O 2º Anuário Estatístico da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, divulgado em abril deste ano, registrou 3.054 vítimas em 2018, em Cuiabá.
Para a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) e defensora pública estadual, Rosana Leite, o inconformismo dos homens com o fim dos relacionamentos é um dos fatores que contribuem para o aumento das ocorrências de feminicídio e agressão.
Para a defensora pública, a independência conquistada pela mulher nos últimos anos e a recusa em aceitar violências físicas ou psicológicas tem resultado na resposta agressiva dos homens, que não costumam aceitar o pedido de separação.
"A mulher não quer e não aceita sofrer violência dentro de casa. O que isso está 'desaguando'? Em separações e divórcios pedidos, geralmente, pelas mulheres. A mulher, quando está sofrendo agressões, não aceita. Ela tenta sair do relacionamento. Não há motivo para matar mulheres, mas o inconformismo tem motivado feminicídios em Mato Grosso", disse.
Rosana afirmou que Mato Grosso é visto por representantes de outros estados como um "Estado extemamente machista".
"Isso vem desde os priomórdios, com a colonização e a forma que a economia foi construída aqui. Vivemos em um Estado machista, onde os abusos acontecem com frequência, dentro e fora de casa", afirmou.
Em entrevista ao MidiaNews, a defensora pública criticou as falhas na aplicação e a recente mudança na Lei Maria da Penha, falou sobre a importância da vítima perceber os sinais de que vive em um relacionamento abusivo e os fatores que contribuem para os casos de violência contra a mulher em Mato Grosso.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Atualmente, qual a realidade da violência doméstica e familiar em Cuiabá e Mato Grosso?
Rosana Leite – Tivemos uma tímida diminuição entre 2017 e 2018, segundo as estatísticas. Mas não reputo como uma diminuição real. Os dados de violência doméstica e familiar ainda seguem da mesma forma desde que a Lei Maria da Penha foi criada. Antigamente, o Poder Público pouco se importava em quantificar essas ocorrências, agora existe a obrigação desse registro.
Porém, entendo que a violência ainda é a mesma, não houve diminuição nenhuma. Houveram instrumentos para as mulheres denunciarem, atualmente temos insituições e Poderes que elas podem recorrer para evitar ou prevenir que algo pior aconteça. Por isso, a busca por ajuda dessas vítimas têm acontecido cada vez mais. Mas, quanto à diminuição, na minha opinião, não aconteceu.
Mato Grosso é um Estado extremamente machista. Fora daqui, inclusive, representantes de outros estados apontam Mato Grosso dessa forma. Isso vem desde os priomórdios, com a colonização e a forma que a economia foi construída aqui. Vivemos em um Estado machista, onde os abusos acontecem com frequência, dentro e fora de casa. A violência é uma realidade.
MidiaNews – Ainda vivemos em uma sociedade marcada pelo patriarcado. Sendo assim, como combater o machismo, que é o seu principal alicerce?
Rosana Leite – As famílias têm uma grande obrigação de combater esse machismo. Temos essa obrigação na educação, por exemplo, cumprindo o artigo 8º da Lei Maria da Penha. Os pais e mães nunca podem tratar um filho diferente de uma filha. Quando você dá uma educação diferenciada para um menino, você está mostrando que ele é superior a menina. Nós devemos ter muito cuidado quando queremos ser pais e mães, para que no futuro essa criança não venha a se tornar um agressor ou uma vítima de violência.
Naturalizar a violência é algo que acontece frequentemente nas famílias. O desrespeito às mulheres, por exemplo, é algo que acontece em casa. Por exemplo, quando uma criança começa na escola, a menina chega em casa e a pergunta do pai e da mãe é sobre o dia, professores e amigos. O menino é recebido com perguntas sobre as meninas bonitas e namoros. Há diferença de tratamento.
