Se a sociedade tivesse um espelho, ele provavelmente teria o formato de um donut.
E quem o seguraria seria Homer Simpson — feliz, distraído e endividado.
Em Os Simpsons, o consumo é quase um personagem. Springfield é uma cidade movida por publicidade, promoções e desejos descartáveis.
Tudo tem preço, inclusive a consciência. Quando Marge se endivida pra comprar um casaco azul, ou Bart enlouquece por um brinquedo novo, o desenho está rindo daquilo que a gente chama de “vida normal”.
A piada é boa até a gente perceber que somos nós, ou alguém que conhecemos representados no desenho.
Quem nunca comprou por tédio, clicou em um anúncio de “frete grátis” que saiu caro, ou acreditou que a felicidade vinha num pacote de 12x sem juros?
O problema é que a compulsão por compras não é apenas um exagero, é um vício real, com sintomas, gatilhos e recaídas. A diferença é que, ao contrário do álcool ou do cigarro, esse vício é aceito e incentivado. Ser “consumista” virou sinônimo de estilo, autoestima e sucesso. A sociedade chama de “tendência” aquilo que, na verdade, é dependência disfarçada de liberdade.
E os estímulos estão em toda parte. Filmes, novelas e comerciais de TV constroem o mesmo enredo: quem consome é feliz, amado e admirado. O produto é o passaporte para pertencer. As marcas prometem o que nenhuma terapia pode garantir: amor, status e aceitação.
As vitrines escancaram: “SALE!”, “Últimas peças!”, “50% off!”.
Mas o que vendem, na verdade, é ansiedade. O prazo curto, o “só hoje”, o “restam poucas unidades”, tudo é calculado para disparar o medo de perder, o famoso FOMO (fear of missing out).
O consumidor acredita que está economizando, quando na verdade está cedendo a um reflexo condicionado.
Compra sem pensar, como quem tenta romper o silêncio do medo e das preocupações com o barulho das sacolas.
O capitalismo aprendeu a vestir o consumo de liberdade e a transformar carência em consumo.
Vivemos numa sociedade que mede felicidade por sacolas e status por ostentação. Você volta pra casa com as mãos cheias, mas ao fechar a porta, percebe: as sacolas estão cheias, você, não.
Os Simpsons mostram que o consumo não é só sobre produtos, mas sobre preencher vazios. Cada donut do Homer é uma anestesia para o cansaço; cada liquidação, uma tentativa de curar o tédio. O capitalismo aprendeu a vender conforto emocional, e, nós, obedientes, aprendemos a comprar.
Marge compra para se sentir suficiente. Homer consome para não pensar. Bart deseja tudo o que brilha, e Lisa tenta resistir — mas a cidade inteira parece feita de vitrines. Springfield é o espelho colorido da nossa vida real: engraçado, barulhento e, às vezes, triste.
Afinal, nada mais fácil do que confundir ter com ser, principalmente quando o celular está na mão e o computador à sua frente.
Basta um clique para transformar o desejo em dívida, e o tédio em compra.
Vivemos em tempos em que o conforto do sofá virou vitrine, e o prazer momentâneo cabe em um botão: “adicionar ao carrinho”.
Em Springfield, o humor é a isca; a crítica, o anzol.
E, no fim das contas, talvez sejamos todos um pouco Homer — tentando preencher o vazio existencial com cobertura de chocolate.
Andrea Maria Zattar é advogada trabalhista, previdenciarista.
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