm entrevista ao
MidiaNews, o organizador da pesquisa, Luiz Mott, afirmou que são várias as razões que contribuíram para o aumento no número de crimes de homofobia no país. A falta de atenção e visibilidade da própria comunidade LGBT e a ausência de políticas públicas por parte dos governantes.
“O aumento de crimes homofóbicos está diretamente ligado ao aumento da criminalidade no país. Além disso, faltam políticas públicas voltadas para a comunidade LGBT e uma maior visibilidade desse grupo. E também não podemos ignorar o vacilo da população LGBT, que precisa redobrar os cuidados”, disse.
Na pesquisa, Mott ressaltou que há uma “subnotificação” desse tipo de crime e que a certeza de impunidade faz com que os crimes de ódio contra a comunidade se proliferem pelo país.
“A subnotificação destes crimes é notória, indicando que tais números representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, já que nosso banco de dados é construído a partir de notícias de jornal, internet e informações enviadas pelas Ongs LGBT, e a realidade deve certamente ultrapassar em muito tais estimativas”, afirmou no relatório.
Dos 338 casos registrados em todo o país, apenas 89 tiveram os assassinos identificados e em 73% dos casos não há informações a respeito da captura dos criminosos.

"Há uma falta de militância. Mas isso é retrato de uma sociedade homofóbica, onde que ninguém quer se assumir, mostrar o rosto, porque você pode ser demitido, repreendido pela sua família, sofrer algum tipo de punição pela sua orientação sexual"
“É a prova do alto índice de impunidade nesses crimes de ódio e da gravíssima homofobia institucional e policial, que não investiga, em profundidade tais homicídios”, observou.
Casos em Mato GrossoA página em que está hospedada a pesquisa possui a compilação de todos os casos registrados como crimes de homofobia nos 27 estados e no Distrito Federal.
Em Mato Grosso, um dos últimos assassinatos documentados em 2012 foi o do travesti Daniel Queiróz, de 23 anos, conhecido como “Fernanda”. O corpo dele foi encontrado no dia 21 de novembro, no bairro Renascer, em Cuiabá.
Segundo a família, o travesti foi assassinado com várias pancadas na cabeça, foi arrastado pelo quintal de sua residência e teve o corpo carbonizado em cima de uma cama. Somente o rosto e os pés estavam intactos.
O último crime a integrar a lista ocorreu em Sorriso (420 km de Cuiabá), quando o vereador Elias Maciel (PSD), de 31 anos, foi assassinado a facadas em sua residência, no último dia 21 de dezembro.
Na ocasião, o principal suspeito da polícia foi apontado como sendo o namorado da vítima, que fugiu do local do crime. Maciel sofreu perfurações no pescoço e nas costas, segundo a polícia, e chegou a correr para a porta da casa para pedir socorro, morrendo em seguida.
Leia mais sobre os crimes registrados em Mato Grosso no site da pesquisa (
clique AQUI).
Confira a pesquisa completa no site "Homofobia Mata" (
leia mais AQUI).
Perfil das vítimasSegundo o relatório anual, 7% das vítimas tinham menos de 18 anos, 44% tinham menos de 30 anos e 8% mais de 50. A faixa etária que apresenta maior risco de assassinato é a compreendida entre 20-40 anos (57%).
Entre os homossexuais assassinados, 45% (72) eram travestis que atuavam como profissionais do sexo, seguido pelos comerciantes (19), professores (16) e empresários (9).
Quanto à causa da morte, a mesma tendência revelada nos relatórios anteriores se repete: violência extrema que, nos estudos de Vitimologias, são classificados como crimes de ódio.

"Esse ano, 19 lésbicas foram assassinadas em todo o país. É um marco histórico no Brasil"
Entre as vítimas, 115 foram assassinadas com armas de fogo; 88 com arma branca (punhal, faca, canivete, foice, machado e tesoura); 50 por espancamento (paulada, pedrada e marretada) e oito foram queimados. Há registro também de assassinatos por afogamento, atropelamento, enforcamento, degolamento, asfixia, violência sexual, tortura e empalhamento.
Mott diz não ter dúvidas quanto à natureza homofóbica dos crimes documentados no relatório.
“99% destes homocídios contra LGBT têm como agravante seja a homofobia individual, quando o assassino tem sua própria sexualidade mal resolvida e quer lavar com o sangue seu desejo reprimido; seja a homofobia cultural, que pratica ‘bullying’ e expulsa as travestis para as margens da sociedade, onde a violência é endêmica; seja a homofobia institucional, quando o Governo não garante a segurança dos espaços freqüentados pela comunidade LGBT ou, como fez a Presidente Dilma, veta o kit antihomofobia, que deveria ter capacitado mais de 6milhões de jovens no respeito aos direitos humanos dos homossexuais”, pontuou.