As famílias não estão percebendo que uma criança nasce do sexo feminino e masculino, mas a construção do corpo é delas, assim como a construção da pessoa que elas serão no futuro. As famílias não entendem isso e impõem determinadas situações aos filhos. Vivemos esse ciclo de machismo e patriarcalismo dentro da sociedade. Realmente, está difícil sair dele.
MidiaNews – Entre 2016 e 2018, houve um aumento de 43% dos casos de violência doméstica que chegaram ao Tribunal de Justiça, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – bem como aumento no número de medidas protetivas e em casos tipificados como feminicídio. A que podemos atribuir esse aumento? As vítimas estão deixando de ficar caladas?
Rosana Leite – Atribuo à confiança das mulheres nos Poderes e instituições. A Lei Maria da Penha, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é uma das leis mais conhecidas: 95% da sociedade já ouviu falar ou conhece. Se ela é tão divulgada e se as pessoas conhecem alguns instrumentos da Lei Maria da Penha, reputo que esse aumento pode ter sido por isso. As vítimas estão deixando de se calar, estão tendo mais coragem de buscar esse amparo e proteção.
MidiaNews – Como uma mulher pode identificar que está presa em um ciclo de violência?
Rosana Leite – Não há face para agressores, então quando nós conhecemos um homem, ainda que a princípio seja uma pessoa bacana, não tem nada escrito que diga que ele é um agressor. Com o tempo, elas vão percebendo. Mesmo no início do relacionamento alguns sinais são dados. Hoje, a vida está dentro de um smartphone. Então, o homem que começa a controlar o celular da mulher, reclamar das roupas e determinadas atitudes dela, pode ser um possível agressor. Essa mulher pode estar começando a viver um relacionamento abusivo e tóxico. Ela precisa se atentar a isso, assim como a família e amigos.
No início da Lei Maria da Penha, nós tivemos a dificuldade de entrar na casa das pessoas. Hoje, nós temos outra dificuldade: mostrar para as mulheres que elas são vítimas. Elas precisam se enxergar como vítimas. Algumas chegam para conversar comigo, antes de lavrar o Boletim de Ocorrência, e me perguntam se realmente são vítimas de violência. Devolvo a pergunta, questiono se ela está se sentindo humilhada, constrangida ou se já foi agredida. Se alguma dessas situações já aconteceu, essa mulher é vítima de violência doméstica.
As pessoas que estão em volta também têm uma grande responsabilidade de tentar abrir os olhos dessa mulher. Todos nós temos essa responsabilidade. Se um vizinho ou alguém presenciar uma violência, tem que "meter a colher" e ligar no 190. Antigamente, ouvia-se que "segredo de casa quem conhece é barata". Hoje em dia, não. Hoje, tudo isso mudou. A nossa casa é nosso refúgio. Se tem alguém que evita querer voltar para casa por algum motivo, temos que duvidar da situação e tentar saber como essa mulher está, porque ela pode estar sendo vítima de violência.
MidiaNews – Quais os fatores que mais contribuem para a ocorrência da violência doméstica contra a mulher?
Rosana Leite – A historicidade, a religiosidade, tudo que já foi dito, como: "o que Deus uniu o homem não separa"; "o homem é o cabeça do casal". Todos esses anos que fomos tratadas como cidadãs de segunda categoria.
Conseguimos a nossa evolução através das feministas, o movimento fez muito pelas mulheres. Sangue foi derramado para que hoje tivéssemos o mínimo. Lutamos contra várias situações, contra cantadas nas ruas, o medo que a mulher tem de andar sozinha nas ruas em determinados horários. Temos uma lei aqui em Cuiabá da parada segura nos ônibus após às 21h. Precisamos saber se isso está sendo cumprido, se os motoristas foram capacitados. Ou seja, há várias situações que ainda fazem a mulher vítima dentro e fora de casa.
MidiaNews – O abuso de alcóol e drogas também ajudam a aumentar o número de casos desse tipo?
