O episódio de agressão contra uma criança de 10 anos no Restaurante Chuvisco, há cerca de dez dias, trouxe à tona questões sobre o comportamento de pais em frente aos filhos e como lidar com briguinhas entre crianças.
A psicóloga familiar Fernanda Borges diz que comportamentos agressivos dos pais são prejuiciais ao desenvolvimento de crianças, que passam a replicar as atitudes que presenciam no âmbito familiar.
"A gente tem que tomar muito cuidado, porque os pais são referências, e podem ser boas ou péssimas. Pais que educam de forma agressiva geram filhos agressivos e que passam a compreender o mundo de uma forma violenta", afirma em entrevista ao MidiaNews.
Ela ainda aconselha os pais que percebem que o filho está agindo de forma agressiva a sempre procurarem orientação profissional o mais rápido possível. Segundo a psicóloga, quando a situação nãp é tratada a tempo a chance da criança desenvolver psicopatia na vida adulta cresce consideravelmente.
Confira a entrevista na íntegra:
MidiaNews - Brigas entre crianças são algo corriqueiro. A partir de que momento os pais devem começar a se preocupar com o comportamento agressivo do filho?
Fernanda Borges - Não necessariamente a gente pode chamar de corriqueiro, por exemplo, uma criança que briga muito, que xinga, avança.
Para avaliar o comportamentem é preciso ver o que foge do que eles pregam. Por exemplo, se é um pai já muito agressivo dentro de casa, com a mãe ou com a própria criança e se nesse ambiente são proferidos palavrões, xingamentos, se a criança apanha muito, o parâmetro de comparação é diferente.
Então se a criança está realmente sendo educada com viés de violência, a medida do que é normal e esperado da briga de uma criança inocente com uma outra... Vai depender de que forma ela está sendo criada.
MidiaNews - Na semana passada, um episódio em um restaurante em Cuiabá chamou bastante a atenção. Uma mãe acusou os pais de uma criança de agredir seu filho. Uma criança que presencia esse tipo de agressão, cometida pelos pais, tende a repetir o mesmo comportamento?
Fernanda Borges - A gente tem que tomar muito cuidado porque os pais são referências e podem ser boas ou péssimas. Pais que educam de forma agressiva geram filhos agressivos e que passam a compreender o mundo de uma forma violenta. Se é só com xingamento, com grito, com uma puxada de orelha que a criança entende... Esse parâmetro é preciso pontuar: o que essa criança está aprendendo em casa? E a criança que tem um comportamento mais esperado pela sociedade, com respeito ao outro, sabendo lidar com situações mais diversas... Isso também vai de acordo com o aprendizado familiar e principalmente pelos limites que os pais dão, sem necessariamente bater ou ofender.
Eu li bastante reportagens sobre esse caso, inclusive conheço o dono do restaurante. O que eu percebi ali foi que quando se tem uma intromissão de um adulto contra uma criança, isso já é ultrapassar limites. Os pais da criança que apanhou voltaram para brigar e agredir o outro menor. A partir do momento em que os pais tomam ciência de uma briga entre duas crianças, a orientação que a gente geralmente dá é de retirar seu filho imediatamente da situação agressora, de onde pode haver mais algum outro problema maior além da esfera infantil.
MidiaNews - Como os pais devem agir em um momento em que duas crianças estão brigando?
Fernanda Borges - É preciso retirar a criança, conversar, acolher e orientar para ela saber se defender, que não necessariamente ela precisa bater de volta, mas sim se afastar de pessoas agressivas, de crianças que podem trazer uma situação desagradável, que não necessariamente seja agressão física. Pode ser até bullying.
Nunca se intrometer em briga de criança. Se houver uma intromissão do outro lado, vier para cima, aí sim você entra na situação, pelo menos para pontuar e defender o filho, mas enquanto está na esfera infantil, a orientação é acolhê-lo e orientá-lo.
Eu falo que é preciso orientar dizendo que existem pessoas ruins, que vão te tratar mal, que não vão gostar de você, que podem querer te prejudicar de verdade. Mas você vai ter que aprender a se defender, vai ter que sair do ambiente que te traz um mal-estar. Então é mostrar para aquela criança, para ela saber lidar com frustrações e quando alguém não gosta dela. É desde criança, é ali que a pessoa vai aprender a ser um homem ou uma mulher que saiba lidar e trabalhar do lado daqueles que ele não gosta e isso não vai prejudicá-lo.
MidiaNews - Que tipo de malefícios podem provocar em uma crianças aqueles pais que vivem brigando, discutindo e se desrespeitando na frente dos filhos?
Fernanda Borges - Essa falta de diálogo, briga e desrespeito na frente da criança a todo momento - até tem pais que são brutos com outros na rua, dentro do próprio carro, tem todo esse comportamento - geram o que a gente chama de violência emocional, que não respeita educação do filho.
A criança não precisa pagar o preço da falta de paciência dos pais, da falta de educação, da raiva dos pais um com o outro. Ela não precisa vivenciar isso. Prejudica muito. Esse relacionamento podia ter sido lindo quando era bebê, mas quando ele foi crescendo e a criança foi testando aqueles pais, o pai sem paciência foi se transformando em um monstro.
Arquivo pessoal
A psicóloga explica que crianças agressivas precisam receber tratamento antes dos 8 anos
MidiaNews - Qual a opinião da senhora sobre o castigo físico, a famosa palmada ou chinelada? Isso resolve?
