Cuiabá, Quarta-Feira, 16 de Julho de 2025
MICHELLE LEITE DE BARROS
21.04.2021 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

De vítima a vilã

Socialite brasileira foi assassinada em 1976 por marido, que fugiu

Ângela Diniz foi uma socialite brasileira assassinada em 1976 pelo seu companheiro Doca Street. O casal estava passando uma temporada na casa que Ângela possuía na Praia dos Ossos, em Búzios, quando por conta de uma discussão, Doca atirou quatro vezes na companheira e fugiu.

                   

O crime foi amplamente divulgado pela mídia, mas o que mais nos choca até hoje é o fato da sociedade na época culpar Ângela pela sua morte. Por ser uma mulher extremamente linda, sedutora e namoradeira, ela chamava atenção por onde passava, assim provocando ciúme e inveja nas pessoas. Em entrevista nas ruas à época do crime, muitos e muitas falaram que o problema era como Ângela se vestia, o fato dela fazer top less, julgando que ela era “muito para frente”, nas palavras dos entrevistados e entrevistadas (recomendo ouvir o Podcast “Praia dos Ossos”, lançado em 2020 pela Rádio Novelo).

                  

O mais aterrorizante foi o primeiro julgamento de Doca Street. As pessoas diziam que ele havia matado por amor e a defesa seguiu alegando que a culpa era da vítima pelo fato dela ter beleza e sensualidade. Dessa forma, a tese do advogado foi a da legítima defesa da honra, esta que nunca esteve tipificada no Código Penal Brasileiro.

 

Durante todo o julgamento, o que foi questionado era a moralidade sexual da vítima. Sim, colocaram Ângela Diniz como vilã da história que tirou sua vida.

 

O Tribunal do Júri condenou Doca a uma pena de dezoito meses pelo crime, com direito a sursis. Por já ter cumprido um terço preso, foi liberado.

 

O mais aterrorizante foi o primeiro julgamento de Doca Street. As pessoas diziam que ele havia matado por amor           

Tal fato causou enorme revolta nos Movimentos Feministas. Devido à pressão desses movimentos, Doca foi levado a um segundo julgamento. Nesse, as feministas foram decisivas. Mulheres acamparam com faixas e cartazes em frente ao Tribunal de Cabo Frio – “sem condenação, mais mulheres morrerão”.

 

O delegado de Cabo Frio aprovou o movimento das feministas e ainda ofereceu uma casa de apoio.

                 

No segundo julgamento, o assassino de Ângela foi condenado a quinze anos de reclusão por homicídio qualificado. A condenação de Doca Street foi considerada uma conquista do Movimento Feminista.

                       

Vale lembrar que Doca tinha fã clube e seu advogado, no primeiro julgamento, chamou Ângela de prostituta de alto luxo e pantera que arranhava com suas garras os corações dos homens.

               

Na década de 70 uma mulher foi morta por ser quem era e grande parte da população foi a favor do assassino. Isso não acabou. Abrimos todos os dias jornais e encontramos notícias de feminicídio. E ainda há pessoas defendendo homens e mulheres nitidamente machistas. Se você ainda não percebeu que o machismo mata, eu não sei mais como te dizer. Não é piada, não é engraçadinho, não é brincadeira, não é “mi mi mi”.

           

Ângela Diniz foi julgada junto com Doca, pois ela não podia ser uma mulher livre, linda, sensual e que gostava de flertar. Para não ser morta, ela deveria seguir à risca as regras que a sociedade impõe: mulher recatada e do lar. Você aceita essas regras ou prefere ter a liberdade de ser quem quiser?  

 

Michelle Leite de Barros é advogada e servidora pública municipal.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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Eduardo  26.04.21 10h59
O feminismo tentando se vangloriar de "conquistas" que não são suas. Quando escrevemos sobre fatos históricos, devemos contextualizar. À época do julgamento, existia uma corrente jurídica que defendia a tese da legítima defesa da honra, instituto que não fazia mais parte do Código Penal, mas ainda tinha alguma aceitação na jurisprudência minoritária. O primeiro julgamento ficou marcado pela atuação do advogado Evandro Lins e Silva, que conquistou o júri com sua desenvoltura, principalmente, nas alegações finais. A expressão mais usada no julgamento para qualificar a vítima era "mulher fatal", adjetivação distinta de prostituta. Se tiver curiosidade, leia os registros do julgamento. A OAB/SP mantém um acervo muito interessante sobre o caso. Aliás, não houve imputação de culpa à vítima, mas apenas que a passionalidade foi a causa do crime. Tanto que o réu foi condenado no primeiro julgamento. Qualquer julgamento pode incorrer em equívocos, inclusive, quando homens aparecem como vítimas de violência. É bem por isso que o duplo grau de jurisdição aperfeiçoa eventuais deslizes jurídicos, como no caso. No segundo julgamento, houve condenação por homicídio doloso, corrigindo a aplicação equivocada de jurisprudência que já estava superada na época. Nenhum movimento feminista influenciou na reforma da sentença ou no segundo julgamento. Aliás, não sei se a omissão do artigo foi intencional, mas o que determinou um novo julgamento? A "revolta dos movimentos feministas" ou o recurso interposto pelo Ministério Público? E quem determinou esse novo julgamento? Alguma feminista ou o Tribunal de Justiça? Se houve pressão, foi da sociedade como um todo, diante da repercussão nacional do caso. Inclusive, se houvesse esse machismo enraizado, como seu texto sugere, não haveria a reforma da primeira decisão e a modificação da sentença no segundo julgamento. Ninguém, homem ou mulher, merece ter ceifada sua vida como aconteceu com a vítima, e o segundo julgamento foi mais acertado que o primeiro. Mas, nem de longe, aconteceu por uma atuação de movimentos feministas. Desculpe, mas isso é deturpar a história e os fatos. Ocorreu um embate de teses jurídicas e não machismo versus feminismo. O Brasil continua um país violento. Não só contra a mulher, mas em todos os seguimentos da sociedade. Segregar enfraquece e taxar de machistas todos que não forem feministas, a meu ver, não é a melhor solução. Enfim, só não me chame de machista por discordar da sua opinião (isso é mi mi mi).
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Maria Mariana Costa  21.04.21 21h31
Parabéns dra. Michelle pelos inúmeros artigos que contribuem na reflexão sobre o feminismo.
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