Rosana Leite – São potencializadores. A agressão está dentro do ser humano. Ele tem que mudar e quebrar esse paradigma de ser agressor. Acho que o uso de entorpecentes pode potencializar, pode tirar de dentro do homem algo que já está encrustado. Assim como o ciúme. Entendo que a causa é a criação, a historicidade e a dependência econômica.
MidiaNews – A dependência financeira ainda é um fator preponderante para que muitas mulheres permaneçam em um relacionamento abusivo?
Rosana Leite – Às vezes, a mulher foi proibida de se capacitar para o mundo do trabalho, foi proibida até de sair de casa para trabalhar. Quando solteira podia fazer isso normalmente, mas quando se casa ela é proibida até pelo ciúme. Entendo que o ciúme é o pior sentimento que existe, porque o ciumento enxerga algo que ninguém mais vê. É algo que danifica qualquer relacionamento. Não é o a causa, mas potencializa. O que tem que mudar é a essência do ser humano, a criação, a forma como ele enxerga o mundo. Essa é a mudança necessária.
MidiaNews – Ciúmes, inconformismo com o fim do relacionamento, sentimento de posse. A motivação passional ainda impera nos casos de feminicídio e violência contra a mulher?
Rosana Leite – Pelo que tenho visto, sim. Hoje também temos algo que vem acontecendo na sociedade. Tenho percebido que as mulheres estão se capacitando muito mais para o mundo do trabalho, têm se tornado independentes. Hoje uma mulher que é indepentende, que não depende financeiramente do companheiro, não quer mais permanecer em um relacionamento abusivo e tóxico. Ela não quer e não aceita sofrer violência dentro de casa. O que isso está desaguando? As separações e divórcios, quem pedem são as mulheres, geralmente. Dificilmente o homem se separa da mulher, a não ser que ele já tenha outra pessoa.
E a mulher, não. Quando ela está sofrendo violência ou sendo agredida em casa, ela não aceita. Ela tenta sair daquele relacionamento e qual é o viés de tudo isso? O inconformismo com o término do relacionamento, que têm causado tantos feminicídios no Brasil. É claro que não há motivo para se matar mulheres, mas o que mais tem acontecido são feminicídios motivados pelo inconformismo do término do relacionamento.
MidiaNews – De uma forma geral, pode ser traçado um perfil dos agressores e das vítimas?
Rosana Leite – De maneira alguma, não vejo perfil de agressor e nem de vítima. Seria muito mais fácil se isso fosse possível. O que existem são sinais, que a mulher vai identificando aos poucos. Mas não existe perfil, classe social, etnia, condição cultural, escoloridade e profissionalização.
A qualquer momento uma mulher pode ser vítima e um homem pode ser agressor. Inclusive, a própria Maria da Penha foi agredida por um professor com doutorado. Ela era bioquímica, quer dizer, a própria história dela mostra que qualquer mulher pode ser vítima. Em 2013, uma juíza assassinada dentro do Fórum aqui em Mato Grosso. Trata-se de uma mulher que era uma autoridade e foi assassinada sem qualquer chance de defesa. A violência está em qualquer classe social sem qualquer distinção.
MidiaNews – Existem casos de violência contra a mulher em relacionamentos homoafetivos?
Rosana Leite – Nosso núcleo foi um dos primeiros a conseguir uma medida protetiva para uma travesti, que nasceu do sexo masculino e não fez a cirurgia de mudança de sexo porque era portadora do vírus HIV. Mas ela se entendia como mulher. No final, ela pediu a desistência da medida e acabou sendo assassinada. Ela vivia o ciclo de violência doméstica e familiar da mesma forma. Mas o artigo 2º da Lei Maria da Penha, é tão pioneiro e de vanguarda, que foi o primeiro a reconhecer as uniões homoafetivas. Temos muitos casos em Cuiabá.
MidiaNews – Muitas mulheres assassinadas já possuíam medidas protetivas contra o agressor. Há uma incapacidade do Poder Público para fazer cumprir a legislação?
