“Contratado” para lavar o dinheiro da propina paga pela Caramuru Alimentos S/A aos agentes de tributo presos durante a operação Zaqueus, deflagrada no início deste mês, o advogado Themystocles de Figueiredo precisou de um ano e quatro meses para distribuir o total de R$ 1,8 milhão a todos os envolvidos no esquema.
De acordo com seu depoimento a policiais da Delegacia Fazendária (Defaz), a movimentação da propina teve início em 17 de dezembro de 2014, quando o primeiro pagamento da Caramuru, no valor aproximado de R$ 525,6 mil, caiu na conta da Figueiredo e Figueiredo Advogados Associados, e só foi encerrada em 19 de abril de 2016, quando a última transferência, de R$ 50 mil, foi feita para o agente de tributos André Fantoni.
No total, Themystocles emitiu 10 cheques e realizou 36 transações financeiras – entre saques, transferências e pagamentos de boletos. Os destinatários diretos dos valores foram, além de Fantoni, o também agente de tributos Alfredo Menezes e o representante da Caramuru, Walter de Souza Júnior (veja a lista dos repasses abaixo).
Dados da investigação apontam indícios de que o agente de tributos Farley Coelho Moutinho também teria sido beneficiado. A delação do advogado, no entanto, não cita valores destinados a ele.
Segundo a decisão do desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça, que determinou a soltura de Farley, nem mesmo a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) apresenta com clareza dados que revelem que ele tenha recebido parte da propina.
A exemplo de Fantoni e Alfredo, Farley foi preso no início do mês, durante a deflagração da Operação Zaqueus. Ambos são acusados pelos crimes de associação criminosa, crime contra a ordem tributária, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Eles teriam recebido a propina para reduzir uma multa aplicada pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) à empresa Caramuru em um Processo Administrativo Tributário (PAT). O valor da penalização teria partido de R$ 65,9 milhões para pouco mais de R$ 315 mil.
Fantoni e Alfredo permanecem detidos. Themystocles e Walter colaboram com as investigações. O primeiro foi o delator inicial da fraude e o segundo confirmou as informações do advogado em depoimento.
A partilha
O detalhamento de como a propina foi distribuída consta no Termo de Colaboração que Themystocles assinou com o Ministério Público. De acordo com o documento, a maior parte das transações financeiras teve como destinatário André Fantoni, apontado como principal articulador do esquema.
No total, foram 33 transações feitas para ele entre dezembro de 2014 e abril de 2016. Os repasses de dinheiro ao fiscal de tributos se davam por meio de transferências bancárias, pagamentos de boletos e até dinheiro entregue em mãos e teriam totalizado aproximadamente R$ 1,2 milhão.
De acordo com o depoimento do advogado, Fantoni cobrou os repasses já no dia seguinte ao pagamento feito pela Caramuru. Para atender o agente, Themystocles realizou dois saques – o primeiro de R$ 50 mil e o segundo de R$ 90 mil – já nos dias 18 e 19 de dezembro de 2014. Os valores foram entregues em dinheiro ao agente de tributos, a pedido dele próprio.
A entrega de valores em espécie, inclusive, foi a forma mais corriqueira de repasse da propina para Fantoni. Do total de 33 transações financeiras realizadas por Themystocles em seu favor, 19 foram saques. O agente de tributos recebeu em mãos, segundo o delator, R$ 919,5 mil, o equivalente a mais de 75% do valor total destinado a ele.
O delator também fazia pagamentos de boletos de Fantoni, segundo o que afirmou à Defaz e ao MPE. Dessa forma, Themystocles teria repassado mais R$ 161,7 mil ao agente. Cerca de R$ 70 mil desse total – divididos em dois pagamentos, sendo o primeiro efetuado em janeiro de 2015 e o segundo em fevereiro do mesmo ano – teriam sido destinados à compra de um imóvel.
"Possivelmente trata-se de imóvel adquirido pela Construtora Gonçalves (local do empreendimento e stand de vendas localizado próximo ao Sesi Park - ao lado da Loja Maçônica Templo Íntimo, localizada no bairro Morada do Ouro)", diz trecho do Termo de Colaboração firmado entre o advogado e o MPE.
Ainda segundo o que consta no documento, Walter de Souza também recebeu parte da propina que foi destinada ele já nos primeiros dias após o dinheiro ser repassado pela Caramuru à conta do escritório de Themystocles.
Para o representante da empresa, o primeiro pagamento ocorreu do dia 23 de dezembro de 2014. Na mesma data, o advogado delator do esquema diz ter realizado duas transferências, uma no valor de R$ 33,6 mil e outra de R$ 1 mil.
"No dia 23/12/2014, André pediu para o interrogando transferir o valor de R$ 34.600,00 (trinta e quatro mil e seiscentos reais), para Walter da Caramuru, tendo André dito que esse valor transferido para Walter seria um 'agrado', sendo que essa transferência efetuada para Walter foi realizada em duas operações no mesmo dia, sendo a primeira no valor de R$ 33.600,00 e a segunda de R$ 1.000,00 (mil reais)", diz trecho do depoimento prestado por Themystocles na Defaz, em março deste ano.
O restante do pagamento a Walter, segundo o advogado, só ocorreu entre os meses de abril e maio de 2015, quando o representante da empresa recebeu, respectivamente, por meio de transferência bancária R$ 141,6 mil e R$ 50,3 mil. No total, foi repassado a ele R$ 226,5 mil.
Alfredo Menezes, ainda de acordo com a delação de Themystocles, também só recebeu sua parte da propina – R$ 190 mil – em maio de 2015. Para ele, o dinheiro foi repassado por meio da emissão de nove cheques, datados entre os dias 12 e 19 e com valores que variaram de R$ 15 mil a R$ 35 mil.
A fraude
De acordo com as investigações da Defaz, André Fantoni, Alfredo Menezes e Farley Moutinho receberam propina de R$ 1,8 milhão para reduzir a aplicação de uma multa à empresa Caramuru Alimentos S/A de R$ 65,9 milhões para R$ 315,9 mil.
Enquanto Fantoni teria arquitetado toda a fraude, teria cabido a Alfredo e a Farley atuar no processo tributário, respectivamente, em primeira e em segunda instâncias administrativa no sentido de reduzir o valor da autuação à empresa.
O esquema chegou ao conhecimento dos investigadores após o Themystocles, “contratado” para lavar o dinheiro da propina, procurar as autoridades competentes para negociar uma delação premiada.
Na Defaz, o advogado afirmou ter tido medo de ver seu nome evolvido numa investigação após conhecer, por meio da imprensa, outra denúncia envolvendo a Caramuru Alimentos S/A. Também que chegou a se sentir ameaçado pelos demais envolvidos na fraude.
A delação de Themystocles acabou confirmada posteriormente nos depoimentos de Walter de Souza Júnior, representante, e de Alberto Borges de Souza, presidente da Caramuru.
Veja as listas das datas e repasses apresentadas pelo delator:
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