Teto da Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

Marco cultural e religioso de Cuiabá, a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito guarda a história da religiosidade e da construção da identidade cultural da capital. Apesar da importância, a comunidade ainda aguarda a obra de restauração, após a interdição realizada há 3 anos.
O início da obra enfrenta um obstáculo desde o ano passado: a falta de liberação do alvará de construção, devido à ausência de documentação de propriedade.
“Essa igreja também tem algumas coisas complicadas. Por exemplo, não temos uma matrícula. Como é uma área que foi liberada há trezentos e tantos anos, nunca se procurou uma matrícula de um proprietário mais evidente que a igreja”, explicou o padre Pedro Canísio Schoeder.
Para dar início ao processo, o padre relatou que solução foi a igreja buscar alternativas, como a produção de um documento que oficialize a posse do imóvel.
“Estamos agora tendo que entrar com um processo no cartório para fazer uma carta notorial, que corresponde quase a uma escritura. Ela reúne todas as informações para ser reconhecida oficialmente como documento de propriedade da igreja".
Interdição
Interditada em maio de 2022 pela Defesa Civil, a igreja aguarda desde então o início das obras, que visam conservar o piso, o teto e implementar a climatização do espaço (Veja imagens abaixo). Avaliada em R$ 6 milhões, a obra de restauração sofreu embargos financeiros e burocráticos que atrasaram o andamento da reforma.
Segundo o padre Pedro Canísio Schoeder, o primeiro desafio surgiu logo após a interdição, enquanto aguardavam o repasse de recursos do Governo do Estado, necessário para a contratação de um profissional responsável pela análise e apresentação do projeto de reparo.
“Sem dinheiro, hoje ninguém faz nada. Nenhum engenheiro faz um projeto, nenhum arquiteto vai fazer nada se não começar recebendo”, relatou o padre.
Após a liberação da verba, no segundo semestre do ano passado, a gestão da igreja conseguiu contratar o profissional, que apresentou o projeto posteriormente aprovado pelo IPHAN. E aguarda o impasse sobre a documentação.
MidiaNews
Padre Pedro Canísio Schoeder
Construída em 1730, a igreja possui imensurável valor simbólico e cultural para a capital, sendo atualmente o templo religioso mais antigo de Cuiabá. Segundo a superintendente do Iphan em Mato Grosso, Ana Joaquina da Cruz Oliveira, a preservação do espaço é fundamental para garantir o seu uso pelas próximas gerações.
A igreja está localizada em um sítio arqueológico registrado nos termos da Lei nº 3.924/1961, sendo considerada patrimônio da União. A área engloba o entorno da Igreja do Rosário e de São Benedito, partes do centro histórico como a região da Prainha — onde se localizava a antiga Ponte da Confusão —, o entorno da Casa Singer e o início do Caminho de Goyaz, que, segundo levantamento do Iphan, teve seu tramo inicial próximo à igreja.
Com a importância da região para a história de Cuiabá, o padre Pedro Canisio, alertou sobre a necessidade de projeto de presevação que vai além da igreja.
“Estou preocupado que, se fizermos só a igreja, vai ficar muito ruim. Ela vai ficar no meio de ruínas. Temos aqui, por exemplo, aquelas frentes que mereciam uma intervenção da prefeitura para fazer também um projeto de revitalização das calçadas, das estruturas”, afirmou.
Falta de documentação é entrave para reformas
Como tentativa de preservar as residências de população de baixa renda no centro histórico de Cuiabá, o Iphan investiu R$ 5,5 milhões no projeto Conviver – Canteiros-Modelo de Conservação em Cuiabá.
Apesar do auxílio financeiro, a ausência de documentação é um problema recorrente em imóveis históricos da capital, assim como ocorre com a igreja.
Formado por docentes, pesquisadores e alunos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o projeto atua na restauração e reconstrução de partes de residências históricas. Segundo o pesquisador André Campos, a falta de documentação que comprove a posse das áreas é um dos principais entraves nos processos de restauração.
“O maior problema é o problema fundiário aqui no centro. Porque muitos dos imóveis estão há três, quatro gerações parados no processo de inventário. Então, na hora que você vai investigar a situação fundiária da casa, descobre que o inventário está parado há 30, 40, 50 anos”, explica o pesquisador.
“Para você realizar uma ação, ou precisaria que um procurador assumisse as decisões por, sei lá, 90 pessoas, ou precisaria que as 90 pessoas concordassem com cada uma das ações feitas. Então, a questão fundiária é um dos maiores problemas que a gente enfrenta.”
Apesar dos entraves burocráticos, o projeto já atua na restauração de imóveis. Com uma residência já finalizada e intervenções pontuais entregues em diversas moradias da região histórica de Cuiabá, o projeto está atualmente reformando uma casa localizada em uma das esquinas da Travessa do Rosário.
Yasmin Silva/MidiaNews
Pesquisador André Campos mostrando diferentes materiais na construção
Segundo o pesquisador, a casa já passou por diversas intervenções realizadas pelos moradores — seja em obras de expansão, seja em tentativas de restauro. Contudo, está desocupada desde 2018, após um incêndio consumir parte de sua estrutura de cobertura.
Materiais de construção
Após o ingresso no projeto Casa Modelo, a residência passou por uma avaliação e, atualmente, está em fase de reforma. Durante a análise do local, foram identificados outros materiais de construção além dos tradicionais tijolos de adobe, compostos de terra crua.
“A gente tem uma prática muito recorrente, que é o uso de materiais modernos. O pessoal usa muito reboco cimentício, tinta acrílica... na esperança de conservar o imóvel, mas acabam por acelerar o processo de degradação”, relata o pesquisador.
“Então a gente vai orientando e tentando corrigir isso dentro do que é possível, porque nem sempre conseguimos fazer tudo.”
Além do processo de restauro das residências, o projeto também visa dialogar com os moradores e realizar oficinas para conscientizar sobre a importância das técnicas e dos materiais utilizados nas construções históricas do centro.
“Além das ações de conservação em si, dentro do projeto do Canteiro, nós temos também vários outros objetivos: trabalhamos com a socialização de saberes. Tentamos resgatar alguns ofícios e conhecimentos da construção tradicional e procuramos socializá-los também.
A gente tenta envolver a comunidade acadêmica, a população local e, quando possível, outros profissionais, para que eles aprendam sobre essas técnicas e materiais construtivos”, afirma.
Segundo o pesquisador, a ação visa desmistificar e ressaltar a importância da conservação por meio das técnicas tradicionais.
Importância histórica das construções
Yasmin Silva/MidiaNews
Obra de reforma em casa histórica
Além das obras de restauro, o projeto tem como objetivo fixar moradores na região histórica de Cuiabá, que perde população ano após ano com a migração para outras áreas da cidade.
Por meio de avaliação dos locais, escuta com moradores e reconstrução de residências, o projeto busca recriar a memória e o valor histórico da região.
“A materialidade não é só o tijolo. Existe um imaterial junto disso. Essa técnica conta a história não só de Cuiabá, mas também da família que estava aqui”, diz o pesquisador.
“Quando fizemos o projeto, entramos em contato com a família da Dona Isabel. Eles nos contaram como foram as ampliações da casa. Isso nos ajuda a entender por que um lugar é feito com tijolo de cinza, outro com adobe. É um resgate em vários níveis”, afirma.
“E, como falamos, o principal trabalho do Canteiro é a preservação com pessoas. Não existe centro histórico preservado sem moradores. Precisamos dessas pessoas fixadas aqui. E precisamos também do uso misto: comércio, instituições... Tudo funcionando junto.”
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