Rosana Leite – Em algumas situações, sim. No que diz respeito ao sistema de Justiça - Defensoria Pública, Poder Judiciário e MPE -, Mato Grosso é referência nacional na aplicação de leis. Mas precisamos que essa referência nacional também esteja em outros âmbitos, tal como no Poder Executivo. Com o novo Gverno, tivemos algo de bom: a Delegacia da Mulher passou a ser prioritária. Porém, ainda precisamos do atendimento 24 horas, que é uma promessa da nova administração para o segundo semestre. A violência doméstica acontece a qualquer hora, principalmente aos finais de semanas e feriados, após as 19h, horário em que unidade já está fechada. Também precisamos de profissionais que tenham capacidade e sensibilidade para atender essas mulheres.
MidiaNews – Então, podemos afirmar que, dentre os Poderes, a "falha principal" está no Executivo?
Rosana Leite – O Poder Executivo está tentando corrigir isso, através da Secretaria de Governo. A Defensoria Pública está presente na Câmara Temática que funciona na Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp-MT) desde agosto de 2017. Com essa participação conseguimos, por exemplo, a instalação da Patrulha Maria da Penha, mas ela funciona hoje em Cuiabá em apenas três bairros.
Precisamos que esse trabalho cresça mais ainda. Hoje, a equipe atende os bairros Dom Aquino, CPA 2 e Pedra 90 – onde está a maior incidência de casos de violência doméstica e familiar. A Patrulha da Maria da Penha ainda não tem duplo efetivo, também estamos tentando resolver isso, mas já tivemos avanços. Temos uma caminhada longa ainda. O número de Boletins de Ocorrências que envolvem mulheres vítimas de violência são muitos, por isso precisamos desse tratamento diferenciado.
MidiaNews – Como funciona o trabalho da Patrulha Maria da Penha?
Rosana Leite – A partir do momento que a vítima faz o Boletim de Ocorrência e consegue uma medida protetiva de afastamento, a Patrulha Maria da Penha visita essa mulher, desde que ela resida em um dos três bairros de atuação. Eles informam sobre a Lei Maria da Penha, perguntam como a vítima está, se o agressor continua rondando a casa dela, etc. Ela também é questionada se deseja receber a visita da Patrulha Maria da Penha. Muitas vítimas aceitam. Tem sido um trabalho maravilhoso de prevenção, para que algo pior não aconteça com a vítima e para que ela se sinta, de fato, amparada.
MidiaNews – Vemos casos de agressores reincidentes, como o caso de Wellington Couto, que foi a júri recentemente e foi condenado há 17 anos pelo assassinato da ex-namorada, em 2017. Recentemente, um empresário foi preso após agredir a ex e mantê-la em cárcere privado e ele já havia sido denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por outra agressão, anos atrás. Apesar da Lei Maria da Penha, há uma sensação de impunidade?
Rosana Leite – A Lei Maria da Penha é efetiva e eficaz, mas precisamos, de fato, saber o que acontece na casa de cada vítima. A medida protetiva, que fique bem claro, é um papel recebido pelo homem e pela mulher. A vítima recebe o documento informando sobre o amparo da lei e afastamento do agressor, que é a medida que tem garantido a integridade física das vítimas. Mas, que fique claro, é um papel.
Quando a mulher registra o Boletim de Ocorrência e pede pela medida protetiva, ela também precisa evitar algumas situações e, caso a determinação não esteja sendo cumprida, ela precisa nos comunicar. O agressor conhece a rotina e os passos da mulher, é muito fácil ele praticar um mal maior, como um feminicídio ou lesão corporal grave, como aconteceu com a própria Maria da Penha.
A vítima precisa nos comunicar sobre qualquer situação que esteja descumprindo com a lei. Ela precisa, imediatamente, buscar a Defensoria Pública, o MPE, e registrar um novo Boletim de Ocorrência, se for o caso. O descumprimento da medida protetiva é crime, mas a vítima precisa nos procurar para fazermos valer a efetividade da lei.
