O procurador da Câmara de Cuiabá, Eustáquio Neto, afirmou que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Estacionamento Rotativo poderia realizar uma apreensão de um celular, caso tivesse uma “justa causa” para isso, como se o aparelho estivesse sendo usado para a prática de um crime em flagrante durante a sessão.
“Poder fazer a apreensão, [o presidente da CPI] até poderia, mas teria que haver uma justificativa forte, uma justa causa, e eles verificaram ali que não haveria necessidade disso. Em termos técnicos jurídicos, houve alguma confusão sobre as terminologias, ali no susto falaram ‘apreender’, mas na verdade era ‘reter’”, disse Eustáquio ao MidiaNews.
Na última quarta-feira (24) os membros da CPI reteram os dois aparelhos celulares do analista de gestão contratual da CS Mobi, Henrique Rodrigues de Freitas, durante seu depoimento. Segundo Eustáquio, na ocasião não houve necessidade da apreensão.
“O presidente da CPI, ele tem o poder de conduzir os trabalhos da CPI com bastante autonomia para garantir a ordem e a regularidade. Então se ele se depara com a situação que ele precise intervir, ele precisa fazer”.
“Agora, ali foi só para não atrapalhar o depoimento do rapaz, depois que terminou o depoimento eles conversaram entre os membros e viram que não havia necessidade nenhuma de manter o celular ou fazer uma apreensão e devolveram”, disse o procurador.
A situação
Na oitiva, o relator Dilemário Alencar (União) percebeu que Henrique mexia no celular enquanto estava na tribuna respondendo aos questionamentos dos vereadores e pediu que o presidente, vereador Rafael Ranalli (PL) intervisse e retirasse os celulares dele.
Victor Ostetti/MidiaNews
O analista de gestão contratual da CS Mobi, Henrique Rodrigues de Freitas, que teve os celulares retidos
“O seu celular está apreendido, essa CPI tem o poder de apreender o celular. A gente não vai mexer nele, pois vamos pedir autorização judicial para quebra dos dados. Vamos montar uma peça na Casa de apreensão e você pode procurar seu advogado”, disse Ranalli no momento, antes de recolher ele próprio os aparelhos.
Em seguida, após conversa entre os membros, eles decidiram devolver os celulares, mudando o termo de “apreensão” para “retenção”, alegando que a medida foi somente durante a fala de Henrique, para que não se comunicasse com ninguém naquele momento.
Após o fim da coletiva, o tom também era outro. Ranalli não usou mais o termo apreensão e adotou que a CPI apensar realizou uma retenção temporária. Também não falou mais em montar um pedido de autorização judicial para quebra dos dados dos aparelhos, que tinha mencionado inicialmente.
“A motivação foi uma retenção, porque aparentemente ele estava respondendo perguntas como testemunha e mexendo no celular. Tivemos o passo de apreender, na verdade reter o celular, só para ele não ter a influência de uma pessoa externa”, disse Ranalli em coletiva após a oitiva.
O que diz a lei
No regimento interno da Casa, no artigo 59, quando é tratado das CPIs, define que a Comissão poderá, “dentro ou fora da Câmara diligenciar, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, requisitar técnicos especializados para realizar perícias, solicitar informações e documentos, requerer a convocação de Secretários Municipais e tomar depoimentos de quaisquer autoridades”, não especificando se teria o poder de apreender um objeto.
Apesar da fala do procurador da Câmara, de acordo com a Constituição Federal, para que um celular seja apreendido e seu conteúdo periciado, é necessário o aval e o mandado de um juiz.
O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu em decisões de 1999 e 2000 que, apesar de a CPI ter poderes de investigação semelhantes aos de juízes, ela não tem o poder de realizar buscas e apreensões domiciliares ou de bens privados que exijam uma ordem judicial. A apreensão de um celular e a análise de seu conteúdo (dados, mensagens, fotos) envolvem a quebra do sigilo de dados e a violação da intimidade, o que está na esfera de proteção constitucional.
Segundo o entendimento do Supremo, o presidente da CPI poderia reter temporariamente um celular durante o depoimento (como um ato de polícia da sessão para garantir a ordem), que foi o que foi feito na oitiva desta quarta, mas isso não se configura como uma apreensão formal de prova para fins de perícia ou quebra de sigilo de dados.
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