Cuiabá, Segunda-Feira, 23 de Junho de 2025
DESMATAMENTO
23.06.2025 | 08h43 Tamanho do texto A- A+

Rios do cerrado perderam 27% da vazão de água desde 1970

Redução média equivale a 30 piscinas olímpicas por minuto na comparação com 1970 a 1979

Reprodução

Araguaia faz parte de estudo que mostrou redução do nível da água no Cerrado

Araguaia faz parte de estudo que mostrou redução do nível da água no Cerrado

GABRIEL GAMA
DA FOLHAPRESS

O volume de água transportado pelos rios do cerrado diminuiu 27% desde a década de 1970. A perda corresponde a 30 piscinas olímpicas por minuto que deixam de fluir pelos corpos d’água, na comparação entre os períodos de 1970 a 1979 e 2012 a 2021.

 

É o que mostra o estudo "Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil", publicado nesta segunda-feira (23) pela Ambiental Media, ao qual a reportagem teve acesso com exclusividade.

 

A pesquisa analisou 51 anos de dados da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) para as bacias hidrográficas de seis rios que fazem parte do bioma: Araguaia, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Taquari e Tocantins.

Na média, a vazão de segurança desses rios, indicador que representa o volume mínimo de água registrado em 90% do tempo, reduziu em 1.300 m³/s (metros cúbicos por segundo) a partir dos anos 1970.

 

Vazão dos rios do Cerrado cai 27%, diz estudo

 

- 4.742 metros cúbicos por segundo

era o volume mínimo em 90% do tempo nos rios entre 1970 e 1979

 

- 3.444 metros cúbicos por segundo

é a vazão mínima dos rios do bioma entre 2012 e 2021

 

- 30 piscinas olímpicas por minuto

é a perda de água na comparação entre os dois períodos

 

Fonte: Ambiental Media com dados da ANA

 

*

O estudo aponta uma redução de 21% nas chuvas nas bacias, de 680 milímetros anuais entre 1970 e 1979 para 539 milímetros entre 2012 e 2021. Na comparação entre os períodos, houve um aumento de 8% na evapotranspiração, que mede a quantidade de água transferida para a atmosfera. Na prática, o cerrado está secando.

 

Os dados acendem o alerta para a conservação do bioma visto como a caixa-d’água do Brasil. O cerrado abastece oito das 12 regiões hidrográficas do país e cobre cerca de 25% do território nacional. É a savana mais biodiversa do mundo e está presente em 12 estados e no Distrito Federal. Entretanto, mais da metade da vegetação original já foi desmatada.

 

"O cerrado é o coração que pulsa a água pelo Brasil e os rios são as veias. Esse coração está infartando e perdendo a capacidade de pulsar, justamente porque estamos desmatando", afirma Yuri Salmona, coordenador científico do estudo e doutor em ciências florestais pela UnB (Universidade de Brasília).

 

Dados do MapBiomas, também considerados no estudo, mostram que a área de vegetação nativa nas bacias analisadas encolheu em 22% entre 1985 e 2022. Por outro lado, o desmatamento para o plantio de soja aumentou 19 vezes, de 620 mil hectares para mais de 12 milhões de hectares.

 

O impacto do desmatamento e das mudanças climáticas no bioma pode agravar a situação de uma bacia que já sofre com desertificação, escassez de água e secas

"O desmatamento para fins de produção de commodities agropecuárias, baseada na irrigação, é o protagonista do ressecamento do bioma. Em segundo lugar, vêm as mudanças climáticas", diz Salmona. Um estudo anterior do pesquisador apontou que 56% da redução da vazão dos rios no bioma se deve ao desmate e 43% às alterações do clima.

 

As plantas do cerrado têm raízes profundas e aumentam a infiltração da água no solo durante o período chuvoso. Com corte da vegetação, a água deixa de ser estocada e passa a escorrer na superfície, reduzindo o fluxo dos rios e aumentando o risco de erosão.

 

O estudo também identificou um encurtamento do período de chuva no bioma. Em média, a redução é de 56 dias, segundo Salmona.

