Cuiabá, Segunda-Feira, 29 de Dezembro de 2025
RENATO DE PAIVA PEREIRA
29.12.2025 | 08h09 Tamanho do texto A- A+

A onça, o veado, o jegue e o homem

Homo Sapiens teve sorte de não nascer onça, veado ou jegue

A onça-pintada, dessas que vagam nas matas tropicais buscando comida, um parceiro para transar ou para espantar a preguiça, tem um destino previsível, mas ela não sabe disso.

 

Sua espécie costuma viver uns 10 anos em boa forma, começando então um constante e irreversível declínio. A caça ao veado que mata sua fome vai ficando cada vez mais difícil, parecendo-lhe que este cabrito saboroso está mais ligeiro a cada dia. Na verdade, ela sim, perdeu velocidade.

 

Quando chega aos 12 anos, começa a emagrecer e a carne que precisa para reabastecer o corpo fica difícil. O fim se aproxima.

 

Um dia não acordará, para a alegria dos urubus, que espreitam sua decadência.

 

O elegante veado, sempre perseguido pela majestosa onça, costuma escapar dela porque, com a força e destreza que a natureza lhe deu, é rápido e matreiro. Mas, eis que um dia, já chegando aos 10 anos de idade, começa a perder o pique. Em breve, a onça, talvez a filha daquela de que falamos lá em cima, o alcance e coma sua carne nutritiva.

 

O jegue é diferente, ele nasceu pra ser escravo. Sua vida pode chegar aos 25 anos de idade; um pouco mais se seu dono for muito zeloso. Mas, a partir dos 20, seu passo fica mais curto, sua e arqueja sob o peso que carrega. Mesmo assim, continua buscando água na mina, agora debaixo de chicote do dono, que o julga preguiçoso e malandro.

 

Mais alguns anos, aproveitando sua desnutrição e falta de defesas naturais, os parasitas começam a atacá-lo. São micuins, carrapatos, sarnas e piolhos que ajudam a arruinar as forças já escassas.

 

Agora que não tem mais serventia, é abandonado na estrada para se virar por conta própria, buscando comida escassa e água distante até morrer. Se tiver sorte, será levado para um curral de jegues abandonados, que é o SUS dos asnos.

 

O vaidoso Homo Sapiens teve sorte de não nascer onça, veado ou jegue. Sua espécie vive uns 70 anos. Normalmente, não terá o destino da onça que pouco a pouco vai perdendo a capacidade de caçar até morrer de fome.

 

Também não é semelhante ao veado, cuja vida depende de fugir da onça todos os dias. O homem está no topo da cadeia alimentar e não tem predador que cobice sua carne.

 

Ele, diferente do jegue que transporta água e mandioca sob varadas até não aguentar mais, não será abandonado à sua própria sorte. Sempre haverá alguém que lhe dê comida, abrigo ou remédios para os males mais urgentes.

 

Esta vantagem do homem para a onça, para o veado e o jegue seria ótima, não fosse um detalhe: estes não sabem quem são e nem sofrem a expectativa da morte inevitável, mas o homem é senciente e sapiente: tem sensações e consciência de si e do fim. Por isto se atormenta e se entristece. 

 

Entretanto, o sapiens é esperto: inconformado e angustiado com as mazelas diárias e a certeza da finitude, concebeu para si uma vida eterna e inventou a religião para levá-lo até ela.

 

Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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