Fernanda Borges - Eu falo muito isso no consultório, porque os pais chegam falando: “Olha, Fernanda, eu já cansei de bater, você é minha última opção”. Isso é muito comum. Na minha opinião, resolveu bater? Na verdade só trouxe uma experiência ruim para a criança, que aprendeu que tem que resolver tudo batendo.
Nessas ocasiões você deve orientá-la uma vez. Se a criança não obedecer, na segunda vez você a pega pelo braço. Não vai gritar, nem xingar, não vai machucar. Mas se for deixar para quinta ou décima vez, aí você vai estar batendo já, pois já perdeu a paciência. Então na segunda vez você não fala mais, você pega a criança e educa, mostra quem é que manda na criança, que são os pais.
Você deve educar sim. Não é preciso ficar perdendo a paciência para tentar conseguir algo. Há colegas que falam que não pode bater. Mas não é só não poder bater, é não perder a paciência, porque isso leva à violência. Por isso, antes de perder a paciência, pegue seu filho e leve até aquilo que ele deve fazer.
MidiaNews - Muitos pais costumam incentivar os filhos a serem durões. Isso não pode estimular na criança um comportamento agressivo?
Fernanda Borges - É aquilo dos extremos, o “pai banana” e o ‘pai coronelismo”. Ele atua como se fosse o exército mesmo. Isso com certeza afeta e afasta emocionalmente o filho do pais. Então ele não vai conseguir ter uma criança que possa dividir um sonho, um desenho ou ter uma conversa.
Porque quando o pai é muito agressivo geralmente ele não tem muito diálogo, ele já quer executar tudo e todos. Por isso a criança vai acabar se afastando sabendo que esse pai só serve para puni-lo, não serve para escutá-lo, para ter um amigo, pedir uma opinião. E isso com certeza reflete no futuro dessa criança para ela não querer dividir mais nada com esse pai. Ele se torna um coronel na vida dele e posteriormente a criança começa a imitar essas ações, podendo se tornar tão agresivo quanto.
MidiaNews - Crianças sádicas com animais, por exemplo, tendem a ser violentas no futuro?
Fernanda Borges - Existem comportamentos que dão a dizer, que mostram sinais de que aquela criança está tendo comportamento que nenhum pai ou mãe quer ter do lado para conviver. Mesmo pequena a criança dá dados para alertar o que está acontecendo dentro dela. Por exemplo, antigamente havia crianças que amarravam bombinhas no rabo do gato. Você vê e dá risada da criança judiando dos animais. Então achar graça da desgraça do outro é muito perigoso. É preciso estar em alerta, não é normal, não é esperado para uma criança não ter o sentimento de compaixão, de dó, de empatia, por isso é preciso prestar atenção nos dados que essa criança oferece e buscar ajuda.
As pessoas falam: “É criança, quando crescer vai mudar”. Não, ele não vai mudar se você não corrigir, se não receber uma orientação profissional de como lidar com isso. Se não isso só vai se cultivar, onde na fase adulta ela pode receber um diagnóstico de psicopatia. Então se não fizer nada, você vai estar reforçando o lado negativo dessa criança.
Se não é corrigido a tempo, não tem volta, não tem cura. Sentir prazer com a dor do outro é muito complicado. Pode ser um animal ou uma pessoa, isso não importa, é preciso levar isso muito a sério.
MidiaNews - Há algum tratamento para crianças que apresentam comportamento agressivo?
Fernanda Borges - Quando você já começa a estranhar que não é normal, que ele está atacando muito mais do que defendendo, já é um sinal para procurar um psicólogo. E quando é visto que é muito grave pode ser encaminhado para um psiquiatra infantil também.
MidiaNews - Esse comportamento agressivo começa a se manifestar em que idade? É possível ensinar uma criança a ter autocontrole para reduzir sua agressividade?
Fernanda Borges - Há mães que relatam que perceberam com os filhos muito novos, com cerca de 1 a 2 anos. Nessa etapa que ele começa a falar e a entrar no mundo social. Aí começa a conviver com outra criança e a mãe passa a perceber que aquela criança não está sabendo lidar com o outro, que pode ser da mesma idade, mais velho, com o irmãozinho. Essa idade é muita relativa, mas a gente pontua que os sinais começam a partir do momento em que a criança começa a interagir socialmente, e quando ela começa a demonstrar que não sabe lidar com as emoções, frustrações, tendo comportamentos ruins e não esperados, de falta de compaixão, empatia.
MidiaNews - Que conselhos a senhora dá para os pais que começam a perceber um comportamento agressivo na criança?
Fernanda Borges - Quanto mais cedo a criança for para o consultório psicológico, melhor serão os resultados e até mais rápido será a recuperação. Agora quando chega no profissional como ultima solução, já tentaram de tudo, já passou da fase da personalidade, que é a partir dos 8 anos de idade, a criança já aprontou muito e ela está aqui só para relatar o que ela já fez. Nessa situação a gente consegue amenizar, mas uma cura não tem muito não.
Agora quando chega com antecedência, faz o encaminhamento, é o certo. Desconfiou, procura ajuda. Se tem um preconceito com psicólogo - “Ah não, meu filho não é louco” -, mas é preciso procurar essa ajuda, não tenha vergonha. Os pais também devem ir e receber orientação. Hoje em dia a gente faz muita orientação em lives para os responsáveis, para poder sinalizar esses alertas e amenizar esse preconceito. É preciso se atualizar e procurar essas redes de informação e mais importante, quando desconfiar procurar ajuda o mais depressa possível antes dos oito anos de idade, que ai nós teremos uma grande vitória.
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