Cuiabá, Quarta-Feira, 6 de Agosto de 2025
CONTRA DEPRESSÃO
25.09.2022 | 15h36 Tamanho do texto A- A+

“Terapia com choque pode ter efeito importante e salvar vidas"

Doença é vista pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência de saúde pública

MidiaNews

O psiquiatra Gil Lemes Rosa atua em uma clínica de Cuiabá

O psiquiatra Gil Lemes Rosa atua em uma clínica de Cuiabá

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

Considerada a doença do século, a depressão vem apresentando um aumento expressivo no número de casos na última década e, desde 2014, é vista pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência de saúde pública.

 

Os avanços em pesquisas sobre o tema possibilitaram a descoberta de novos medicamentos e métodos de tratar o transtorno, assim como o resgate de métodos antigos condenados por muitos até hoje. Um exemplo disso é a eletroconvulsoterapia, antes denominado de eletrochoque.

 

O mês de setembro é dedicado especialmente à prevenção do suicídio que, juntamente com a depressão, vêm apresentando dados alarmantes. Para desmistificar o assunto e compreender melhor o transtorno e as formas de tratá-lo, o MidiaNews conversou com o psiquiatra Gil Lemes Rosa, 39 anos.

 

O método, segundo o especialista, foi condenado por muito tempo e ainda é, devido ao seu mau uso. No entanto, se usada de forma apropriada, a eletroconvulsoterapia pode apresentar uma melhora significativa em quadros extremos.

 

“O que nós observamos é que pode ter um efeito muito importante no tratamento [...]. Um efeito de melhora significativa em pessoas que estejam em quadros muito agudos, ou pessoas que não tenham resposta com o uso de medicação convencional. Isso sem dúvida pode salvar a vida de pessoas”, afirmou.

 

O profissional também falou sobre os estigmas que cercam a doença, o papel da família de alguém com depressão e os sinais aos quais eles devem ficar atentos, entre outros temas.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

 

MidiaNews - É impressão ou os casos de suicídio cresceram nos últimos anos?

 

Gil Lemes Rosa - Apesar de em outros países a taxa de suicídio estar diminuindo nos últimos anos, infelizmente nas Américas ela tem aumentado, e o Brasil acompanha esses índices. Desde 2014 o suicídio é visto como uma emergência de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde. Mais ou menos a partir da década de 2010 já vem se observando essa tendência de aumento. Houve tanto um aumento da notificação, porque antes muitos casos não eram notificados como suicídio, como, de fato, um aumento do número de casos.

 

MidiaNews - É possível atribuir esse aumento a algum fator em comum?

 

Gil Lemes Rosa - O fenômeno do suicídio é sempre um fenômeno muito complexo, que tem muitos fatores envolvidos. Fatores socioambientais, econômicos, psicológicos, comportamentais, até genéticos e fisiológicos. É uma série de fatores que fazem com que a pessoa chegue naquele estado em que ela considere que morrer possa ser um alívio, possa parar essa dor, esse sofrimento.

 

MidiaNews - A pandemia potencializou quadros de depressão e suicídio?

 

Gil Lemes Rosa - Mais recentemente a gente viu com muita nitidez o impacto da pandemia sobre a saúde mental, que não se deu só no nível biológico, mas também em um nível econômico, social, no distanciamento das relações, no aumento no consumo de álcool e outros tipos de drogas. Não dá pra gente extrair um fator como o principal.

 

A Covid por si só gera quadros de neuroinflamação que fazem com que tanto pessoas que já tinham um histórico anterior de transtornos mentais possam apresentar piora. A perda de familiares e pessoas próximas, a perda de emprego e a instabilidade econômica e financeira também são fatores de aumento do estresse e trazem uma piora significativa. Dizer a pandemia é muito genérico. As pessoas viveram e vivem a pandemia de formas muito diferentes, e cada fator influencia mais ou menos uma pessoa ou grupos populacionais.

 

Enfim, uma série de fatores que sem duvida prejudicam muito a saúde mental de todas as pessoas e com isso necessariamente aumentando taxas de suicídio no Mundo todo.

