LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Referência em Mato Grosso há quase 30 anos por oferecer apoio e abrigo a soropositivos (portadores do vírus HIV), a Casa de Mãe Joana, em Cuiabá, abriga 32 pacientes e sofre com a falta de doações e apoio.
Coordenador da casa, Paulo Rogério Rodrigues afirmou que o local já chegou a abrigar cerca de 65 pessoas, mas que, devido à queda brusca das doações, desde o início do ano, o número de assistidos precisou ser reduzido.
“Hoje temos menos pacientes porque contamos com menos ajuda, então não adianta você encher a casa e não dar condições a essas pessoas. Desde janeiro para cá, as doações caíram muito, principalmente em comparação com outros anos”, disse.
Tony Ribeiro/MidiaNews
|
 |
Casa precisa de algumas reformas estruturais, como a troca de forro de um dos quartos
|
Localizada próximo a 13º Brigada de Infantaria Motorizada, nas imediações do Centro Político e Administrativo (CPA), a casa atende somente a adultos, tendo atualmente pacientes com idade entre 20 e 65 anos.
Do número de assistidos atualmente, 11 praticamente vivem na casa, e o restante apenas fica no local até terminar o tratamento necessário e pegar toda sua medicação, quanto então cedem seus lugares a outras pessoas que precisam.
“São pessoas de muita baixa renda, que não têm ninguém para ajudar, não têm um ganho mensal, não têm como se manter. Então, a casa serve para estreitar o tratamento. Pagamos e agendamos consultas e exames e a pessoa fica aqui o tempo necessário de tratamento”, explicou.
A instituição também auxilia diretamente outros 65 soropositivos que vivem fora do abrigo, em sua maioria mães com filhos também HIV positivo, uma vez que o Conselho Tutelar não permite a mistura de adultos e abrigos na instituição.
“São pessoas que a família aceita ainda, como mães com crianças. Damos o auxílio de tudo no tratamento, marcando consultas e exames, além de uma ‘cesta básica’, medicação e roupas também, que são doadas”, disse.
De acordo com Rodrigues, para se tornar um assistido, o paciente deve ser encaminhado pelo Pronto-Socorro ou por alguma secretaria de Saúde.
Tony Ribeiro/MidiaNews
|
 |
Hoje, moram na casa 32 pessoas soropositivas; outras 65 são assistidas fora da instituição
|
“Ele deve ter passado por um médico e ter um encaminhamento. Não é só porque é soropositivo que vamos aceitando”, afirmou.
Em quase três décadas de existência, já passaram pela casa 4,8 mil pacientes de todos os cantos do Estado.
Morador da Casa da Mãe Joana há quase um ano, A.L.F., 40, é natural de Jussara (GO) e mora há mais de 20 anos em Mato Grosso. Ele conta que vê o local como seu lar, onde consegue seguir seu tratamento com regularidade e ter acesso aos medicamentos.
A.L.F. descobriu que era portador do vírus HIV em 2000, quando cumpria pena na prisão de Cáceres.
“De lá para cá fazia apenas exames de rotina e acompanhamento. Comecei o tratamento mesmo em abril do ano passado. Aqui é uma moradia. Nunca faltou nada, comida ou remédio”, disse.

"São pessoas de muita baixa renda, que não têm ninguém para ajudar, não têm um ganho mensal, não têm como se manter. Então, a casa serve para estreitar o tratamento."
Segundo ele, a principal dificuldade enfrentada diariamente é o preconceito, mas A.L.F. diz estar acostumado a lidar com os “olhares atravessados” e a desconfiança da sociedade.
“Eu também tinha preconceito antes. Não tomava nem café ou água em copo de aidético. Isso mudou quando eu me tornei soropositivo e vi que não era assim que as coisas funcionavam. Mas é assim mesmo. No país de futebol, chamam juiz de macaco”, disse.
Estrutura e assistênciaOs assistidos vivem em uma área de 1 hectare, que possui, além da casa principal com uma cozinha e seis quartos, uma horta cuidada pelos próprios pacientes para consumo interno, lavanderia e uma área destinada ao trabalho de reciclagem também desenvolvido pelos pacientes.
Quem visita o local percebe a necessidade de pintura e troca de forro, principalmente em um dos quartos que sofreu um pequeno incêndio recentemente.
Tony Ribeiro/MidiaNews
|
 |
Paulo Rodrigues, coordenador da Casa da Mãe Joana há 25 anos
|
“Eu consegui trocar toda a rede elétrica, mas ainda precisamos de reformas em algumas partes ligadas a encanamento de água e esgoto e trocar parte do forro de um dos quartos”, disse.
