Cuiabá, Segunda-Feira, 22 de Dezembro de 2025
MORTE DE MODELO
03.07.2022 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

"Não terei paz enquanto não trouxer a verdade à tona", diz mãe

Eliane Vit cobra autoridades brasileiras para pedir celeridade de investigações no Chile

Arquivo Pessoal

Eliane Vit com a filha, Nayara Vit, que morreu em julho de 2021 no Chile

Eliane Vit com a filha, Nayara Vit, que morreu em julho de 2021 no Chile

VITÓRIA GOMES
DA REDAÇÃO

"É uma falta constante. Ela está na minha cabeça 24 horas por dia, o tempo todo existe aquela dor corroendo por dentro. E tenho um propósito: enquanto eu não trouxer essa verdade à tona, não vou ter paz na vida."

 

Há um ano a aposentada Eliane Vit convive com a dor da perda de sua filha, a modelo cuiabana Nayara Vit, que morreu ao cair de um prédio em Santiago, no Chile. Mas também mantém firme o propósito de descobrir o que aconteceu naquele 7 de julho de 2021 no apartamento em que a modelo morava. 

 

Prestes a completar um ano, a morte de Nayara segue sem resolução. A família suspeita de feminicídio e aponta o então companheiro dela, o empresário Rodrigo del Valle, como responsável.

 

Inicialmente a imprensa e as autoridades chilenas trataram o caso como suicídio, porém, depois de uma série de reviravoltas no caso, a Polícia passou a investigar a possibilidade de Nayara ter sido vítima de feminicídio. Desde então, após inúmeros desdobramentos, mas não houve nenhuma conclusão.

 

"As investigações estavam avançadas, só que a gente não saiu do lugar. Não houve acusação. Não houve nada até agora", lamenta Eliane.

 

A mãe da modelo ainda conta que tentou buscar ajuda das autoridades brasileiras, mas mais uma vez ficou sem respostas. Agora, tendo que lidar com a perda da filha e a dor da neta, Eliane busca cobrar tanto a Justiça chilena, quanto o Governo brasileiro, para poder, enfim, dar um desfecho ao caso.

 

"Abri mão de todos os trabalhos que fazia, me afastei de tudo para me dedicar somente a esta causa, de trazer a verdade sobre a história da minha filha."

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

MidiaNews - Após um ano do caso, como está o andamento das investigações sobre a morte Nayara?

 

Eliane Vit - Se a gente for analisar friamente, está no mesmo pé do que estava a um ano atrás.

 

Quando aconteceu o caso assumiu o fiscal [equivalente a promotor] Omar Mérida e ele trabalhou bastante, vimos muito movimento em termos de investigação. Ele fez muitas perícias no local, solicitou exames complementares. Isso aconteceu em julho. Nesse meio tempo ele fez audiência comigo via Zoom, disse que as investigações já estavam bastante avançadas.

 

Já em agosto, o suposto acusado, que ainda não foi acusado, entrou com um pedido para que fosse afastado o fiscal porque estaria sofrendo perseguição.

 

A princípio não afastaram, não atenderam a solicitação, mas passado um mês eles transferiram o Omar para outra Vara e assumiu o caso a fiscal Carolina Fuentes.

 

Eu estive com a Carolina em março, fiz uma audiência, e ela disse a mesma coisa que o Omar disse para mim. Porque antes de mudar de Vara ele me enviou um e-mail dizendo que estava sendo transferido, mas que o processo estava em boas mãos e que muito em breve eu teria o resultado de todo o trabalho dele, que já estava muito avançado.

 

Acontece que passou outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março e nada aconteceu. Então estive com a Carolina. Ela falou que estava tendo problema e, por causa da Covid, tinha muitos funcionários afastados e isso comprometia as investigações. Ela também solicitou novas perícias, mas devido à Covid estava tendo dificuldade de conseguir os laudos e pediu que a gente aguardasse porque as investigações estavam avançadas.

 

Ou seja, as investigações estavam avançadas, só que a gente não saiu do lugar. Não houve acusação. Não houve nada até agora.

Então, temo muito, porque ele não é uma pessoa qualquer, ele tem envolvimento, tem negócios com o Governo do Chile. É complicado, porque a gente se sente de pés e mãos amarradas porque pouco pode auxiliar

 

MidiaNews - Até o momento o suspeito não foi indiciado? Ele está fazendo algum tipo de movimentação jurídica?

 

Eliane Vit - Ele não foi indiciado. A outra parte está trabalhando, está afastando testemunhas. Testemunhas que se encontravam no Chile já não estão mais lá. Testemunhas que eram a favor foram dar novo depoimento mudando as versões e ele está fazendo uma perícia por conta própria, particular, justamente para contestar todas as acusações que ele sabe que vão cair contra ele.