 

MidiaNews - Qual é o papel da família de pessoas depressivas na prevenção ao suicídio?

 

Gil Lemes Rosa - Os familiares podem ter um papel muito positivo ou muito negativo, dependendo da forma como entendem a depressão. Um dos grandes problemas dos transtornos mentais é que eles não são visíveis a olho nu. Não é como um braço quebrado ou um corte que as pessoas consigam enxergar. Isso explica muitos dos julgamentos e preconceitos atribuídos a quem passa por um quadro depressivo.

 

Existem famílias que conseguem entender que a depressão é um transtorno, que não é algo que esteja sobre o controle da pessoa, até porque se fosse possível escolher estar bem ou não, ninguém escolheria estar deprimido. Outras fazem julgamentos acerca do esforço da pessoa, ou da gratidão com relação à vida, ou com relação à religiosidade, como se fosse falta de fé, de Deus, ou falta de esforço ou de vergonha na cara. Infelizmente isso é frequente em muitas famílias.

 

O papel da família idealmente deveria ser de acolher, de conseguir aceitar que a pessoa está daquela forma, de entender que por certo período ela pode ter dificuldade para fazer certas coisas, às vezes as mais simples. De conseguir ajudar a pessoa a buscar auxílio profissional. Em alguns momentos mais graves observar se a pessoa vai ter comportamentos com intenção suicida ou não, buscar serviços de emergência e, então, poder dar esse suporte.

 

MidiaNews - Nas consultas, que sinais o paciente dá de que é um potencial suicida?

 

Gil Lemes Rosa - Mais de 90% das pessoas que pensam ou cometem suicídio apresentam algum tipo de transtorno mental, seja ele já tendo sido identificado ou não. Mais comumente os transtornos de humor podem fazer com que as pessoas tenham pensamento de morte, dependência química, esquizofrenia e transtornos de personalidade também.

 

Com frequência essas pessoas já passaram por algum atendimento clínico ou relacionado a saúde mental anteriormente. Então mudanças significativas no comportamento, dificuldade de realização das atividades diárias são alguns dos sinais. Pensamento de menos valia, de inaptidão, sensações de que possa ser um peso para os demais, de que se não estivesse presente isso não teria importância ou, às vezes, até seria benéfico. Redução da capacidade de sentir prazer com coisas que antes ela gostava, alterações de sono, de apetite, de memória. Enfim, são diversos fatores e diversos sinais que a pessoa pode começar a apresentar.

 

É importante que as pessoas fiquem atentas a isso. Muitas vezes a gente fica focado em tratar só a dor de cabeça, a insônia ou a dor no estômago e acaba perdendo o parâmetro geral, que pode nos orientar sobre a ocorrência de algum quadro depressivo ou outro transtorno.

 

MidiaNews - Em que momento pensar sobre a morte é um sinal de alerta?

 

Gil Lemes Rosa - Pensar sobre a morte e o que ocorre depois não é algo patológico por si só. Se você tem alguma religiosidade, espiritualidade ou uma visão estritamente biológica da vida, questionar sobre a morte e o que vem depois dela é um tema que perpassa a humanidade desde sempre, assim como o próprio suicídio.

 

A diferença entre pensar sobre a morte e da ideação ou tentativa de suicídio vem dessa motivação. Quando há um quadro depressivo, além desse pensamento sobre a morte, sobre o que viria depois da morte, há com frequência um sentimento de inutilidade, de incapacidade, de inadequação, de solidão, de um certo vazio entre outros fatores associados. A ideação e o planejamento suicida nunca vêm absolutamente isolados. Há vários outros fatores e sinais de que a pessoa não está bem, e esse pensamento acaba sendo consequência disso tudo.

 

Muitas vezes esse não é um pensamento cristalino direcionado. Pode haver uma ambivalência, um desejo de melhorar, de poder estar bem, mas junto com o desejo de parar essa dor e angústia. Isso pode fazer com que a pessoa tente o suicídio, não por necessariamente a pessoa desejar morrer, mas por querer parar de sofrer.

