Para muitos, a História não passa de um quadro velho pendurado na parede com a imagem vetusta de um personagem engalanado e coberto de medalhas.
Ou seja, uma figura abstrata do passado longínquo e sem conexões com a realidade atual. São vultos de uma memória esgarçada pelo tempo, pálidos retratos de uma nação imaginária, quando guerras e conflitos forjavam heróis e vilões.
As novas gerações olham para o futuro, interessam-se pouco sobre as brumas do passado. Focam o amanhã como objetivo, deixando o ontem para as cantilenas e o folclore dos moribundos. O porvir é dinâmico e atraente; o que findou, ao contrário, é lento e carregado de sentimentos, reflexões e culpas.
Mas, a História não pode ser confundida com um compêndio de letras mortas; ela tem energia e possui a capacidade de transformar os eventos contemporâneos. Ela é a bússola pela qual se guiam os novos exploradores. É a lanterna que ilumina atalhos e antevê abismos e tormentas.
Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta, seu pseudônimo), um dos redatores e cronistas mais brilhantes que já habitaram este país, escreveu uma letra para satirizar os enredos das escolas de samba cariocas que abusavam dos temas pomposos e recheados de vultos históricos: o Samba do Crioulo Doido.
Na música, o autor promovia o casamento de Dona Leopoldina (Imperatriz do Brasil) com Tiradentes; no trecho mais hilário da composição, dizia que “Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), queria ser dono do mundo e se elegeu Pedro Segundo”...
O letrista ironizava, justamente, a imposição de uma cultura enciclopédica aos sambistas do morro, homens criativos, mas de pouco saber formal. O Samba do Crioulo Doido perdurou como uma piada sagaz e inteligente durante décadas. Era a irreverência levada ao patamar de arte popular.
Eis que o governo estadual publica uma cartilha, com verdadeiras pérolas sobre a história de quatro municípios mato-grossenses.
Trata Barão de Melgaço como o “cu do mundo”, diz que Cáceres foi colonizada por “freiras lésbicas celibatárias”, que os bandeirantes chegaram a Santo Antônio do Leverger e exclamaram “Que Pantanal porra nenhuma, nós queremos ouro!”, e, finalmente, que Poconé tem sua origem em “muambeiros e meretrizes”.
Seria cômico, se não fosse trágico. O texto reproduzido de um site de humor chamado “Desciclopédia” é uma paródia do Wikipédia e trata com deboche e escárnio os temas ali postados. É engraçado... Piadas de gosto duvidoso, principalmente para os cidadãos destes municípios, mas escrito com soberba inteligência e desconcertante irreverência.
Por outro lado, é dramático, porque desvenda o pouco caso com o qual instituições governamentais cuidam da educação e da qualificação de nossa gente.
Terceirizam uma atividade estratégica e não se dão sequer ao trabalho de revisar a redação. Será que ninguém leu estas barbaridades? Será que o dinheiro público é tão abundante assim, que ninguém se dá ao dever de fiscalizar sua aplicação?
A história é a lanterna pela qual se conduzem as gerações. O episódio das cartilhas lança luz sobre a leniência governamental e converte-se em evento histórico, profilático e ilustrativo de práticas pouco republicanas.
Erros desta natureza não podem mais se repetir. As autoridades têm a obrigação de revisar, acompanhar e fiscalizar as informações educacionais que são transmitidas à comunidade.
Ou fazem isso com critério e competência, ou correm o risco de escrever mais um sucesso popular: A Cartilha do Governo Doido!
PAULO LEITE é jornalista e escritor em Mato Grosso.