 

Então, temo muito porque ele não é uma pessoa qualquer, ele tem envolvimento, tem negócios com o Governo do Chile. É complicado, porque a gente se sente de pés e mãos amarradas porque pouco pode auxiliar.

 

MidiaNews – A senhora vem recebendo algum apoio aqui do governo brasileiro?

 

Eliane Vit - Eu tentei junto ao Governo Federal, no Ministério da Mulher, da Justiça, tentei em vários ministérios e não consegui com que eles manifestassem ao Chile cobrando celeridade nas investigações. Afinal de contas é uma brasileira que foi assassinada no Chile, mas um joga para o outro. Você liga no Ministério da Mulher, eles dizem 'não é aqui, é na Justiça'. Aí você liga no Ministério da Justiça e eles falam que é na Embaixada.

 

Você fala com a Embaixada e eles falam “atendemos o caso, a família”, mas foi no dia que ela morreu, quando pedimos uma autorização para gente ir para lá, mas eles não conseguiram nada, não houve nenhum movimento deles.

 

Enquanto isso eu tenho registrado mais de vinte e-mails que mandei para vários ministérios pedindo um auxílio, uma simples manifestação junto ao governo do Chile cobrando em que pé estavam as investigações e nem isso consegui das autoridades brasileiras.

 

Não tenho ajuda por parte do governo do Brasil. A gente vê, morreu um jornalista inglês e toda a Inglaterra está caindo em cima do presidente da República, cobrando as investigações. Agora, morre uma brasileira no Chile e nenhum órgão brasileiro manifesta qualquer coisa. Acho isso um absurdo.

 

MidiaNews - Como é para uma mãe ver essa falta de Justiça após um ano do caso?

 

Eliane Vit - Me sinto péssima. A gente passa de um mês para o outro aguardando que algo aconteça ou que, pelo menos, a verdade venha à tona.

 

No meu encontro com a Carolina, eu disse para ela: ‘Doutora, eu não estou aqui pedindo prisão perpétua para o assassino, estou pedindo a verdade. Eu só quero que vocês esclareçam como a minha filha foi morta’. Porque eu sei para mim, tenho a convicção de que ela foi assassinada, mas eu quero que o Ministério Público comprove isso e que venha à tona para todas as pessoas. Para tirar essa queixa da minha filha de suicídio.

 

Agora são tantas divergências no caso. Quando estava com o Omar, ele dizia que o caso era muito complexo. A princípio a cena, o local, foi totalmente alterada.

 

Arquivo Pessoal

Nayara Vit e Eliane

Eliane conta que conversava com Nayara quase todos os dias

A polícia não cumpriu com protocolos. Eles foram chamados por vizinhos afirmando que estavam ouvindo uma briga no prédio e estavam ouvindo pedidos de socorro, mas a Polícia não atendeu isso. Eles só compareceram quando ligaram, por parte do Rodrigo, dizendo que ela havia se jogado da sacada. Passado um tempo os policiais chegaram e chegou juntamente com a Polícia uma pessoa que veio de fora, que não estava no prédio. Isso é comprovado pelas câmeras de segurança do edifício, que essa pessoa chegou e assumiu a declaração dos fatos.

 

Que ela se jogou, que estava com depressão, que era suicídio e mesmo diante de vizinhos dizendo que estava tendo uma briga, alguns policiais registraram isso, porém no laudo o delegado não colocou nada disso, simplesmente colocou suicídio. Não houve perícia no local. Ele só subiu para pegar os dados dela e do dono do apartamento, que era o Rodrigo.

 

Tem nas câmeras a frieza do Rodrigo quando atendeu a Polícia, tem falas contraditórias dele. Na hora ele disse uma coisa e quando foi prestar o depoimento foi divergente.

 

São tantas coisas, tantas evidências e aí a Carolina me diz “não posso ficar me apegando a essas coisas, a ver problemas de policiais que não cumpriram o protocolo”. Eu achei errado.

 

Então, para a gente é muito revoltante e não podemos contar com nada. Se eu tivesse apoio de um departamento do governo do Brasil pressionando, como a Inglaterra está fazendo com o presidente daqui, de um cidadão deles que foi morto em terras brasileiras, é outra coisa. De uma forma ou de outra eles têm que prestar conta do que aconteceu. Mas eu não tenho esse auxílio, eu só tenho ajuda da imprensa, que vez ou outra solta uma nota dizendo alguma coisa, só isso.