MidiaNews – Mas, dessa forma, não estamos culpando a vítima pelo o que possa vir a acontecer com ela?
Rosana Leite – Não estamos culpando a vítima, mas o homem conhece a rotina dessa mulher. Então, ela é quem pode nos dizer se o agressor está rondando a casa dela, se está mandando mensagem de texto, porque, com a medida protetiva, ele não pode procurá-la de nenhuma maneira, nem pelas redes sociais. Nós estamos em um país que não basta gritar "polícia" e eles estarão ao pés.
A mulher precisa acreditar que a ameaça é real. Muitas mulheres não acreditam quando o homem diz que vai matá-la. Elas pensam no fato de que compartilharam sonhos, esperanças e planejaram o futuro com o agressor. Por isso, acabam não acreditando que uma pessoa com quem dividiram a intimidade e a vida poderiam cometer um mal maior contra elas.
MidiaNews – Atualmente, houve uma alteração na Lei Maria da Penha com relação às medidas protetivas de urgência, que agora podem ser determinadas pela autoridade policial. Isso pode ser considerado como uma conquista?
Rosana Leite – No início, a Lei Maria da Penha foi tão maltratada quanto as mulheres. Foi xingada e chamada de inconstitucional. Com essa alteração, nós corremos o risco de que ela volte a ser tratada dessa forma. Existe, dentro da Constituição Federal, o princípio da reserva da apreciação pelo Poder Judiciário em algumas questões, como por exemplo, no deferimento da medida protetiva.
Então, quando se defere algo, é responsabilidade do Poder Judiciário, é um pricipio de reserva jurisdicional. Por isso corremos o risco, mais uma vez, da lei ser chamada de inconstitucional.
MidiaNews – A senhora enxerga isso como um "atropelamento" entre os Poderes?
Rosana Leite – Sim, é um atropelamento, é invadir a seara de um outro poder. Não entendo essa alteração como positiva, até porque a polícia não tem efetivo suficiente nem para cumprir o que precisamos. Por exemplo, faltam policiais para acompanhar as vítimas no Instituto Médico Legal (IML) ou até à casa delas para retirada dos pertences.
Como cumprir essa medida protetiva, se depois ela passará pelo crivo do Poder Judiciário? Caso seja deferida pela autoridade policial e depois indeferida pela autoridade judiciária, isso não causará uma insegurança nessa mulher? Então temos cláusulas que são de reserva jurisdicional, tal como essa.
Porém, há uma alteração que foi boa dentro dessa mesma proposta sancionada, que é a criação de um banco de dados dentro do Conselho Nacional de Justiça com todas as medidas protetivas do país. Entendo como benéfico que se guardem todas as medidas dentro desse sistema.
MidiaNews – Treze anos depois, a Lei Maria da Penha tem todos os seus artigos colocados em prática?
Rosana Leite – A Lei Maria da Penha tende a dar certo se for cumprida na integralidade. Por exemplo, temos o artigo 8º que não é cumprido como gostaríamos. Agora que estamos conseguindo formar uma rede de atenção a mulher em Cuiabá, conforme previsto na lei. Também conseguimos implantar a Patrulha Maria da Penha, para que a mulher possa ser encaminhada corretamente. Outro ponto importante previsto na lei é a inclusão do debate sobre violência doméstica e familiar nos currículos escolares.
MidiaNews – Qual a importância dessa inclusão?
Rosana Leite – Mostrar para as crianças, desde a tenra idade, os males que a violência causa dentro de casa. Por exemplo, quem tem filho pequeno sabe que o Código Nacional de Trânsito é ensinado nas escolas. Tenho um filho de 10 anos e, se eu não parar no sinal amarelo, ele me chama atenção porque aprendeu isso na escola. Todo comércio também precisa ter o Código do Consumidor à mostra. Então, por que não termos mais atenção com essa violência que acontece dentro de casa e que não fica só ali? A violência sai desse quadradinho e atinge toda a sociedade.
