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DESCASO
11.03.2018 | 07h55 Tamanho do texto A- A+

Primeira gráfica de Cuiabá está abandonada e em ruínas

Erguido no século XIX, casarão apresenta sérios problemas estruturais; Iphan nega risco de ruir

Alair Ribeiro/MidiaNews

A Gráfica Pêpe foi a primeira de Cuiabá, na década de 1940

A Gráfica Pêpe foi a primeira de Cuiabá, na década de 1940

BIANCA FUJIMORI
DA REDAÇÃO

O casarão do final do século XIX que deu origem à primeira gráfica e papelaria de Cuiabá, conhecida como Gráfica Pêpe, na Rua Sete de Setembro, hoje está em ruínas.

 

O imóvel histórico se destaca ao lado de outro que hoje sedia o Museu da Imagem e do Som (Misc), no Centro, em uma das primeiras ruas que originaram Cuiabá.

 

Nesta semana, a reportagem esteve no local e constatou que parte do telhado do imóvel já caiu. Do lado de dentro, algumas das paredes também já não existem mais. Nas que sobraram, as imensas rachaduras indicam que a casa pode ir ao chão a qualquer momento. Enquanto sua fachada dá a impressão de que vai desabar na cabeça de quem passar na frente.

 

Em seu interior, a reportagem ainda conseguiu ver, por meio uma fresta, que existem alguns armários e diversos entulhos.

 

Além disso, para evitar que moradores de rua e usuários de drogas invadam o local, foram colocados tapumes para bloquear as portas. No entanto, quase não existe mais madeira nas portas.

 

A casa, construída de adobe, não suporta mais os efeitos do tempo, das fortes chuvas e do Sol intenso de Cuiabá.

 

Segundo o historiador Aníbal Alencastro, um dos principais fatores que contribuíram com o atual estado do imóvel foi o asfaltamento das ruas do Centro.

 

“Lá pelos anos 60, o asfalto chegou a Cuiabá. As ruas antes eram de pedra em paralelepípedo. Aí aqueles tratores pesados abalaram a estrutura das casas”.

 

Dos anos 40 até a década 70, o imóvel atendeu os cuiabanos no Centro da cidade oferecendo desde cadernos fabricados pela gráfica, livros e até encomendas de convites de casamento.

 

Por ser a única papelaria da Capital, o local recebeu todo tipo de gente - de estudante a governadores.

 

Alencastro conta que o casarão foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1980.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Casa da Pepe

Atualmente, a antiga papelaria abriga móveis velhos e entulho

 

Paredes cheias de histórias

 

Conforme Alencastro, antes de se tornar um comércio, o casarão pertenceu ao governador Generoso Ponce. Posteriormente, foi adquirido pelo coronel da Guarda Nacional, Avelino de Siqueira. Ele morreu em 1916.

 

“Depois que Avelino morreu, sua esposa Maria Luiza Hugueney de Siqueira abriu um gráfica onde eles editavam os livros. O lugar passou a se chamar Livraria Pêpe”, relata Aníbal.

 

Maria Luiza era de uma família de políticos que foram importantes para história da Capital. Ela teve nove filhos, sendo seis mulheres. Todos moravam em um sobrado atrás da gráfica e os dois imóveis eram interligados.

 

Além disso, a artista Zulmira Canavarros fundou o Mixto Esporte Clube na residência, em 1934, de acordo com o historiador.

 

“Existe uma ata da reunião que deu origem ao Mixto Esporte Clube, que aconteceu naquela casa”, afirmou.

 

A aposentada Rita Bezerra Esteves, de 85 anos, cresceu frequentando a papelaria. Desde muito pequena ela morou no Centro da cidade e sua família tinha uma grande amizade com os proprietários.

 

“Era uma movimentação muito grande. Fazia encomenda de casamento, de tudo. Ali fazia de tudo. Era uma livraria e papelaria. Não existia nada, era só essa, não tinha outra. Então reunia todo mundo para comprar, fazer encomendas, tipografia”, relembra Dona Rita.

 

Gilmar Epifânio da Silva, que tem um comércio em frente ao casarão, conta que costumava fazer compras na papelaria quando era criança, aos sete anos.

