Cuiabá, Sábado, 13 de Setembro de 2025
COM ATENÇÕES EM BOLSONARO
13.09.2025 | 16h48 Tamanho do texto A- A+

Congresso avança com anistia a desmatamento e garimpo em terra indígena

Enquanto holofotes estavam no julgamento, passaram oito propostas que alteram leis ambientais

Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Plenário da Câmara Federal em Brasília

Plenário da Câmara Federal em Brasília

DA FOLHAPRESS

Enquanto os holofotes da política estavam voltados para o julgamento que condenaria o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista e a disputa em torno do projeto da anistia, avançaram no Congresso Nacional nas últimas semanas oito propostas que alteram leis ambientais.

 

Levantamento feito pela Folha identificou que foram aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado textos para autorizar garimpo em terras indígenas (TIs), transferir o poder de demarcação dessas áreas para os parlamentares, perdoar o desmatamento ou derrubar normas do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente).

 

Seis destas propostas foram aprovadas na Comissão de Agricultura da Câmara no último dia 3, segundo dia do julgamento do núcleo que comandou a trama golpista, e que acabou com a primeira condenação da história para um ex-presidente e militares por tentativa de golpe de Estado.

 

Paralelamente, a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal aprovou, no final de agosto, um projeto que autoriza concessão de lavra garimpeiras dentro de terras indígenas -o que hoje não é permitido.

 

A proposta prevê que os indígenas devem consentir com a atividade, veda que ela seja realizada em territórios de povos isolados ou de recente contato e também barra a possibilidade de mineração industrial.

 

O projeto ainda permite que o garimpo seja realizado por não indígenas e determina que entre 2% e 4% do lucro seja revertido às comunidades.

Já dentre as propostas que passaram pela Comissão de Agricultura está uma que muda o procedimento da demarcação de terras indígenas.

 

Hoje isso passa por estudos da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que depois são chancelados pelo Ministério dos Povos Indígenas. O Ministério da Justiça então publica a chamada portaria declaratória e, por último, o presidente da República faz a homologação, que oficializa e finaliza o processo.

 

O projeto muda esse rito. Prevê que, após os estudos antropológicos e o reconhecimento do Ministério da Justiça, o presidente tem 30 dias para editar uma medida provisória que cria a terra indígena.

 

Essa medida depende da aprovação do Congresso, que tem 120 dias para votá-la. A mudança, na prática, tira do Executivo o poder decisório de fazer a demarcação e passa para os parlamentares.

 

O texto prevê ainda a existência do marco temporal -tese jurídica que estabelece que a demarcação de terras indígenas só é possível se os povos originários ocupavam ou disputavam essas terras na data da promulgação da Constituição de 1988. Essa proposta já foi aprovada em outro projeto e agora está em debate no STF (Supremo Tribunal Federal).

 

O projeto, que ainda precisa passar por outras comissões, também determina a indenização a donos que tenham terras dentro da área demarcada (mesmo caso a propriedade nunca tenha sido usada), o travamento da demarcação em caso de invasões e proíbe a ampliação de terras já existentes.

 

Também na sessão do dia 3, a comissão aprovou uma proposta que anistia qualquer desmatamento realizado antes de 2008, ao desobrigar que os fazendeiros promovam a regeneração destas áreas, e também regulariza a supressão de vegetação em áreas de recuperação florestal.

 

No mesmo dia, o grupo aprovou um relatório pela rejeição de um projeto que cria uma moratória para o desmatamento e proíbe a supressão da floresta na Amazônia Legal por cinco anos. O parecer contrário não impede seu avanço por outras comissões, mas marca uma posição acerca da matéria.

 

A comissão aprovou também um projeto que permite a regularização de imóveis em faixa de fronteira, mesmo em áreas em que esteja em curso processo para demarcação de uma terra indígena.

 

Na sessão, a Comissão de Agricultura também avançou com proposta que passa parte da Floresta Nacional de Roraima do governo federal para a gestão estadual, e também facilita a regularização fundiária de propriedades que ocupam terras da União.

 

Outro projeto chancelado pela comissão no dia 3 derruba norma do Ibama que exige do proprietário rural a regularização de sua fazenda para conseguir autorizações, por exemplo, de supressão de vegetação (necessária para a atividade rural) ou de exploração madeireira.

 

Já o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 2 -o primeiro do julgamento da trama golpista- um projeto que cria diretrizes para uso e conservação do Pantanal, mas que deixa de fora a Bacia do Alto Paraguai -principal fonte de irrigação do bioma, que sofreu recordes de seca nos últimos anos. Segundo ambientalistas, ao não incluir a região dentro das regras de proteção, o texto a deixa vulnerável à exploração e, portanto, ameaça agravar a crise hídrica desse bioma.

 

Procurada, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) disse que se mantém neutra quanto a proposta que perdoa o desmatamento, uma vez que ela pode "gerar interpretações contrárias aos compromissos ambientais do país" ao avançar no mesmo ano em que o país recebe a COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

 

A frente também disse que a regularização fundiária no Brasil tem problemas estruturais de morosidade do Estado, e que as propostas impedem que o proprietário rural seja punido por isso.

 

As novas regras de demarcação, defende a FPA, promovem "segurança jurídica, justiça social e respeito à diversidade étnica e cultural" e permitem a regularização de imóveis em faixa de fronteira sem impactar os direitos indígenas. A bancada ruralista disse, porém, que não acompanha a proposta sobre garimpo.

 

Relatora desta matéria, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou que a proposta não trata de legalização do garimpo, mas do "direito do indígena também ganhar dinheiro com minérios [...] e desenvolver a atividade econômica em sua terra".

 

Clarissa Presotti, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, vê um "cenário muito negativo no Congresso Nacional", às vésperas da COP30, "impulsionado por fortes interesses do agro e da mineração".

 

"Diversas frentes avançam no Legislativo com projetos que enfraquecem a demarcação de terras indígenas, flexibilizam regras ambientais, ameaçam o Pantanal e até permitem mineração em territórios protegidos. Somado à lei de Licenciamento Ambiental, esse conjunto de retrocessos compromete a agenda socioambiental", disse.

 

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP) também citou a proximidade da COP30.

 

"O avanço dessas propostas revela um cenário extremamente preocupante: uma reedição no Congresso, na prática, da frase célebre do ex-ministro [do Meio Ambiente] Ricardo Salles de passar a boiada enquanto o país acompanha outros assuntos", afirmou.

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia