Cuiabá, Sábado, 19 de Julho de 2025
PERCIVAL PUGGINA
06.03.2017 | 08h21 Tamanho do texto A- A+

Estancar sangria

Essa mesma sangria entrega poder a espertalhões e afasta os sábios; cria um Estado de parvos e cúmplices

Na conversa gravada com Sérgio Machado, Jucá registrou a necessidade de um acordo para travar a Lava Jato como forma de "estancar a sangria". Esse era o nome que ele dava ao jorro de denúncias, delações, investigações e prisões que, à época, diariamente, inundavam o noticiário.

 

Para os pichelingues do erário, as seis gongadas do cuco eletrônico marcavam a hora dos horrores. A qualquer momento a Polícia Federal poderia bater à porta. Dá para viver assim? Por isso, aqueles cavalheiros de punhos limpos e alma suja ansiavam e anseiam pelo fim da Lava Jato.

         

Para os feirantes nos negócios do Estado, nada pode ser mais prejudicial do que a atividade desenvolvida em Curitiba. Contra ela se mobilizam altíssimos escalões da República e poderosíssimos agentes econômicos, para os quais uma cifra de milhões é fração. Contra a Lava Jato, a peso de ouro, confabulam alguns dos mais astutos e argutos advogados do país.

 

E o STF? Pois é, já vi tantos ministros deliberarem, como queiram, ora com olho na forma da lei maior e contra seu espírito, ora no espírito da lei  maior e contra sua forma, que o somatório das incoerências me levou à absoluta desconfiança. Quem devolve às ruas uma pessoa como o goleiro Bruno, ou manda indenizar presos, está, minimamente, preocupado com o bem da sociedade? Não, o meliante Jucá, que precisa de uns poucos votos para ser senador na despovoada Roraima, talvez dê mais importância aos cidadãos. São duras estas palavras? São, sim, eu sei.

 

A sangria que precisamos estancar é outra! Faz lembrar um derrame cerebral, um AVC nas instituições. Afeta funções importantes do corpo político deformando ou impedindo sua correta operacionalidade. É por causa dela que só tem base suficiente para governar quem integre ou negocie com a organização criminosa.

 

Essa mesma sangria entrega poder aos espertalhões e afasta os sábios; cria um Estado de parvos e cúmplices; deixa-se roubar em bilhões e despacha os talentos. Não quer gente séria por perto.

    

Nosso AVC institucional implodiu os partidos políticos no que neles há de mais precioso e singular - seu programa, seus princípios, seus valores. Ou os partidos nascem disso, por causa disso, com vistas a isso, ou nascem assim como se forma uma nuvem de gafanhotos, voando na direção dos postos de poder.

 

Dirigentes partidários, líderes políticos deveriam ser condutores com ideias na cabeça, ideais no coração e mãos operosas. São ingênuas estas palavras? São, sim, eu sei. Mas só o são porque a sangria nos levou a um realismo hipócrita que tornou ingênua, de fato, a mera normalidade.

    

A normalidade não nos faria sangrar 12,5 milhões de postos de trabalho. A normalidade não nos traria a estas pautas que abastecem as conversas cotidianas. Nela, na normalidade, partidos políticos seriam reconhecidos por suas propostas para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país e não pelos prontuários de seus dirigentes. Sem essa sangria que nos levou o Brasil, não haveria entre as legendas brasileiras tanto banco de sangue à disposição dos vampiros da política. São duras? Sim, sei.

      

Enquanto no mundo civilizado, os países com boas instituições debatem grandes temas nacionais e internacionais, suas perspectivas de desenvolvimento econômico, tecnológico, sua sustentabilidade, sua integração, nós discutimos os humores de Jucá e de Moreira Franco e as delações de Marcelo Odebrecht. Enquanto o mundo civilizado está nas páginas de política internacional, economia, cultura, nós colocamos o país inteiro nas páginas policiais.

 

Enquanto no mundo civilizado, a sociedade faz os debates, nós somos espectadores do Estado e escolhemos alguns personagens para vaiar. Estancar sangria é, também, acabar com isso e criarmos partidos que acreditem mais nas potencialidades da sociedade do que no suposto e fajuto protagonismo do Estado.

 

Percival Puggina é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia



Leia mais notícias sobre Opinião:
Julho de 2025
19.07.25 05h30 » Duplo vínculo na saúde
19.07.25 05h30 » Cidade descontinuada
19.07.25 05h30 » Saúde Social
19.07.25 05h30 » Construindo o futuro
18.07.25 05h30 » Violência de gênero
18.07.25 05h30 » Qual é seu PoV?
18.07.25 05h30 » Tribos Digitais
17.07.25 05h30 » O jogo do perde-perde