 

"Meu pai mandava eu comprar coisas lá. Quando eu era criança, vinha aqui passear, era pedra canga ainda. Não tinha asfalto. Isso 50 anos atrás", relembra o comerciante.

 

Apesar da grande quantidade de clientes, era um comércio familiar e possuía apenas um funcionário. Quem realmente tocava a gráfica eram as filhas de Maria Luiza: Pêpe, a mais velha, e a Analia, que veio depois.

 

“As filhas faziam os envelopes, cada detalhe dos cartões. Não havia funcionários. Eu me lembro só de um, que se chamava Joaquim. Depois a Analia veio aqui e convidou o meu neto Luciano para trabalhar com eles. Ele trabalhou muito tempo ali”.

  

No entanto, ainda era a mãe que tinha a última palavra sobre os negócios da família.

 

“Ela que mandava na papelaria. Se ela não quisesse, não faziam. Por exemplo, eles faziam cartões de casamento muito bonitos. Aí, se ela não gostasse, mandava rasgar tudo”, disse Rita.

 

“Eu morria de medo. Meu pai mandava eu ir lá comprar alguma coisa, mas eu não ia, não”.

 

Quando Maria Luiza morreu, em 1964, as duas filhas mais velhas ficaram responsáveis pela gráfica.

 

“Logo que a mãe morreu, elas que tomaram conta. Reformou, ficou bonito. Essa fachada ficou linda toda pintada. Elas trabalhavam muito. Eram muito queridas”.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Casa da Pepe

O comerciante Gilmar da Silva fazia compras na Gráfica Pêpe quando era criança

 

A boa fama das filhas chegava até em pessoas que não as conheciam, como foi o caso de Gilmar.

 

"Eu não cheguei a conhecer a Dona Pêpe, mas sei que esse casarão ainda é da família. Ela que atendia as pessoas. Eu só sei que ela era uma pessoa muito querida na época. Foi muito dedicada no trabalho".

 

Depois disso, os netos também passaram a trabalhar na papelaria, contudo durou pouco. Segundo Dona Rita, após a morte de Analia, ninguém da família se interessou em dar sequência ao negócio. Isso resultou no seu fechamento por volta de 1970.

 

Rita mora em frente à antiga gráfica desde 1962. Ela é a moradora mais antiga do Centro e viu diversas mudanças acontecerem naquela região.

 

“Teve uma época em que a casa passou a ter morador de rua, tinha de tudo. Eles faziam o que queriam ali. Depois que a base da Polícia Militar chegou, acabou isso. Eles não vêm mais me atormentar. Os policiais não deixam”, expôs.

 

A aposentada também presenciou a mudança na arquitetura das residências, conforme o tempo foi passando.

 

“Antigamente o povo fazia as casas pregadas com a do vizinho. Essas casas também eram cheias de portas e janelas. Eram enormes. Hoje em dia não é mais assim”, aponta Rita.

 

Ela lamenta o fato de que essas construções antigas estão se desfazendo ao longo dos anos. Além de se mostrar preocupada com a perda histórica que é para Cuiabá.

 

“Essa casa também vai cair, vai virar um grande terreno. Isso se não cair em cima de alguém. A parede já está quase se separando do resto da casa. Essas casas têm muita coisa para contar”, declarou a moradora.

 

Já o comerciante considera que a necessidade de restauração do imóvel é essencial para a história de Cuiabá.

 

"Eu acredito que deveria reformar esses casarões antigos porque são muito bonitos. Eu creio que o poder público tem feito o seu trabalho, mas de uma forma lenta. Eu acho que é muito importante ter esses casarões, que a cidade conserve seu patrimônio histórico", finalizou.

 

O outro lado

 

Apesar do que foi observado pela reportagem, o Iphan alegou não haver nenhum risco de ruína ou desmoronamento do casarão. Segundo a assessoria, o proprietário do imóvel solicitou uma vistoria em dezembro de 2017.

 

Durante a vistoria, a equipe registrou danos causados pela infiltração e o precário estado de conservação. Diante disso, o dono foi notificado a realizar reparos como substituição de calhas e e telhas. Conforme o Iphan, a manutenção foi feita logo depois.

