Cuiabá, Quinta-Feira, 20 de Novembro de 2025
DIA DA CONSCIÊNCIA
20.11.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

“Negros não tem cidadania completa”, diz autor de lei em Cuiabá

Promotor de Justiça do MPE, Rinaldo Segundo redigiu o projeto apresentado pelo pai, então vereador, há 25 anos.

Yasmin Silva/MidiaNews

Promotor Rinaldo Segundo, que avaliou avanços por igualdade racial em Cuiabá

Promotor Rinaldo Segundo, que avaliou avanços por igualdade racial em Cuiabá

ANDRELINA BRAZ
DA REDAÇÃO

Há 25 anos, Cuiabá se tornou uma das primeiras capitais do país a reconhecer o Dia da Consciência Negra como feriado municipal, uma conquista que nasceu ainda nos anos 1990, quando o então estudante de Direito Rinaldo Segundo redigiu o projeto que seria apresentado por seu pai, o vereador Rinaldo Almeida.

 

A gente quer um mundo em que as pessoas, independentemente de sua cor, independentemente de serem homens ou mulheres, crianças, idosos ou adultos, sejam respeitadas

Hoje promotor de Justiça do Ministério Público Estadual (MPE), ele contou em entrevista ao MidiaNews a história da lei e avaliou os avanços (e limitações) na luta contra a desigualdade racial.

 

“Cuiabá foi a segunda capital a ter esse feriado [do Dia da Consciência Negra], que, por acaso, eu escrevi nos anos 90. Foi interessante, porque o meu pai era o vereador. Muitas pessoas questionam, do ponto de vista comercial, mas eu acredito que esse feriado ainda é necessário, até como forma de reflexão: o que aconteceu depois da escravidão?”, relatou o promotor.

 

Conforme ele, a data nasceu a partir de discussões e do engajamento de pessoas comprometidas com a melhoria da sociedade e com a ampliação do acesso de pessoas racializadas a direitos no estado.

 

Entre os nomes envolvidos no processo de debate e mobilização que culminaram na promulgação da lei, em 6 de dezembro de 2000, além de Rinaldo Almeida, estão o também vereador Aurélio Augusto, e os militantes Waldir Bertúlio, Geraldo Costa e Jacy Proença.

 

Após anos convivendo e participando de mobilizações influenciadas pelo pai, Rinaldo cursou Direito e fez estágio no Ministério Público, onde passou a atuar como promotor, trabalhando pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.

 

“Ter crescido em um ambiente em que esses assuntos sociais e culturais eram discutidos me fez ter a compreensão de que a gente tem que tentar lutar para deixar o mundo melhor do que recebeu". 

 

“A gente não quer um mundo dominado por negros, indígenas ou brancos. A gente quer um mundo em que as pessoas, independentemente de sua cor, independentemente de serem homens ou mulheres, crianças, idosos ou adultos, sejam respeitadas".

 

Luta contra a desigualdade

 

Quase duas décadas após a criação do feriado, o promotor destacou sua importância como espaço de reflexão sobre as lutas e desigualdades diárias enfrentadas por pessoas racializadas no convívio em sociedade.

 

“A gente tem que buscar conhecimento para tratar as pessoas de forma mais justa. Em uma sociedade, temos grupos vulneráveis: mulheres, negros, crianças, idosos. Esses grupos precisam de atenção especial. E, de alguma forma, acredito que, no caso específico do feriado do dia 20, ele permite essa reflexão, permite a compreensão de que negros e pardos ainda não têm uma cidadania completa no Brasil". 

 

Yasmin Silva/MidiaNews

Rinaldo Segundo

 

Para ele, essa desigualdade pode ser observada desde o cotidiano — como em bares, restaurantes e espaços públicos — até no consumo de produções culturais, como livros e filmes, que refletem a estrutura social.

 

“Se a gente for verificar o filme Que Horas Ela Volta, que é um filme sobre uma empregada doméstica, mostra uma forma de sujeição. A gente pode refletir sobre esses comportamentos contemporâneos". 

 

“Não é incomum você ir a um restaurante refinado e notar que quase todas as pessoas presentes são brancas, com poucos pardos e quase nenhum preto retinto. E boa parte das pessoas que servem são pardas, negras ou pretas”, acrescentou.

 

Desigualdade no acesso a cargos de poder

 

Em contrapartida, outro fato que chama atenção é a pouca presença de pessoas negras em cargos de poder. Segundo o promotor, isso se deve às poucas oportunidades de estudo oferecidas historicamente à população negra, que, em sua maioria, precisa conciliar trabalho e estudo.

 

“Para você acessar esses cargos, precisa ter uma qualificação, passar numa prova que exige uma dedicação que normalmente quem trabalha não consegue ter. Eu acho que não termos ainda uma classe média negra e parda forte contribui para que esses cargos [de poder e com altos salários] não sejam acessados tanto por negros e pardos”, analisou.

 

Como forma de minimizar essa desigualdade na ocupação de espaços públicos, de poder e de ensino, o promotor citou a criação e implementação das ações afirmativas em concursos públicos.

 

“A visibilidade, que foi um dos argumentos usados pelo Supremo ao decidir pela constitucionalidade do programa, é importante, inclusive para inspirar as novas gerações, mostrando para elas que é possível". 

 

De acordo com Rinaldo, a visibilidade também atua como um mecanismo de “reparação histórica”, ao mostrar para crianças e jovens negros que eles podem ocupar esses espaços.

 

 

“Pode ter também uma questão de baixa autoestima, porque, como você não vê muitas pessoas nesses cargos, você já cria inconscientemente a ideia de que não é para você, que você não tem capacidade suficiente. Daí a importância da visibilidade". 

 

Para além da reflexão e do debate por alternativas que visam melhorar a igualdade racial e social no Brasil, o promotor destacou a importância do feriado como instrumento de conhecimento da própria história.

 

“Esse projeto tem essa ideia da visibilidade, de estimular as pessoas a estudarem. Por que temos esse feriado hoje? Vamos procurar saber mais sobre a história de Zumbi dos Palmares, Tereza de Benguela, Mãe Bonifácia. Acho que esse feriado tem essa importância por causa disso. Fico feliz por ter escrito esse projeto de lei na época, ter feito as justificativas. Muito feliz”, finalizou.

 

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