Cuiabá, Sábado, 2 de Agosto de 2025
PAULO LEITE
18.04.2013 | 15h21 Tamanho do texto A- A+

Samba do crioulo doido

O episódio das cartilhas lança luz sobre a leniência governamental

Para muitos, a História não passa de um quadro velho pendurado na parede com a imagem vetusta de um personagem engalanado e coberto de medalhas.

Ou seja, uma figura abstrata do passado longínquo e sem conexões com a realidade atual. São vultos de uma memória esgarçada pelo tempo, pálidos retratos de uma nação imaginária, quando guerras e conflitos forjavam heróis e vilões.

As novas gerações olham para o futuro, interessam-se pouco sobre as brumas do passado. Focam o amanhã como objetivo, deixando o ontem para as cantilenas e o folclore dos moribundos. O porvir é dinâmico e atraente; o que findou, ao contrário, é lento e carregado de sentimentos, reflexões e culpas.

Mas, a História não pode ser confundida com um compêndio de letras mortas; ela tem energia e possui a capacidade de transformar os eventos contemporâneos. Ela é a bússola pela qual se guiam os novos exploradores. É a lanterna que ilumina atalhos e antevê abismos e tormentas.

Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta, seu pseudônimo), um dos redatores e cronistas mais brilhantes que já habitaram este país, escreveu uma letra para satirizar os enredos das escolas de samba cariocas que abusavam dos temas pomposos e recheados de vultos históricos: o Samba do Crioulo Doido.

Na música, o autor promovia o casamento de Dona Leopoldina (Imperatriz do Brasil) com Tiradentes; no trecho mais hilário da composição, dizia que “Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), queria ser dono do mundo e se elegeu Pedro Segundo”...

O letrista ironizava, justamente, a imposição de uma cultura enciclopédica aos sambistas do morro, homens criativos, mas de pouco saber formal. O Samba do Crioulo Doido perdurou como uma piada sagaz e inteligente durante décadas. Era a irreverência levada ao patamar de arte popular.

Eis que o governo estadual publica uma cartilha, com verdadeiras pérolas sobre a história de quatro municípios mato-grossenses.

Trata Barão de Melgaço como o “cu do mundo”, diz que Cáceres foi colonizada por “freiras lésbicas celibatárias”, que os bandeirantes chegaram a Santo Antônio do Leverger e exclamaram “Que Pantanal porra nenhuma, nós queremos ouro!”, e, finalmente, que Poconé tem sua origem em “muambeiros e meretrizes”.

Seria cômico, se não fosse trágico. O texto reproduzido de um site de humor chamado “Desciclopédia” é uma paródia do Wikipédia e trata com deboche e escárnio os temas ali postados. É engraçado... Piadas de gosto duvidoso, principalmente para os cidadãos destes municípios, mas escrito com soberba inteligência e desconcertante irreverência.

Por outro lado, é dramático, porque desvenda o pouco caso com o qual instituições governamentais cuidam da educação e da qualificação de nossa gente.

Terceirizam uma atividade estratégica e não se dão sequer ao trabalho de revisar a redação. Será que ninguém leu estas barbaridades? Será que o dinheiro público é tão abundante assim, que ninguém se dá ao dever de fiscalizar sua aplicação?

A história é a lanterna pela qual se conduzem as gerações. O episódio das cartilhas lança luz sobre a leniência governamental e converte-se em evento histórico, profilático e ilustrativo de práticas pouco republicanas.

Erros desta natureza não podem mais se repetir. As autoridades têm a obrigação de revisar, acompanhar e fiscalizar as informações educacionais que são transmitidas à comunidade.

Ou fazem isso com critério e competência, ou correm o risco de escrever mais um sucesso popular: A Cartilha do Governo Doido!

PAULO LEITE é jornalista e escritor em Mato Grosso.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
3 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Marco  18.04.13 20h28
Vc nao e o cara certo pra falar desse assunto,pois qdo vc teve oportunidade vc nao fez muito diferente, e agora vem jogar pedra, ai e facil..
0
0
alencar  18.04.13 17h31
Parabéns Paulo Leite.Quero saber quais foram os critérios adotados pelo governo para a escolha dessa "instituição"?
5
0
Juliano Bezerra  18.04.13 16h28
Parabéns Dr.Paulo Leite...até que enfim um voz lucida e capaz...opinião nota 10....Parabéns ...Acorda Mato Grosso
7
0



Leia mais notícias sobre Opinião:
Agosto de 2025
01.08.25 05h30 » “Ele era legal, né?”
01.08.25 05h30 » 10 mil mortes invisíveis
01.08.25 05h30 » Fibromialgia como deficiência
01.08.25 05h30 » Agosto Lilás
Julho de 2025
31.07.25 05h30 » A dinâmica do corpo
31.07.25 05h30 » Trump, atos e controvérsias
30.07.25 05h30 » Psicose ChatGPT
30.07.25 05h30 » Caso Juliana