 

"Desmatar cerrado é ampliar a seca, a escassez de água, a insegurança hídrica e colocar em risco nossa produção econômica, de alimento e de energia. A usina hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, recebe água da bacia do Paraná, onde mais de 50% da água vem do cerrado", afirma o pesquisador.

 

Entre as bacias hidrográficas analisadas no estudo, a do rio São Francisco é a que teve maior redução na vazão. A queda é de 50%: passou de 823 m³/s de 1970 a 1979 para 414 m³/s de 2012 a 2021. De acordo com Salmona, cerca de 93% da água que flui no São Francisco nasce no cerrado.

 

As chuvas na bacia do São Francisco diminuíram 28% e a evapotranspiração aumentou em 11%. A área de produção de soja cresceu 7.082% entre 1985 e 2022, em especial no oeste da Bahia, na região conhecida como Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

 

"O impacto do desmatamento e das mudanças climáticas no bioma pode agravar a situação de uma bacia que já sofre com desertificação, escassez de água e secas relevantes. Na prática, estamos furando a caixa d’água, com uma irrigação da agricultura completamente desregrada", diz Salmona.

 

De acordo com a ANA, o cerrado concentra 80% dos pivôs centrais do país, que são sistemas usados para irrigar áreas em grandes culturas, como a soja.

 

A bacia do rio Taquari, responsável por abastecer o pantanal, registrou o maior aumento na perda de água para a atmosfera, de 12%. Nos anos 1970, a evapotranspiração era de 117,87 milímetros. Entre 2012 e 2021, saltou para 131,64 milímetros. O desmatamento para soja mais do que triplicou na bacia: passou de 65,3 mil hectares em 1985 para 211,5 mil hectares em 2022.

 

"O pantanal, a maior planície alagada do mundo, depende em 100% da água que nasce nas cabeceiras de rios dentro do cerrado. Estamos impedindo que a água chegue até lá e acabando com o pantanal sem necessariamente ampliar a área desmatada no bioma", alerta Salmona.

 

A bacia do rio Parnaíba, na divisa entre o Maranhão e o Piauí, teve a maior redução nas chuvas desde 1970, com perda de 38% na pluviosidade. A área desmatada para soja explodiu na região: em 1985, eram sete hectares cultivados; em 2022, saltou para 1,6 milhão de hectares, um aumento de mais de 200 mil vezes.

 

Na bacia do Paraná, que alimenta a usina de Itaipu, a vazão mínima do rio caiu 18% e as chuvas reduziram em 21% entre as décadas de 1970 e 2010. A área de produção de soja cresceu 978% entre 1985 e 2022, de 400,2 mil hectares para 4,3 milhões de hectares.

 

Mercedes Bustamante, professora de ecologia na UnB e autora de relatórios do IPCC, painel intergovernamental da ONU para o clima, diz que o estudo divulgado nesta segunda se soma a um conjunto de dados já consolidados sobre a perda de água no cerrado.

 

Segundo a cientista, algumas áreas estão se tornando impróprias para o cultivo da soja. "A atividade que mais afeta o funcionamento hídrico do cerrado é aquela que mais depende da água gerada pelo bioma. É um tiro no pé", diz.

 

O Código Florestal de 2012, principal lei de preservação da vegetação nativa no país, definiu que 20% da área de uma propriedade rural no cerrado deve ser preservada, a chamada reserva legal. Na amazônia, o valor sobe para 80%. Para Salmona, isso mostra uma desigualdade na proteção dos biomas.

 

"Dentro de um plano maior de nação, o cerrado é visto como um bioma de sacrifício. 'Vamos sacrificar o cerrado em nome de manter a amazônia de pé'. Essa é uma política inadmissível", diz o coordenador científico do estudo da Ambiental Media

 

O governo federal retomou em novembro de 2023 o PPCerrado, principal política para conter a devastação do bioma. "Ainda não há controle sobre o desmatamento do cerrado e é muito grave normalizar e achar que está tudo bem. Não dá para falar em sucesso do PPCerrado", afirma o pesquisador.

 

O Instituto Cerrados e o Ministério do Meio Ambiente desenvolvem um programa para mapear as áreas onde deve haver um esforço maior de restauração para garantir o provimento de água no bioma, segundo Salmona. A iniciativa será apresentada em setembro.

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia