LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Dados do Mapa da Violência 2012 divulgados na quinta-feira (29) revelam que, na última década, Mato Grosso registrou um aumento de mais de 18% no número de negros que foram vítimas de homicídios no Estado. Nesse mesmo período, o número de assassinatos de vítimas da população branca no Estado reduziu em 24,9%.
A pesquisa aponta que, em âmbito nacional, a população negra continua vulnerável à violência no Brasil.
Em 2002, 321 brancos e 613 negros foram assassinados no país, enquanto o ano de 2010 apontou que 241 membros da população branca foram vítimas de homicídio, contra 725 negros.
Em Cuiabá, por exemplo, as taxas de vitimização apontam que 119 negros morreram para cada pessoa branca assassinada, o que deixa a cidade em 127º lugar no ranking de homicídios nos municípios brasileiros.

"Se nada for feito de forma imediata e drástica, a vitimização negra no país poderá chegar a patamares inadmissíveis pela humanidade", conclui estudo
O mapa mostra ainda que Mato Grosso possui dois municípios integrando o ranking de 2010 das 100 cidades que apresentaram as maiores taxas de homicídio da população negra.
Primavera do Leste (240 km ao Sudeste de Cuiabá) contabilizou o assassinato de seis brancos e 16 negros vítimas da violência, enquanto Várzea Grande registrou 29 brancos como vítimas de homicídio contra 106 negros mortos.
Várzea Grande volta a aparecer em outro ranking da pesquisa, que escala os 100 municípios com os maiores números de homicídios de negros em 2010, ao lado de Cuiabá, com 41 vítimas brancas e 179 vítimas negras, e Rondonópolis (212 km ao Sul da Capital), que teve 148 brancos assassinados em 2010 contra 63 negros vítimas do mesmo tipo de crime.
EstudoO estudo “A Cor dos Homicídios no Brasil” foi realizado pela Secretaria de Polícias de Promoção da Igualdade Radial, do Governo Federal, e revela que a situação atual não pode mais ser admitida no país.
“Se nada for feito de forma imediata e drástica, a vitimização negra no país poderá chegar a patamares inadmissíveis pela humanidade”, conclui o estudo.
O levantamento foi baseado em dados do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade), da Secretaria de Vigilância em Saúde, ligada ao Ministério da Saúde.
Confira a íntegra do Mapa da Violência
AQUI.
Avaliação

"Os estudos sociais mostram a exclusão em que vive a população negra e revela a necessidade muito forte de políticas públicas voltadas para essa população", diz pesquisadora
Para a doutora Cândida Soares da Costa, do NEPRE (Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Relações Raciais e Educação) da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), o Mapa da Violência revela a presença do racismo latente e da falta de atuação do Estado, que não busca implantar políticas públicas voltadas para a população negra, principalmente no Estado.
“O Mapa da Violência, na verdade, revela uma situação que já vem sendo há muito tempo anunciada pelos indicadores sociais e pesquisas já realizadas. Os estudos sociais mostram a exclusão em que vive a população negra e revela a necessidade muito forte de políticas públicas voltadas para essa população. Até hoje, o que tem estado mais evidência é a questão de cotas, que se refere à inclusão de negros nas universidades. Em Mato Grosso, por exemplo, não conheço nenhuma política pública voltada especificamente para a população negra”, avaliou.
Cândida Costa afirmou que o racismo é um fator que ainda determina a condição atual da população negra e intensifica os níveis atuais de violência por ela vivenciada. Ela ressalta que “a violência não atinge o negro só na periferia, mas em todas as situações, por causa do peso do racismo”.
“Onde não há presença no Estado, a violência ocorre com maior intensidade. A população negra, infelizmente, em sua maioria, vive nos locais mais precários. Nós vivemos em uma sociedade profundamente racista, que recua a população negra para esses locais periféricos, onde existe uma menor incidência de políticas públicas e expõe os negros às diferentes formas de violência, que vão desde as violências simbólicas até às violências materiais”, afirmou.
Segundo a pesquisadora, o país, ao longo das décadas, não pensou na inclusão dos negros, mas sim no “branqueamento da população brasileira”.
“A política de branqueamento da população brasileira foi sempre muito forte e, com isso, não se pensou na inclusão de uma forma positiva do segmento negro da população. Pensava-se em fazer com que a população brasileira se tornasse branca através das inúmeras formas de miscigenação ou até mesmo que a população negra se definhasse pelo fato de ter sido largada a própria sorte”, ressaltou.

"Mato Grosso tem uma dívida enorme com a população negra e precisa buscar formas, caminhos políticos, por meio de ações públicas, para diminuir e corrigir essa distorção", avalia pesquisadora da UFMT
Políticas públicasPara o fim dessa realidade, a pesquisadora aponta a necessidade de implantação, por parte do Estado, de políticas públicas sérias que auxiliem na superação do racismo. Ela salientou que a população negra tem lutado, há décadas, pelo direito de “exercer a cidadania e gozar do direito à igualdade social”.
“Mato Grosso tem uma dívida enorme com a população negra e precisa buscar formas, caminhos políticos, por meio de ações públicas, para diminuir e corrigir essa distorção, que é relegar a população negra às situações mais precárias. Apesar do currículo escolar e a história oficial mostrarem muito pouco sobre isso, a população negra não foi vítima da escravidão porque ela tenha lutado muito pouco contra isso. A história mostra as inúmeras lutas dos negros pelo fim da escravidão, pelo direito de ser tratado igual aos demais cidadãos brasileiros e pelo exercício do direito à cidadania, que muitas vezes é negado pela sociedade”, disse.
Costa afirmou que as políticas públicas devem ser implantadas pelo Estado de maneira gradual, proporcionando emprego e renda, estudo e lazer para a juventude negra, bem como um melhor investimento em segurança.
“O jovem negro, desde o ensino fundamental, precisa ter perspectiva de futuro. Ele precisa ter perspectivas e possibilidade de concluir seus estudos, cursar um curso superior ou um curso técnico de alto nível, para que ele possa ter melhores condições de vida”, disse.