Cuiabá, Sexta-Feira, 18 de Julho de 2025
EDUARDO MAHON
26.04.2017 | 11h02 Tamanho do texto A- A+

Mc Donald's Judicial

A afirmação que o juiz decide como quer, como sente, com todos os seus conceitos e preconceitos, é um tapa na cara

O sistema decisório é um simulacro de voluntarismo. Para os estudiosos de filosofia da ciência, nenhuma novidade. Para outros teóricos que se empenham em compreender o fenômeno do poder, é chover no molhado. Mas para o meio jurídico, 

 

O pensador italiano Franco Cordero, um dos vanguardistas do processo penal, juntamente com Luiggi Ferrajoli, dizia que um juiz que vai à cata de provas é um paranoico. Já o segundo citado, pai do garantismo, afirma que há uma espécie de termômetro, onde se mede maior ou menor incidência de inquisição ou de garantia nos sistemas de cada país. Tenho a lamentar que, no Brasil, diante da atual composição do Supremo Tribunal Federal, vivamos sob o jugo de uma jurisdição de exceção. 

 

Quero deixar claro que não se trata de estado de exceção e sim jurisdição de exceção. Deparando-se com a pressão da mídia, da opinião pública formada por essa mesma demanda midiática, o magistrado rompe com o texto legal para fazer da hermenêutica uma lei não escrita. O modelo latino de processo desapareceu no Brasil no emaranhado de contemporizações com os casos concretos. Julgar conforme a cara do cliente, resume tudo.

Já se chegou a prender com o fundamento de que o preso é bem relacionado

 

Mais vale a interpretação do que a legislação, é mais importante o que o julgador acha do que está claramente lavrado em lei. Não se trata de uma revolta do julgador com a norma. Não é nada disso. Nem é tão intelectual assim. Ocorre que alguns juízes se autoproclamaram tutores da vontade legislativa, emendando o legislador, deslegitimando o processo político de elaboração da lei. É o que chamamos de ativismo judicial. De tanta liberdade e descolamento com os códigos, o juiz chega às interpretações mais insólitas, podendo decidir mesmo contra a lei. 

 

Não estou de má vontade. Para ilustrar esse feudo hermenêutico, dou alguns exemplos. Já se sabe há 70 anos que a prisão preventiva tem quatro fundamentos: garantia da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Até os piores acadêmicos de Direito decoram essas quatro razões cautelares para passar na prova de processo penal.

 

Pois bem. Os juízes começaram a forjar outros fundamentos para prender cidadãos: gravidade do delito, repercussão social, periculosidade do agente, postura de não colaboração. Já se chegou a prender com o fundamento de que o preso é bem relacionado e, por conta de suas ótimas conexões sociais, poderia influir negativamente no curso do processo.

 

Essas e outras injunções são, na verdade, incursões ilícitas noutras áreas do conhecimento das quais os operadores do Direito não costumam ter nenhuma formação. Psicologizaram, sociologizaram, antropologizaram o processo penal.

 

O problema não é o disparate de um magistrado. A questão vira um escândalo quanto os tribunais superiores, formados por colegiados de juristas experimentados, homologam tais noções lombrosianas. Pior: quando cada julgador ignora a lei com fundamentos diferentes. É o que está ocorrendo. O processo penal é visto como no século dezenove – um instrumento para punir.

 

Os julgadores estão esquecendo das origens modernas do processo e dos matizes contemporâneos. Convém lembrar, portanto: o processo é uma forma de resistência contra o direito punitivo monopolizado pelo Estado. Contemporaneamente, é uma forma de teatralização e reconstrução mediata do fato investigado, assumindo-se honestamente que é impossível chegar à verdade. Justamente por isso, o interrogatório passou de meio de prova para meio de defesa, a resposta preliminar tornou-se a regra do procedimento ordinário, entre outras guinadas de uma tônica inquisitiva para acusatória.

 

O juiz trabalha muito. Mais do que deveria, inclusive. Tem pouco tempo para ler. Menos tempo ainda para refletir. O próprio magistrado é julgado por produtividade, como se fosse operário de uma fábrica de sentenças. Ganha promoção o melhor operário, o juiz que decidir mais, numa corrida egocêntrica para lançar os resultados em tabelas, gráficos e, claro, impressionar o tribunal-pai. Esse enorme equívoco está produzindo uma linha de produção defeituosa, da matéria-prima ao produto acabado.

 

Os pressupostos da decisão não estão claros e a própria decisão não se sustenta nem na lei, nem muito menos no tour psiquiátrico e sociológico que o magistrado se mete a fazer. Se o Poder Judiciário não sair dessa paranoia de tratar o jurisdicionado como cliente, não poderemos esperar mais do que um MacDonald judicial como sentença.

 

Eduardo Mahon é advogado

 

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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COMENTÁRIOS
7 Comentário(s).

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Anna Rubia Pedrosa e Silva  26.04.17 19h50
Excelente opinião Dr. Realmente os Juízes(as) vem externando em suas decisões opiniões próprias.
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Raphael  26.04.17 18h30
A situação aludida é agravada quando os advogados (maioria esmagadora) utilizam-se da premissa de que o "juiz conhece a lei" para fazerem peças extremamente pobres de fundamentação.
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Jorge Cintra  26.04.17 16h48
Nestes 70 anos o crime evoluiu! Em corrupção dificilmente tem assinaturas, documentos claros indicando corrupção... Estes juízes e promotores mais jovem estão mostrando um trabalho moderno, inteligente e eficaz.. Vamos dar créditos pra eles, o Brasil precisa.
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Cícero  26.04.17 16h20
Peço vênia ao ilustre advogado para discordar da opinião exposta neste artigo. O juiz Sérgio Moro já explicou várias vezes que estamos vivendo um momento de extrema corrupção. A Bíblia em II Timóteo 3:1-7 confirma essa afirmação. Diante desse quadro generalizado de anormalidade, nada mais natural o juiz agir com mais firmeza. Se não proceder dessa maneira, seria terra arrasada. Sobraria absolutamente apenas o caos. Na minha opinião, o que foi escrito é o pensamento de um advogado que recebe bons honorários, mas que não está conseguindo convencer o juízo da inocência dos seus clientes. Para a sociedade isso é muito bom.
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Edio Marques  26.04.17 15h38
Quando o juiz interpreta aplicação da lei pela manutenção da prisão do sujeito que cometeu crime, não está interpretando contra a lei, mas sim à luz da Constituição Federal. Quando a CF/88 se refere ao direito a liberdade, diz o direito de todos. Quem nesse país tem liberdade de ir e vir, com tanta criminalidade? Estatísticas criminais comprovam mais de 70 mil mortes decorrente de homicídios e seus correspondentes, ora, como viver com liberdade desse jeito. Como andar em qualquer hora e em qualquer lugar com tantos crimes. Até mesmo o Secretário de Segurança Pública, Jarbas, já emitiu nota de os crimes de roubo e furto são os maiores incidentes em nossa sociedade local. Sob forma geral, as leis são brandas para proteger bandidos e em desfavor da sociedade, em completa ressonância de ideologia comunista, em aplicação de suas etapas de expansão. Deixar a sociedade desarmada e insegura, posto que apenas o cidadão de bem é que não pode ter porte de arma, é outra etapa. Aplicar a lei para prender bandidos é interpretação em favor da sociedade, do texto maior.
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