Como defensora pública, visito presídios e cadeias no interior e na Capital, sempre tive a curiosidade de saber mais sobre essas pessoas que estão em situação prisional. Depois que eles me contam sobre o delito que cometeram, pergunto como foi a infância. A maioria esmagadora me relatou violência doméstica e familiar. É um ciclo que se repete. Muitos deles relataram a pior das violências, que é a sexual.
Acha-se ainda que a violência doméstica e familiar é um caso só de direito da mulher, mas não analisam o macro. Hoje, essas pessoas que sofreram violência na infância estão desaguando para toda a sociedade o que elas passaram. Por isso, é importante quebrar paradigmas que não são fáceis. Está relacionado com a história e religiosidade por trás de um país que se diz laico, mas não é.
Precisamos que esse assunto seja trabalhado nos currículos escolares. São 141 municípios e nenhum deles têm um planejamento educacional sobre isso. Em Mato Grosso, temos uma lei que está sendo apreciada pela Assembleia Legislativa para que aconteça essa inclusão, mas ainda não temos aprovação.
MidiaNews – Como está a tipificação dos casos de feminicídio em Mato Grosso? Eles estão sendo registrados?
Rosana Leite – Estamos trabalhando, justamente dentro da Câmara Temática, na Sesp, para que o Boletim de Ocorrência e a investigação sejam mais específicos quando se diz respeito à tentativa ou morte de mulheres. Quando uma mulher é assassinada, não nos interessa apenas autoria e materialidade. Para diagnosticar se foi um feminicídio tem que ter muito mais minúcia, saber como viva aquela mulher, quem era mais próximo.
A Sesp ainda trabalha para que nós tenhamos o número correto de feminicídios. Hoje nós tratamos de assassinato de mulheres, mas ainda não como gostaríamos. Geralmente, digo que 90% dos assassinatos de mulheres são feminicídios. Sou muito incompreendida por isso, mas se olharmos a legislação ao pé da letra, feminicídio é quando a mulher morrer por ser mulher ou dentro do ambiente doméstico e familiar. As notícias de mortes de mulheres podem ser enquadradas nessa situação.
MidiaNews – Você luta pela defesa das vítimas de violência doméstica e familiar há muitos anos. Não se sente cansada?
Rosana Leite – Realmente é um trabalho de formiguinha. Agora, temos uma esperança. A presidente em exercício da Assembleia Legislativa, deputada Janaína Riva (MDB), convidou a Defensoria Pública, o Poder Judiciário, o Ministério Público Estadual e a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher para a criação do aplicativo "Na Palma da Mão", para smartphones. É algo que trará para as mulheres uma outra realidade em Mato Grosso.
Ainda estamos conversando com as mulheres, perguntando o que elas querem nesse aplicativo. Depois de apertar o botão e pedir ajuda, o que ela quer depois? A princípio, queremos algo bem simples, que não pese o celular dela. Ela poderá baixar o aplicativo e, através do localizador, em caso de ela estar sofrendo uma violência doméstica, imediatamente pode apertar um botão do pânico, que aciona a Polícia Militar e algum familiar.
Estamos conversando com a PM para que eles aprovem que o aplicativo acione diretamento o Ciosp [Centro Integrado de Operações de Segurança Pública]. Ela pode adicionar várias contatos para serem acionados. Não tenho dúvida que isso salvará muitas mulheres em um momento crítico. Como havia falado, não basta gritar “polícia”. Infelizmente, o efetivo é pequeno, não só em Mato Grosso, mas no Brasil inteiro. Se a mulher acionar esse aplicativo as autoridades saberão que uma vida está em jogo.
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1 Comentário(s).
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Graci Ourives de Miranda 02.06.19 23h46 | ||||
Dra. Rosana, que linda sua entrevista. Bjs na família linda. Saudades. | ||||
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