 

O instituto também afirmou que o local não está abandonado, pois uma família está morando na casa nos fundos. 

 

Apesar de ser uma área tombada, a assessoria revelou que o proprietário do imóvel é o responsável pela conservação do casarão e não existe nenhum projeto de restauração.

 

 

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Alair Ribeiro/MidiaNews

Casa da Pepe

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Vera melim  04.06.18 18h27
Meu nome é Vera e moro em São Paulo. Sou sobrinha de Jaime Mendonça que foi casado com Elci Hugueney de Siqueira. Meus primos maria Luísa (falecida em 1984) , elme e Carlos que residem em Cuiabá. Fiquei muito emocionada com a história.
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Maria Augustaest  31.03.18 22h32
Este casarão que a Ritinha fala era a tipografia e livraria Avelino de Siqueira, casado com Maria Luiza Hugueney de Siqueira o casal teve10 filhos vivos e 3 falecidos em criança ( quem assumiu a tipografia era a filha Nali e não existia nenhuma Amalia e sim Nali que era solteira os 2 rapazes eram sobrinhos filhos de Elci que era a filha mais nova do casal o nome deles é Elme e Carlos Opolitico Generoso Ponce numca foi dono dessa casa , ele era inquilino antes do vovô Avelino comprar A D. Maria Luiza( Sinha) não era filha de políticos, o pai dela era engenheiro químico ; Luxemburgueses Charles Teodoro Hugueney veio para Cuiabá a convite do Inperador a fim de montar no Coxipo do Ourouma fábrica de pólvora a fim de abastecer as tropas brasileiras para. A retomada de Corumbá que estava em poder dos Paraguaios . O marido dela sim era político ; Avelino Antônio de Siqueira além de comerciante topógrafo importador , foi deputado e fui o primeiro Intendente(prefeito) de Cuiabá ,na sua Intedemcia ele reformou a Praça Alencastro importando da Alemanha ( Luxemburgo) o coreto que os cuiabanos de hoje conhecem na Praça Ipiranga ; este coreto foi coloca do por Avelino de Siqueira na praça Alencastro e levado pelo prefeito Vuolo para a Praça Ipiranga.esta é uma parte da história dó casarão de Avelino de Siqueira e D.Maria Luiza ; me desculpem porém não podia ver a história contada errada:Alcindo Jacy Avelina Maria Luiza (Pêpe ) Nali Diva Avelino Carlos Maria e Elcy eram os 10 filhos do casal concordo com as pessoas que disseram que o poder público deveria assumir está casa que faz parte da história da Cidade de Cuiabá e restaura-lá para os 300 anos pelo que sei os membros da família não se opõem pelo contrário já tentaram isso com o governo Blairo em fazer doação para o poder público .com única exigência de que se colocasse o nome Avelino Antônio de Siqueira e Maria Luiza Hugueney de Siqueira no órgão ou museu que o governo coloca-se na Casa - Fica a sugestão ao Prefeito Pinheiro que também é cuiabano e ama está cidade. Sou membro da família e estou falando em nome da mesma.
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Nascimento  13.03.18 07h34
Se não for para cuidar e conservar, é melhor demolir:desta forma,constroi - se outra coisa melhor, moderna fica mais segura.
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Paulo Roberto Sabão  12.03.18 17h41
Estou com 58 anos,conheço e bem esse prédio.A livraria PePe,era a maior e melhor de Cuiabá,na época.Comprei muito com dona Pepe.Ela tinha dois filhos que a ajudava na livraria.Não me lebro o nome dele.O outro era de criação.E meu amigo, o querido Pretinho,da muita saudade dessa época.Essa livraria tinha de tudo.
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Eduardo Pedroso  12.03.18 13h26
Vamos lá. Não precisa ser muito inteligente para saber que é prática comum os proprietários dos imóveis antigos da capital deixarem a casa CAIR literalmente , pois assim se livra das despesas de conservação, se livra do IPHAN e depois que cai constroi um predio moderno e rentável. Simples assim
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