 

MidiaNews - Ao perceber esses sinais o que a família pode fazer a respeito?

 

Gil Lemes Rosa - Primeiro ponto é não julgar a pessoa que esteja nesse momento. Segundo é conversar sobre a possibilidade de buscar algum atendimento profissional. Terceiro ajudar com que a pessoa consiga realizar as tarefas básicas, a higiene física, a alimentação, o sono, que antes eram feitas com facilidade e podem ficar muito difíceis quando a pessoa passa por um quadro depressivo. E o último é estar atento aos comportamentos que possam indicar tentativas de suicídio. Acolher e buscar ajuda profissional são os pontos chaves desse papel familiar.

 

MidiaNews - O que há de novo no tratamento da depressão?

 

Gil Lemes Rosa - Há inúmeros estudos saindo diariamente sobre as alterações decorrentes da depressão. Ela é um fenômeno variável multifatorial e complexo. Há também fatores biológicos e bioquímicos associados aos quadros depressivos, e a compreensão desses fatores ainda não é total, completa. Tem se avançado nos conhecimentos a respeito da neuroiflamação, dos receptores, do papel dos neurotransmissores. O conhecimento sobre o fenômeno depressivo e outros transtornos mentais tem aumentado significativamente.

 

Atualmente a gente tem visto surgir novas possibilidades de tratamento e o resgate de outras possibilidades que já existiam, e também a desmistificação de muitas dessas técnicas.

 

Há antidepressivos novos que podem ter um efeito muito benéfico que utilizam mecanismos diferentes para o tratamento da depressão. Há possibilidades para tratamentos de forma adequada com o uso de eletroconvulsoterapia, que foi condenado por muito tempo pelo mau uso feito, por uso punitivo e inadequado. É o que se chamava anteriormente de eletrochoque. Infelizmente, no imaginário popular há sempre uma visão negativa com relação a isso. O que nós observamos é que pode ter um efeito muito importante no tratamento, desde que feito de forma adequada, com o uso de anestesia, em local adequado com monitorização. Pode ter um efeito de melhora significativa em pessoas que estejam em quadros muito agudos, ou pessoas que não tenham resposta com o uso de medicação convencional. Isso sem dúvida pode salvar a vida de pessoas.

 

São feitos através de estímulos com corrente elétrica por eletrodos. Coloca um de cada lado da têmpora e a pessoa recebe um anestésico. E quando é feita a estimulação ela já não sente nada. Ela pode apresentar efeitos colaterais, assim como qualquer outro procedimento, mas os benefícios em comparação são muito maiores. Dentre os efeitos colaterais estão a perda de memória, por exemplo. Hoje em Cuiabá existem duas clínicas que fazem o procedimento, que pode custar até R$ 1 mil por sessão.

 

MidiaNews - Qual o perfil da pessoa que pode cometer o suicídio? O que pode fazê-la chegar a essa medida extrema?

 

Gil Lemes Rosa - Não existe um perfil e qualquer pessoa está sujeita a ter algum tipo de transtorno mental ao longo da vida. O ato suicida pode ocorrer de várias formas. Com frequência há um lapso de impulsividade que pode durar de minutos a horas em um momento extremo de sofrimento, ou com uso de substâncias que acaba gerando mais impulsividade, e pode fazer com que a pessoa de fato tente concretizar aqueles pensamentos. São menos frequentes os casos em que há um planejamento categórico, mais organizado, para o suicídio e que isso seja realizado passo por passo de forma mais gradativa.

 

É possível sair desse quadro. Outro mito que ocorre com frequência é pensar que porque a pessoa em algum momento da vida chegou a ter pensamentos de morte ou tentou o suicídio, ela sempre vai lidar com esse tipo de pensamento. Não, dá pra conseguir tratar e sair desse quadro.

 

MidiaNews - Existe algum tipo de exame que funcione como diagnóstico para depressão ou outro tipo de transtorno?