 

MidiaNews – O que a senhora espera das autoridades brasileiras?

 

Eliane Vit - Eles teriam que ter uma ação, uma resposta para mim que seja. Eu ligo e eles dizem: “Esse pedido tem que ser somente através de e-mail”. E eu mando no endereço do e-mail, mas não tem resposta, não tem nada.

 

MidiaNews – No dia 7 de julho é a data que marca um ano da morte da Nayara. S senhora planeja fazer algum tipo de homenagem ou manifestação neste dia?

 

Eliane Vit - Sim, nós vamos fazer algumas ações nas redes sociais.

 

Não tenho ajuda por parte do Governo do Brasil, a gente vê, morreu um jornalista inglês e toda a Inglaterra esta caindo em cima do presidente da República, cobrando as investigações. Agora, morre uma brasileira no Chile e nenhum órgão brasileiro manifesta qualquer coisa. Acho isso um absurdo

Eu participo de um grupo no Chile de famílias que têm filhas que foram mortas nessa situação de feminicídio, que sofreram violência grave ou que até se suicidaram por pressão dos seus namorados, maridos. É um grupo de mães, pais, irmãos e filhas de feminicídio. Então, esse grupo vai fazer uma manifestação no dia da morte dela junto à Fiscalia Metropolitana Oriente, que é onde está correndo o processo no Chile.

 

MidiaNews - Como está a sua rotina depois da morte da Nayara?

 

Eliane Vit - Para mim é muito, muito difícil. Nesse um ano faço tratamento com psiquiatra, terapia para ver se não vou para o chão também. Só quem passa por uma situação semelhante entende o que eu estou falando.

 

É muito complicado para uma mãe perder uma filha em uma circunstância dessas. Não poder velar, enterrar e a falta dela no dia-a-dia... Porque a gente se falava praticamente todos os dias, era por telefone, videochamada, sempre tinha um contato. Então, é uma falta constante, ela está na minha cabeça 24 horas por dia, o tempo todo existe aquela dor corroendo por dentro.

 

E eu tenho um propósito: enquanto eu não trouxer essa verdade à tona não vou ter paz na vida. É uma luta constante, todos os dias eu estou planejando como posso fazer algo para contribuir para que a verdade venha à tona.

 

Abri mão de todos os trabalhos que fazia, me afastei de tudo para me dedicar somente a esta causa, de trazer a verdade sobre a história da minha filha.

 

MidiaNews - E como está a neta da senhora com esta falta de convivência com a mãe? A senhora tem essa aproximação com ela?

 

Eliane Vit - Sim, ela está com o pai dela e felizmente a gente tem um bom contato e sempre estamos nos falando, pelo menos uma vez por semana e ele também está nessa luta. Porque, na verdade, quem abriu o processo foi ele representando a minha neta, que é a vítima indireta.

 

Ela já conseguiu entender, mas está, assim como eu, fazendo terapia para tentar tocar uma vida mais normal. Graças a Deus o pai dela tem a mãe e duas irmãs que dão uma boa ajuda para ele, mas é muito difícil.

 

A minha neta fez recentemente cinco anos e é o primeiro aniversário que ela passa longe da mãe. Era a Nayara que toda vez preparava a festa dela, teve a comemoração do Dia das Mães na escola. Então, é toda uma cadeia de proteção para que ela não sofra tanto. Quando eles estavam preparando lembranças para o Dia das Mães, ela não participava, o pai buscava, alegando que ela tinha que fazer alguma coisa para ela não sofrer tanto.

 

Temos todo esse cuidado com ela. Depois dela eu seria a segunda pessoa que mais sente a falta, mas ela em primeiro lugar sem dúvida. Porque ela e a mãe eram muito apegadas, a Nayara vivia exclusivamente para ela.

 

E ela entende, não tem conhecimento da forma que a mãe morreu, mas ela sabe que a mãe dela está no céu olhando por ela e cuidando.

 

MidiaNews - A existência da sua neta é uma das forças para a senhora seguir buscando Justiça pela Nayara?

 

Eliane Vit - Sem dúvida, por ela que passo tudo isso e tenho essa luta, porque para mim eu não tenho dúvida que minha filha foi assassinada e jogada do apartamento, mas toda essa luta pela verdade, para ter convicção e registro disso é pela minha neta.

 

Porque uma coisa é você ter uma mãe que te abandonou, que não pensou em você e colocou fim a própria vida pensando somente nela. E outra coisa é você ter uma mãe que teve seu direito de criar a filha tirado. Então, é pela minha neta que luto todos os dias, para que ela tenha a verdade.

 

 

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