De acordo com Rodrigues, quando o assunto é assistência à saúde dos internos, a instituição de amparo não tem do que reclamar quanto à ação do governo.
“Em questão de saúde, não tem que melhorar. Não faltam exames, consultas ou remédios. Isso eles cumprem até porque é lei. O que deixa a desejar são outras coisas, que dependem mais da solidariedade da população e de empresários”, afirmou.
Segundo Rodrigues, os gastos mensais da casa somam aproximadamente R$ 12 mil, que incluem desde alimentos e botijões de gás até o salário dos cinco funcionários que trabalham no local.
“De água, pagamos apenas a taxa mínima. Já com a Cemat, fechamos uma parceria e não precisamos pagar o consumo de luz. Eles trazem o material e nós fazemos a reciclagem”, explicou.
Tony Ribeiro/MidiaNews
|
 |
Entre as muitas necessidades da casa, está um novo fogão industrial
|
Doações e auxílioRodrigues ressaltou que, apesar das dificuldades, a casa não está abandonada e possui como parceiro o Instituto Lyons, que promove a visita de psicólogos a casa para ouvir os pacientes, fazem rodas de músicas e momentos de recreação.
Comunidades religiosas também visitam a casa para realizar grupos de orações com os internos.
“Eles [Lyons] também trazem um pessoal que ajuda com limpeza e o serviço de reciclagem, vem tocar violão com o pessoal. Mas vivemos de doações, não temos como comprar. Fica mais a critério de cada um ver no que pode fazer para ajudar”, disse.
Ele explicou que a casa não liga atrás de fundos e que as doações devem ser feitas presencialmente.
“Ou a pessoa traz [as doações] ou ela nos liga e a gente vai buscar. A gente dá um recibo ou a pessoa pode perguntar o que a gente precisa, nós fazemos uma lista e ela vê o que pode comprar. Não temos contas correntes para receber doações”, explicou.

"Ou a pessoa traz [as doações] ou ela nos liga e a gente vai buscar. [...] Não temos contas correntes para receber doações"
De acordo com Rodrigues, entre os itens mais urgentes da lista de necessidades da casa estão materiais de limpeza e de higiene pessoal.
“Também precisamos de um novo fogão industrial, porque o nosso está gastando muito gás. Um botijão grande, que durava oito dias, não dura mais nem cinco dias”, disse.
PreconceitoAtualmente, há 39 mil soropositivos em Cuiabá, mas Rodrigues acredita em número muito maior.
Tony Ribeiro/MidiaNews
|
 |
Na horta, pacientes cultivam desde mandioca até abóbora para consumo intenro
|
“Esses são só os pacientes cadastrados, mas tem muitas pessoas que não são cadastradas ou que nem sabem que tem a doença”, disse.
Segundo o coordenador, mesmo com o alto nível de informações a respeito da doença, o preconceito continua grande e muitas pessoas sentem medo de se envolver com os portadores do vírus do HIV.
“Mesmo com tanta informação que temos por aí, o pessoal ainda não conhece tanto a doença. Eles não percebem a AIDS está na alta e na baixa renda, não apenas nos menos favorecidos. A diferença é que a pessoa que tem uma condição melhor não vai procurar uma casa de apoio, porque vai poder fazer um tratamento melhor”, disse.
O desencontro de informações por parte da sociedade, principalmente após o anúncio da vacina do HIV, também tem prejudicado as doações da casa.
“As pessoas pensam que é a cura, mas, na verdade, é uma vacina que vai substituir os remédios que eles tomam, como se fosse um coquetel. É um avanço, mas a doença ainda está em estudo”, disse.
ServiçoOs interessados em ajudar a Casa da Mãe Joana devem entrar em contato com Paulo Rodrigues pelo telefone (65) 3644-3343. Ele explica que a ajuda não precisa ser em dinheiro, mas com alguns dos itens que os pacientes precisam ou com a realização de alguma das melhorias necessárias na estrutura do local.
"Quem quiser fazer algum evento, por exemplo, para usar o que for arrecadado para comprar algo que a gente precisa, nós agradecemos. Pode assumir salário de algum funcionário, trazer materiais recicláveis para nos ajudar com a nossa atividade. Não fazemos questão do dinheiro. Podem conversar com a gente, ver o que pode ser doado, o que estamos precisando", disse.