 

Gil Lemes Rosa - Infelizmente ainda não existe no uso regular. O que a gente consegue é observar mudanças no funcionamento, principalmente, do cérebro, quando ele está saudável e quando a pessoa está em depressão. Isso é possível sim, tem vários exames que demonstram alterações cerebrais. Mas não é nada que a gente possa falar: "Então vamos fazer esse exame e se esse exame vier alterado ai a gente dá o diagnóstico de depressão". Isso não existe ainda. É quase que uma luta contra o invisível.

 

Têm vários estudos buscando esses marcadores, essas possibilidades de diagnósticos. Acredito que no futuro alguns transtornos vão ser possíveis de se diagnosticar dessa forma. Atualmente a gente só consegue sabendo da história desse paciente e não buscando uma visão só daquele momento em que a pessoa está, mas da história da pessoa como um todo.

 

MidiaNews - Neste mês é realizado o Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. Qual a importância de se realizar este tipo de campanha?

 

Gil Lemes Rosa - É uma campanha nacional iniciada por vários órgãos e encabeçada pela Associação Brasileira de Psiquiatria, que busca desmistificar o tema e ajudar as pessoas a conseguir falar a respeito de um problema tão grave e, infelizmente, muito frequente na nossa sociedade que é o suicídio. Alerta as pessoas com relação às alterações da sua saúde mental, à necessidades da busca de tratamento e acompanhamento para voltar a estar bem e funcional. É de uma importância imensa para conseguir tirar muito desse estigma e preconceito, do medo e da vergonha de se falar a respeito do assunto.

 

MidiaNews - O senhor considera que falar do suicídio ajuda a combatê-lo?

 

Gil Lemes Rosa - É um mito que se cria acreditar que falar sobre suicídio vai estimular com que ele aconteça. Não é dessa forma que a gente observa que as ações acontecem. Na verdade, há formas adequadas e não adequadas de se falar e poder alertar as pessoas com relação à existência de transtornos mentais, do humor, de possibilidade de tratamentos, de uma volta a uma qualidade de vida. Muitas vezes as pessoas acabam passando por diversos estados e tomando isso como algo a ser levado sozinho, sem buscar ou conseguir ajuda. Isso acarreta diversos problemas, inclusive, gerando as ideações e tentativas de suicídio.

 

É um tema que deve se tornar cada vez mais público para tirar essa visão pecaminosa do suicídio, e poder trazer esse acolhimento para quem passa por uma situação tão grave como essa.

 

MidiaNews - Acredita que atualmente o tema é abordado de maneira assertiva? O que poderia melhorar?

 

Gil Lemes Rosa - O suicídio vem tendo cada vez mais espaço, principalmente depois dos picos da pandemia, onde ficou mais clara e evidente a necessidade de se falar da saúde mental. Hoje ainda se fala pouco sobre e, principalmente, pensando em uma rede pública, se oferecem poucos recursos diante de uma demanda tão grande e crescente.

 

Tem formas de falar assertivamente a respeito do suicídio e tem formas que acabam prejudicando. As formas mais assertivas deveriam focar nas possibilidades de tratamento, de onde buscar acompanhamento, em formas da pessoa conseguir acessar serviços de saúde e identificar situações que possam corresponder a alguns transtornos mentais. As formas equivocadas seriam falar a respeito do método do suicídio, da motivação, de instrumentalizar pessoas que já estavam pensando sobre fazer isso.

 

 

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Joaquim   26.09.22 08h25
Parabéns Gil! Ótima entrevista. Esse assunto deveria ser falado sempre, e discutido em todas as mídias, a saúde mental precisa ser desmitificada.
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ivan costa dos reis  26.09.22 08h19
Bom Dia!!! Realmente tema importante para aqueles se preocupa em ajudar as pessoas, e esse é o sentido maior da VIDA! meu amigo Antonio Menegassi, achei que era pra verificar a quantidade de pessoas cliquei errado ai, e não soube apagar ok, um abraço Boa Semana!
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Antonio Menegassi  25.09.22 16h35
Parabéns Dr Gil, entrevista esclarecedora sobre um tema extremamente complexo e que precisa ser desmistificado. Obrigado!
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